Opinião
- 20 de setembro de 2011
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Carta de Luziânia
Uma equipe de trabalho do VI Encontro RENAS, ocorrido de 15 a 17 de setembro, em Luziânia (GO) produziu um documento final, uma declaração oficial, chamado “Carta de Luziânia”, que sintetiza o conteúdo, as convicções e os anseios dos participantes do evento. Abaixo, reproduzimos o documento na íntegra.
Carta de Luziânia
Nós, organizações filiadas à Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) e participantes do VI Encontro Nacional de RENAS, a partir dos desafios expostos nestes dias, nos colocamos diante da sociedade, com todas as nossas inquietações, desafios e desejo de avançar na promoção da justiça e participação social. Lembrados de que devemos clamar ao Pai Nosso, em uma oração que vai à frente de nossas ações sociais abrindo caminhos e movendo o não-movível.
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome
A oração do Pai Nosso começa com Deus, o nome de Deus, o Reino de Deus, a vontade de Deus. Oramos dispostos a entrar na batalha com armas espirituais e a fazer aqui, enquanto intercedemos, para que o Pai faça por lá o que Ele tem que fazer. É entrar na batalha sabendo que nossa arma espiritual é nos tornarmos amigos de Deus.
Pai nosso, Pai de nossa Rede. É oração comunitária, o “nós” só é possível quando estamos em comunidade. Uma comunidade transportada para dentro do quarto, tornando minha oração aceitável a Jesus.
Quando falamos que o Pai é “nosso” e não “meu”, negamos a ideologia da individualização, fazendo uma leitura contra cultural das tecnologias e desejos individualistas. Partimos de uma perspectiva cristã para reconhecer os ideais coletivos que instigaram, antes de tudo, ao Deus trino. Dizemos que queremos ir juntos, em rede.
Invocamos o nome de Deus e o primeiro desejo do nosso coração é santificar o nome dele, pois Jesus é a direção, conteúdo, poder, essência e glória do ministério.
Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu
E desejamos, intensamente, que venha o teu reino e que seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. Nossas ações devem refletir o reino, levando justiça ao pobre, ao excluído, àqueles que sofrem. Ao caminhar em rede, nos unimos pela manifestação do reino de Deus por meio do outro e com o outro, entendemos que a igualdade e a equidade são conceitos presentes no reino dos céus e manifestados na terra. No Brasil, somos sujeitos de direitos, e já alcançamos uma vasta legislação de garantia desses direitos, que precisa avançar, ampliar e ainda incluir.
Lutar pelo direito à alimentação, pela possibilidade de um desenvolvimento integral da pessoa humana (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos), e pela ampliação de acesso aos direitos já garantidos têm sido pauta de RENAS. Ao participar de espaços como os conselhos de controle social, nos colocamos a serviço da sociedade, pensando em ações estruturantes, que corroborem para a diminuição das desigualdades na sua constituição.
Crescemos no diálogo com o poder público, e no diálogo com a sociedade civil. Ao reagir contra a exploração sexual de crianças e adolescentes no turismo, RENAS abriu horizontes para um diálogo franco com outros setores do poder público e sociedade, estabelecendo novas possibilidades de parceria e aprendizado. Um caminho de grandes desafios e novas perspectivas. Isso nos coloca perto de outros atores e necessidades que, às vezes, negamos, mas que estão diante de nós. É o grito dos que sofrem para que possamos nos envolver e colaborar na luta por justiça, usando nossa maior arma, o amor, pois ele é a manifestação do Reino e da Verdade (Jesus).
O pão nosso de cada dia nos dá hoje
Estamos dispostos a buscar o pão do regaste da dignidade que dá ao pobre a chance do diálogo. Compreendemos que ser digno é ter raça, é ser gente. Compreendemos que no dividir, há o milagre da multiplicação. Desejamos o pão do engajamento e da participação nas políticas públicas, pedimos o pão do amor revelado a nossa comunidade de fé e pela mobilização da comunidade evangélica.
Precisamos pensar a sociedade, pensar a transformação dela de forma que os considerados como problema social sejam sujeitos de direitos, atores de sua própria história, capazes de sonhar todos os dias, para além do prato de comida.
Necessitamos do pão que nos permita participar não apenas por meio do voto, mas por meio de controle e da participação social.
