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- 16 de outubro de 2014
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Calvino: por dentro e por fora
As obras escritas em forma de diálogo facilitam a compreensão. Grandes autores, como Platão, mesmo sabendo que seus textos poderiam ser lidos por leitores incomuns, usavam o diálogo para criar empatia com o leitor.
Sou Eu, Calvino: conversas com o reformador – uma biografia , de Elben M. Lenz César, apresenta uma das mentes mais influentes da Era Moderna: João Calvino. A retomada em forma de diálogo da trajetória de Calvino é brilhante, visto que o questionamento ajuda a esclarecer as dúvidas de todos os que por algum caminho entraram em contato com a obra e o pensamento deste personagem da história cristã.
Pequenas observações, como a paisagem arquitetônica, cenários e obras lidas, esclarecem sobre a formação e o pensamento do biografado. Com a pergunta do autor “onde o senhor nasceu?”, podemos acessar um cenário que talvez tenha embalado a vida de Calvino em Noyon, uma das igrejas de Notre Dame. Não há cenário mais digno.
O universo de Calvino era católico; ele se cercava de conhecidos dessa Igreja e é a partir dela que seus conhecimentos desabrocham. Pormenores como as escolas de La Marche e de Montaigu, onde Calvino estudou humanidades e latim, são assinalados com maestria. Curiosidades como o fato de o reformador ter cursado arte denotam bom gosto, embora sua base social fosse modesta.
O livro do Rev. Elben M. Lenz César também revela a trajetória de um reformador protestante como ficou conhecido nos manuais de História, mas o autor reveste esse reformador com matizes profundamente humanos. A obra põe o leitor diante de uma figura cujo profundo apego pela missão e o amor aos Evangelhos o levam aos clássicos gregos e latinos. Estudar grego não era vaidade para Calvino, mas um modo de chegar mais perto da língua na qual os antigos escreveram os textos bíblicos, antes mesmo do latim.
Em alguns trechos da obra é possível perceber a “psicologia” do reformador, sua escolha, seus medos e angústias: “Por um pequeno período de tempo tentei ser um reformador por dentro sem tirar a máscara católica”. Era preciso ser astuto para não cair nas malhas da Inquisição.
O texto expõe informações preciosas, tais como o indicativo da migração de populações intereuropeias devido às perseguições religiosas que se instauraram no período da Contrarreforma.
O cruzamento curioso de informações entre a necessidade do apostolado e as descobertas do mundo é ressaltado na descrição sobre a evolução cartográfica de Mercator e a necessidade de se conhecer as terras por onde os missionários deveriam espalhar a Boa Nova. O autor conclui este ponto, de forma magistral, com estas palavras do reformador: “A impressão que tenho é que esses nossos arautos da ciência moderna trabalham para Deus”.
A obra ressalta ainda outras minúcias, como métodos velhos e novos de ensino dos Evangelhos, e curiosidades que instruem, como a “Disputatio Puerorum” – livro de catecismo dedicado às crianças – e a origem do termo “catecismo”.
O método sutil com que o autor diferencia os primeiros arautos do reformismo é notável, embora poucas obras façam tal diferenciação. Refiro-me ao trecho “Não posso concordar com a agressividade de Martinho Lutero, mas não posso negar sua coragem”. Em algumas citações bem pontuadas é possível o leitor comum acessar a alma de Calvino. Menções ao estado de sentimento dos personagens mostram que o autor evita o pudor científico incapaz de perceber os reais problemas humanos. Se os santos e profetas sofrem de angústia e depressão, tal evidência alivia a dor dos homens comuns.
A menção ao fluxo entre a literatura bíblica e a pregação é primorosa. O autor denota tal peculiaridade quando afirma a questão sobre as mensagens, os comentários bíblicos escritos, o modo de pregação e as formas como o discurso se apresenta e atinge este ou aquele público. Também ajuda a pensar os estilos adotados pelo Cristianismo na era moderna, entre os quais as pastorais, que não eram exclusivas do catolicismo.
Além disso, o texto tão bem escrito de Elben M. Lenz César apresenta-se sempre atual, uma vez que confronta o mundo de Calvino ao de hoje, esclarecendo tanto o leitor jovem como o experiente sobre as possibilidades de pensar Calvino. Há preocupação clara em levar o leitor a conjecturas e novas perguntas sobre a Reforma e seu significado. Por tantos motivos, recomendo a leitura de Sou eu, Calvino http://ultimato.com.br/sites/sou-eu-calvino/, escrito para trazer nova luz ao tema da Reforma, tão antigo e tão atual.
• Karla Denise Martins é professora da Universidade Federal de Viçosa (MG), doutora em História Cultural pela UNICAMP.
