Opinião
- 01 de novembro de 2019
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Cinco coisas que aprendi sobre a espiritualidade cristã desenhando
Por Liz Valente
Faz dois anos que reinseri a prática do desenho no meu cotidiano. Esse retorno ao desenho coincidiu com algumas novas práticas devocionais como a leitura do Lecionário nas minhas devoções e, mais recentemente, a oração dos Salmos. O que me surpreendeu foi a correlação entre a prática do desenho com a minha caminhada de fé. Como o treino do desenho livre me serve de metáfora viva para uma vida espiritual mais vibrante e madura. Como Deus me molda por meio de ambos.
1. Confie no processo
2. É apenas um exercício
3. Faça mesmo sem ter vontade
4. Tenha sempre em mãos
5. Os avanços são lentos, mas estão lá
1. Confie no processo
Diante de uma folha em branco, pego o lápis e em poucos minutos quero ter o resultado final. De preferência, um desenho expressivo ao mesmo tempo singelo. Quero acertar a proporção, a qualidade das linhas, e ter hachuras perfeitamente equilibradas. Mas, acontece que leva tempo. Todo professor de desenho diz para confiar no processo, traçar linhas claras, fazer as hachuras uma por uma sem se apressar, colocar as informações em camadas lentamente sobrepondo e escurecendo as áreas selecionando aquelas que receberão mais intencionalidade. Quando obedeço, 95% das vezes, o resultado é melhor. A fé cristã é assim também. O Salmo 119 dita um ritmo, um abecedário. Lemos, conhecemos, obedecemos, amamos, somos tentados, erramos — repete. Jesus disse, entre no quarto, feche a porte, ore, saia do quarto — repete. Esses processos identificados por toda a Bíblia são preciosos e não devem ser ignorados. Assim como a folha em branco só se transformará em algo belo depois de diversos ciclos, a vida cristã prosperará por meio de algo tão simples quanto uma rotina. Sim, existem aquelas 5% de vezes em que o desenho sai bom de primeira. Como há aqueles momentos especiais em que Deus intervém em nossas vidas e faz algo inesperado. No caso do desenho, acertar uma vez não é prova de que incorporei a habilidade. O mesmo pode ser dito da fé, há um processo demonstrado que pode e deve ser seguido, preciso confiar nesse processo para incorporar os lentos avanços. Isso me leva ao segundo ponto.
2. É apenas um exercício
O que quero dizer aqui é que quando pego a folha em branco quero uma obra prima. Um resultado final e bom o suficiente para mostrar para alguém. Infelizmente para ter belos desenhos preciso passar por muitos outros desenhos ruins, mais ainda por uma série de exercícios que não desenham nada. Treinos que não constroem uma composição em si, mas trabalham um pequeno aspecto como a qualidade das linhas. Um parêntesis para dizer que eu sou uma apaixonada por linhas. Estudo com paixão obras de outros artistas e treino o meu traço. No entanto, quando uma pessoa pega um desenho meu, não é comum ouvir “parabéns, que linha bonita essa”. As pessoas tendem a ver o todo, o tema, a figura e a ideia geral. Mas o que muitas vezes faço no meu treino de desenho é focar em uma pequena parte, para que um dia isso resulte em algo mais expressivo. Na caminhada espiritual também é assim. Quero ser plena, viva e sábia. As pessoas olham para nós e veem o todo, mas não consigo mudar tudo de uma vez. Queremos ser piedosos, mas não queremos fazer jejum, pausar a mente ou mesmo desligar o celular 30 minutos antes de dormir. É difícil, eu sei. Dá preguiça e os resultados não aparecem imediatamente. É apenas um exercício, a vida é bem mais complexa. Preciso aceitar a dimensão e a força de um exercício, e treinar mesmo sem ter a obra prima logo em seguida. Um vício será vencido um dia de cada vez.
3. Faça mesmo sem ter vontade
O desafio do treino cotidiano é que tem aqueles dias normais onde simplesmente não dá vontade. Nesses dias eu me disperso facilmente, esqueço tudo o que escrevi acima e o desenho simplesmente parece muito desinteressante e insignificante. Ainda assim, é preciso fazer. Cabe dizer que praticar desenho mesmo naquele modo automático, sem tanta intencionalidade, ajuda mais do que não fazer nada. Outra lição essencial na vida devocional. Os dias comuns, ordinários, são assim mesmo, nada parece colaborar para que eu leia a Bíblia. Me arrasto para começar e logo o texto bíblico parece distante, a oração parece oca. Mas o curioso é que depois que começo a fazer um exercício de desenho, muitas vezes me entretenho e acabo até gostando. Na fé cristã também é assim, Deus entra em cena. No meio do meu desinteresse e dispersão, um versículo me pega de surpresa, ou as vezes, só uma expressão. Ontem eu estava ouvindo a Bíblia enquanto fazia a minha filha dormir. A minha mente vagava e voltava, de repente, Jeremias usou uma expressão que nunca me atentei antes. Uma oração curta no meio de um texto longo. “Eu sei, ó Senhor, que nossa vida não nos pertence; não somos capazes de planejar o próprio caminho” (Jr10.23 NVT). O Senhor hidratou a minha alma por meio do profeta. Não foi uma exegese, não sei dizer ao certo do que se trata o contexto, não retive todo o conteúdo, mas lá estava eu insistindo em fazer em meio a vida, e o Senhor me abençoou apesar da minha fraqueza.
4. Tenha sempre em mãos
Desisti de seguir um caderninho do início ao fim. Tenho um na bolsa, um no carro, um no escritório e outro no quarto. Toda hora é hora, qualquer lugar está bom. Tenho lápis e coisas de desenho espalhadas pela casa. Do mesmo modo, comecei a fazer as minhas devocionais pelo aplicativo do celular. Rendi-me à praticidade. Eventualmente faço sim na Bíblia de papel, leio o fascículo impresso e escrevo a mão. No geral, porém, leio ou ouço pelo celular, anoto nos blocos de anotação virtuais e gravo áudios ou mando por mensagem algo que me desperte. Ter acesso ao texto a qualquer momento me possibilita investir na minha vida espiritual literalmente a qualquer instante. Mais do que isso, me ajuda a inserir a espiritualidade na vida como ela é. Nela medito dia e noite, aqui e ali, no papel e na tela, em conversas e por mensagens.
5. Os avanços são lentos, mas estão lá
Talvez a principal lição, a que conecta todas as outras, seja esta. Quando pego o meu caderninho e folheio meus desenhos dos últimos tempos, sinceramente, parecem todos iguais em termos de qualidade técnica. Nada acontece de uma hora para outra. Só quando eu vejo caderninhos de anos anteriores é que sou capaz de distinguir como a minha linha amadureceu. Os avanços são tímidos, ficam espreitando, não aparecem de uma vez. Sou cristã desde a infância, conheço as histórias e pratico a oração mesmo antes de saber ler. Os avanços são lentos. Como é rápida a descida do escorregador de um vício, é lenta a escalada para terras firmes. Mas pouco a pouco, dia a dia, posso construir uma fé mais robusta. A linha penteada, insegura, vira um traço consciente e preciso. O grão de mostarda vira arbusto e passa a dar abrigo aos passarinhos. O bloco de barro vira um vaso.
Nota: Texto publicado originalmente no Medium. Reproduzido com permissão.
• Liz Valente é mestra em arquitetura e urbanismo. Também é cantora, compositora e autora de 4 peças teatrais. Casada com Pedro Paulo e mãe do João, do Davi e da Maria.
>> Conheça o livro Cristo e a Criatividade, de Michael Card
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» A arte precisa de justificativa
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