O pão de uma nova geração, formada por escolas dignas, libertos para uma nova forma de fazer política. O pão de supostos teóricos fortes, para dar forma a nossa prática, que nos faça fazer política.
Precisamos do pão de uma igreja lúcida, profética, que seja pequena como os pequenos, que se assuma como igreja pobre, que problematiza a pobreza com os pobres e a miséria com os miseráveis.
O pão que venha de uma cadeia alimentar livre do tráfico humano, livre do trabalho escravo, livre do agrotóxico, livres das monoculturas, livres da degradação do meio ambiente, livre do trabalho infantil, livres das grandes propriedades de terra. Um pão vindo da reforma agrária.
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores
Pedimos perdão como forma de denunciar nossa realidade. Perdão pela especificidade do acesso a terra.
Perdão por termos saído dos ideais coletivos que marcaram a igreja primitiva e por nos deixarmos ser geridos pelo desejo individual.
Perdão pela penúria dos povos indígenas e pelos quatro séculos de escravidão negra, pelo tortuoso processo de discriminação e humilhação com o qual subjugamos nossos iguais.
Perdão por negligenciar o “sociocentrismo” em favor do “estadocentrismo”.
Por não entendermos que a terra é um direito, não é favor.
Perdão pelo capitalismo posto em uma lógica desigual, por um Estado capitalista fundado na desigualdade.
Perdão pelas políticas de proteção resultantes do fracasso do Estado Liberal.
Perdão pelo modelo adotado da concentração de renda.
Perdão pelo sofrimento causado aos indígenas, quilombolas, moradores em situação de rua, atingidos por barragens os que não têm terra, logo não têm endereço.
Perdão pela incógnita da reforma agrária.
Perdão pela miséria que passa apenas pelo cifrão.
Perdão pela igreja da alienação, da magia.
Perdão pela falência dos sistemas de educação, pelos analfabetos totais e funcionais que produzimos ao termos negligenciado o direito ao conhecimento.
Perdão pela nossa paralisação que se dá por achar que sempre há uma necessidade que ainda não foi suprida e por não termos essa consciência de que Deus nos supre tudo, quando vivemos para aquilo que nos é necessário.
Não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal
Andar adiante requer reconhecimento do mal que nos assola, do que renunciamos e do que denunciamos. Queremos ser libertos da aparência, das racionalizações tolas, queremos falar a verdade. Não nos vendermos, não negociarmos o Senhor, o pobre e os valores da cruz. Não sermos senhores da verdade. Sermos livres da tentação de a igreja assumir o lugar da velha elite.
Precisamos do livramento do mal da desigualdade no campo, que maltrata a mulher, a criança, o negro, a família. Do mal de ver quatro milhões de famílias sem terra. Do mal da realidade da concentração de terra, do mal do extermínio dos jovens, do mal da exploração sexual de crianças e adolescentes. Do mal de excluir gente mesmo dentro de uma escola.
Porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre
Chamamos o reinado do Pai para essas circunstâncias e realidades. Que venha o reino num novo jeito de ser sociedade, de fazer política. Que haja outro caminho, o do arrependimento, o da transformação, o da igreja, de fato, protestante. Um reinado que releve nossa capilaridade de envolvimento, força e transformação social. Um reino em que nós sejamos eles, eles sejam o que nós somos.
Um reinado em que Jesus é a direção, o conteúdo, o poder, a essência e glória do ministério. Venha o reino com as boas novas, com a evangelização, com a missão cristocêntrica. Venha a nossa cidadania espiritual por meio de uma fé não antropomorfizada, entendendo que tudo está conectado, toda a criação – ecossistemas -, todas as formas de vida interagem.
Que venha o reino na forma política contemporânea de exercício do poder nas sociedades democráticas, exigindo e ocupando os espaços participativos, fazendo lobby, fazendo política contemporânea, a política do reino. Que venha o Reino por meio de uma igreja lúcida, profética e disposta a morrer, e a não tirar proveito do Estado. Que venha o reino por meio de uma igreja comprometida com a justiça e que junto ao pobre se emancipa e se liberta.
Que venha o reino de Deus que resgata a dignidade. A dignidade que garante o diálogo.