Leia também
Campanha "Reformadores"
Conversas com Lutero
Somente pela Fé (devocionário)
Foto: Landowski, P., Relevo os Reformadores, Genebra, Suíça.
Sou Eu, Calvino: conversas com o reformador – uma biografia , de Elben M. Lenz César, apresenta uma das mentes mais influentes da Era Moderna: João Calvino. A retomada em forma de diálogo da trajetória de Calvino é brilhante, visto que o questionamento ajuda a esclarecer as dúvidas de todos os que por algum caminho entraram em contato com a obra e o pensamento deste personagem da história cristã.
Pequenas observações, como a paisagem arquitetônica, cenários e obras lidas, esclarecem sobre a formação e o pensamento do biografado. Com a pergunta do autor “onde o senhor nasceu?”, podemos acessar um cenário que talvez tenha embalado a vida de Calvino em Noyon, uma das igrejas de Notre Dame. Não há cenário mais digno.
O universo de Calvino era católico; ele se cercava de conhecidos dessa Igreja e é a partir dela que seus conhecimentos desabrocham. Pormenores como as escolas de La Marche e de Montaigu, onde Calvino estudou humanidades e latim, são assinalados com maestria. Curiosidades como o fato de o reformador ter cursado arte denotam bom gosto, embora sua base social fosse modesta.
O livro do Rev. Elben M. Lenz César também revela a trajetória de um reformador protestante como ficou conhecido nos manuais de História, mas o autor reveste esse reformador com matizes profundamente humanos. A obra põe o leitor diante de uma figura cujo profundo apego pela missão e o amor aos Evangelhos o levam aos clássicos gregos e latinos. Estudar grego não era vaidade para Calvino, mas um modo de chegar mais perto da língua na qual os antigos escreveram os textos bíblicos, antes mesmo do latim.
Em alguns trechos da obra é possível perceber a “psicologia” do reformador, sua escolha, seus medos e angústias: “Por um pequeno período de tempo tentei ser um reformador por dentro sem tirar a máscara católica”. Era preciso ser astuto para não cair nas malhas da Inquisição.
O texto expõe informações preciosas, tais como o indicativo da migração de populações intereuropeias devido às perseguições religiosas que se instauraram no período da Contrarreforma.
O cruzamento curioso de informações entre a necessidade do apostolado e as descobertas do mundo é ressaltado na descrição sobre a evolução cartográfica de Mercator e a necessidade de se conhecer as terras por onde os missionários deveriam espalhar a Boa Nova. O autor conclui este ponto, de forma magistral, com estas palavras do reformador: “A impressão que tenho é que esses nossos arautos da ciência moderna trabalham para Deus”.
A obra ressalta ainda outras minúcias, como métodos velhos e novos de ensino dos Evangelhos, e curiosidades que instruem, como a “Disputatio Puerorum” – livro de catecismo dedicado às crianças – e a origem do termo “catecismo”.
O método sutil com que o autor diferencia os primeiros arautos do reformismo é notável, embora poucas obras façam tal diferenciação. Refiro-me ao trecho “Não posso concordar com a agressividade de Martinho Lutero, mas não posso negar sua coragem”. Em algumas citações bem pontuadas é possível o leitor comum acessar a alma de Calvino. Menções ao estado de sentimento dos personagens mostram que o autor evita o pudor científico incapaz de perceber os reais problemas humanos. Se os santos e profetas sofrem de angústia e depressão, tal evidência alivia a dor dos homens comuns.
A menção ao fluxo entre a literatura bíblica e a pregação é primorosa. O autor denota tal peculiaridade quando afirma a questão sobre as mensagens, os comentários bíblicos escritos, o modo de pregação e as formas como o discurso se apresenta e atinge este ou aquele público. Também ajuda a pensar os estilos adotados pelo Cristianismo na era moderna, entre os quais as pastorais, que não eram exclusivas do catolicismo.
Além disso, o texto tão bem escrito de Elben M. Lenz César apresenta-se sempre atual, uma vez que confronta o mundo de Calvino ao de hoje, esclarecendo tanto o leitor jovem como o experiente sobre as possibilidades de pensar Calvino. Há preocupação clara em levar o leitor a conjecturas e novas perguntas sobre a Reforma e seu significado. Por tantos motivos, recomendo a leitura de Sou eu, Calvino http://ultimato.com.br/sites/sou-eu-calvino/, escrito para trazer nova luz ao tema da Reforma, tão antigo e tão atual.
• Karla Denise Martins é professora da Universidade Federal de Viçosa (MG), doutora em História Cultural pela UNICAMP.
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