O reino de compromisso com a paz de onde nasce a justiça. Nós não queremos vencer, queremos paz, e para ter paz tem que haver direito, tem que haver justiça.
Ao Senhor a glória e o poder. Amém!
Carta de Luziânia
Nós, organizações filiadas à Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) e participantes do VI Encontro Nacional de RENAS, a partir dos desafios expostos nestes dias, nos colocamos diante da sociedade, com todas as nossas inquietações, desafios e desejo de avançar na promoção da justiça e participação social. Lembrados de que devemos clamar ao Pai Nosso, em uma oração que vai à frente de nossas ações sociais abrindo caminhos e movendo o não-movível.
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome
A oração do Pai Nosso começa com Deus, o nome de Deus, o Reino de Deus, a vontade de Deus. Oramos dispostos a entrar na batalha com armas espirituais e a fazer aqui, enquanto intercedemos, para que o Pai faça por lá o que Ele tem que fazer. É entrar na batalha sabendo que nossa arma espiritual é nos tornarmos amigos de Deus.
Pai nosso, Pai de nossa Rede. É oração comunitária, o “nós” só é possível quando estamos em comunidade. Uma comunidade transportada para dentro do quarto, tornando minha oração aceitável a Jesus.
Quando falamos que o Pai é “nosso” e não “meu”, negamos a ideologia da individualização, fazendo uma leitura contra cultural das tecnologias e desejos individualistas. Partimos de uma perspectiva cristã para reconhecer os ideais coletivos que instigaram, antes de tudo, ao Deus trino. Dizemos que queremos ir juntos, em rede.
Invocamos o nome de Deus e o primeiro desejo do nosso coração é santificar o nome dele, pois Jesus é a direção, conteúdo, poder, essência e glória do ministério.
Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu
E desejamos, intensamente, que venha o teu reino e que seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. Nossas ações devem refletir o reino, levando justiça ao pobre, ao excluído, àqueles que sofrem. Ao caminhar em rede, nos unimos pela manifestação do reino de Deus por meio do outro e com o outro, entendemos que a igualdade e a equidade são conceitos presentes no reino dos céus e manifestados na terra. No Brasil, somos sujeitos de direitos, e já alcançamos uma vasta legislação de garantia desses direitos, que precisa avançar, ampliar e ainda incluir.
Lutar pelo direito à alimentação, pela possibilidade de um desenvolvimento integral da pessoa humana (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos), e pela ampliação de acesso aos direitos já garantidos têm sido pauta de RENAS. Ao participar de espaços como os conselhos de controle social, nos colocamos a serviço da sociedade, pensando em ações estruturantes, que corroborem para a diminuição das desigualdades na sua constituição.
Crescemos no diálogo com o poder público, e no diálogo com a sociedade civil. Ao reagir contra a exploração sexual de crianças e adolescentes no turismo, RENAS abriu horizontes para um diálogo franco com outros setores do poder público e sociedade, estabelecendo novas possibilidades de parceria e aprendizado. Um caminho de grandes desafios e novas perspectivas. Isso nos coloca perto de outros atores e necessidades que, às vezes, negamos, mas que estão diante de nós. É o grito dos que sofrem para que possamos nos envolver e colaborar na luta por justiça, usando nossa maior arma, o amor, pois ele é a manifestação do Reino e da Verdade (Jesus).
O pão nosso de cada dia nos dá hoje
Estamos dispostos a buscar o pão do regaste da dignidade que dá ao pobre a chance do diálogo. Compreendemos que ser digno é ter raça, é ser gente. Compreendemos que no dividir, há o milagre da multiplicação. Desejamos o pão do engajamento e da participação nas políticas públicas, pedimos o pão do amor revelado a nossa comunidade de fé e pela mobilização da comunidade evangélica.
Precisamos pensar a sociedade, pensar a transformação dela de forma que os considerados como problema social sejam sujeitos de direitos, atores de sua própria história, capazes de sonhar todos os dias, para além do prato de comida.
Necessitamos do pão que nos permita participar não apenas por meio do voto, mas por meio de controle e da participação social.
O pão de uma nova geração, formada por escolas dignas, libertos para uma nova forma de fazer política. O pão de supostos teóricos fortes, para dar forma a nossa prática, que nos faça fazer política.
Precisamos do pão de uma igreja lúcida, profética, que seja pequena como os pequenos, que se assuma como igreja pobre, que problematiza a pobreza com os pobres e a miséria com os miseráveis.
O pão que venha de uma cadeia alimentar livre do tráfico humano, livre do trabalho escravo, livre do agrotóxico, livres das monoculturas, livres da degradação do meio ambiente, livre do trabalho infantil, livres das grandes propriedades de terra. Um pão vindo da reforma agrária.
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores
Pedimos perdão como forma de denunciar nossa realidade. Perdão pela especificidade do acesso a terra.
Perdão por termos saído dos ideais coletivos que marcaram a igreja primitiva e por nos deixarmos ser geridos pelo desejo individual.
Perdão pela penúria dos povos indígenas e pelos quatro séculos de escravidão negra, pelo tortuoso processo de discriminação e humilhação com o qual subjugamos nossos iguais.
Perdão por negligenciar o “sociocentrismo” em favor do “estadocentrismo”.
Por não entendermos que a terra é um direito, não é favor.
Perdão pelo capitalismo posto em uma lógica desigual, por um Estado capitalista fundado na desigualdade.
Perdão pelas políticas de proteção resultantes do fracasso do Estado Liberal.
Perdão pelo modelo adotado da concentração de renda.
Perdão pelo sofrimento causado aos indígenas, quilombolas, moradores em situação de rua, atingidos por barragens os que não têm terra, logo não têm endereço.
Perdão pela incógnita da reforma agrária.
Perdão pela miséria que passa apenas pelo cifrão.
Perdão pela igreja da alienação, da magia.
Perdão pela falência dos sistemas de educação, pelos analfabetos totais e funcionais que produzimos ao termos negligenciado o direito ao conhecimento.
Perdão pela nossa paralisação que se dá por achar que sempre há uma necessidade que ainda não foi suprida e por não termos essa consciência de que Deus nos supre tudo, quando vivemos para aquilo que nos é necessário.
Não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal
Andar adiante requer reconhecimento do mal que nos assola, do que renunciamos e do que denunciamos. Queremos ser libertos da aparência, das racionalizações tolas, queremos falar a verdade. Não nos vendermos, não negociarmos o Senhor, o pobre e os valores da cruz. Não sermos senhores da verdade. Sermos livres da tentação de a igreja assumir o lugar da velha elite.
Precisamos do livramento do mal da desigualdade no campo, que maltrata a mulher, a criança, o negro, a família. Do mal de ver quatro milhões de famílias sem terra. Do mal da realidade da concentração de terra, do mal do extermínio dos jovens, do mal da exploração sexual de crianças e adolescentes. Do mal de excluir gente mesmo dentro de uma escola.
Porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre
Chamamos o reinado do Pai para essas circunstâncias e realidades. Que venha o reino num novo jeito de ser sociedade, de fazer política. Que haja outro caminho, o do arrependimento, o da transformação, o da igreja, de fato, protestante. Um reinado que releve nossa capilaridade de envolvimento, força e transformação social. Um reino em que nós sejamos eles, eles sejam o que nós somos.
Um reinado em que Jesus é a direção, o conteúdo, o poder, a essência e glória do ministério. Venha o reino com as boas novas, com a evangelização, com a missão cristocêntrica. Venha a nossa cidadania espiritual por meio de uma fé não antropomorfizada, entendendo que tudo está conectado, toda a criação – ecossistemas -, todas as formas de vida interagem.
Que venha o reino na forma política contemporânea de exercício do poder nas sociedades democráticas, exigindo e ocupando os espaços participativos, fazendo lobby, fazendo política contemporânea, a política do reino. Que venha o Reino por meio de uma igreja lúcida, profética e disposta a morrer, e a não tirar proveito do Estado. Que venha o reino por meio de uma igreja comprometida com a justiça e que junto ao pobre se emancipa e se liberta.
Que venha o reino de Deus que resgata a dignidade. A dignidade que garante o diálogo.
O reino de compromisso com a paz de onde nasce a justiça. Nós não queremos vencer, queremos paz, e para ter paz tem que haver direito, tem que haver justiça.
Ao Senhor a glória e o poder. Amém!
Luziânia (GO), 17 de setembro de 2011
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