Opinião
- 09 de julho de 2009
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Calvino: fanático ou reformador?
João Heliofar de Jesus Villar
Quem ler o perfil de João Calvino retratado na “História do Cristianismo”, do historiador britânico Paul Johnson, provavelmente ficará com uma péssima imagem do reformador. Católico humanista identificado com o legado de Erasmo de Roterdã, Johnson expõe um Calvino intolerante, com uma doutrina de predestinação terrível, que ajudou a conduzir Genebra num sistema cada vez mais fanatizado no Século 16. No livro não se encontra um reformador, um estadista, mas um perseguidor implacável de heresias, um sujeito obcecado em punir aqueles que se desviassem de sua orientação.
Destaco aqui a visão de Paul Johnson, um historiador respeitado, porque essa imagem de Calvino não é incomum no imaginário do homem culto secularizado. Porém, esse é um estereótipo, uma bobagem, uma caricatura ridícula. Julgar Calvino por perseguir heresias no Século 16 -- época em que a heresia era vista com a mesma gravidade que o crime de traição -- implica condená-lo por não ter nascido no Século 21, a bordo de todas as mudanças culturais e históricas dos últimos cinco séculos, que nos permitem ser assim tão mais sábios que nossos ancestrais na fé. Depois da história, todos são sábios.
Caricaturas à parte, o importante é que neste ano se comemora o quinto centenário de João Calvino, que nasceu em 10 de julho de 1509. É papel da igreja evangélica, não apenas da igreja formalmente denominada reformada, resgatar o imenso legado deixado por esse gigante da fé.
Por estar mais proximamente identificada com a herança deixada por Wesley, que, como se sabe, pendia mais para a doutrina arminiana do que para a concepção de predestinação sistematizada por Calvino em sua teologia da graça, a igreja pentecostal -- e por consequência os neopentecostais -- porta-se como se nada devesse ao reformador de Genebra, a quem inclusive vê com certa antipatia.
Esse é um erro lamentável. A dívida de todos nós, históricos ou não, para com João Calvino é imensa. É impossível desenvolver a temática apenas num artigo como este. Porém, vale a pena destacar dois pontos para pelo menos procurar demonstrar a importância que sua figura histórica representa para todos nós.
É um estereótipo de mau gosto reduzir o calvinismo à predestinação. A preocupação central de Calvino era com a glória de Deus, ao ponto do zelo extremo. Textos como Romanos 11.36 (“Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas”) e 1 Coríntios 10 (“Quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, façais tudo para a glória de Deus”) são centrais para a compreensão do seu pensamento e de sua ênfase na soberania de Deus. Aliás, num tempo em que a igreja esquece seu papel de expressar a glória de Deus e se volta de modo crescente para a satisfação das necessidades individuais, talvez a ênfase de Calvino seja mais necessária do que nunca. A ideia de que meu casamento, meu trabalho, meus relacionamentos etc., devem expressar a glória de Deus, sutilmente apaga-se cada vez mais, para dar lugar a uma teologia que tem como referência última a felicidade humana (isto é, meu casamento, meu trabalho, meus relacionamentos etc., devem servir à minha felicidade -- e que Deus me ajude!).
Além dessa saudável preocupação com a priorização da glória de Deus na existência como um todo, não podemos jamais esquecer o papel de Calvino como reformador. É certo que Lutero o antecedeu. Porém, a Reforma ainda não havia encontrado alguém que expressasse sua teologia, uma figura que sistematizasse de modo compreensivo o pensamento que Lutero expressou de modo apaixonado, mas desordenado. A Reforma já tinha seu Pedro, mas lhe faltava um Paulo. Com as Institutas da Religião Cristã o movimento ganhou um documento, uma apologia ordenada e sistemática, que lhe deu a estrutura necessária para crescer e avançar.
E a grandeza de Calvino foi justamente demonstrar que a Reforma não preconizava nada novo. Não se estava reiventando a roda, mas simplesmente proclamando o evangelho conforme suas raízes primitivas. Com seu conhecimento profundo das escrituras e sua cultura enciclopédica, demonstrava a cada passo que as principais reivindicações do movimento reformado estavam perfeitamente alinhadas com a Bíblia e o ensino dos pais da igreja.
Eram belas lições para seu tempo, e são belas lições para a igreja de hoje. Foco do culto e da existência humana na glória de Deus e profundo respeito pelo legado daqueles que vivenciaram a fé antes de nós. Parodiando Newton, a igreja pode prestar um tributo a Calvino nesta celebração dos quinhentos anos de seu nascimento e dizer: “Se hoje enxergamos mais longe é porque nos erguemos sobre ombros de gigantes”.
Quem ler o perfil de João Calvino retratado na “História do Cristianismo”, do historiador britânico Paul Johnson, provavelmente ficará com uma péssima imagem do reformador. Católico humanista identificado com o legado de Erasmo de Roterdã, Johnson expõe um Calvino intolerante, com uma doutrina de predestinação terrível, que ajudou a conduzir Genebra num sistema cada vez mais fanatizado no Século 16. No livro não se encontra um reformador, um estadista, mas um perseguidor implacável de heresias, um sujeito obcecado em punir aqueles que se desviassem de sua orientação.
Destaco aqui a visão de Paul Johnson, um historiador respeitado, porque essa imagem de Calvino não é incomum no imaginário do homem culto secularizado. Porém, esse é um estereótipo, uma bobagem, uma caricatura ridícula. Julgar Calvino por perseguir heresias no Século 16 -- época em que a heresia era vista com a mesma gravidade que o crime de traição -- implica condená-lo por não ter nascido no Século 21, a bordo de todas as mudanças culturais e históricas dos últimos cinco séculos, que nos permitem ser assim tão mais sábios que nossos ancestrais na fé. Depois da história, todos são sábios.
Caricaturas à parte, o importante é que neste ano se comemora o quinto centenário de João Calvino, que nasceu em 10 de julho de 1509. É papel da igreja evangélica, não apenas da igreja formalmente denominada reformada, resgatar o imenso legado deixado por esse gigante da fé.
Por estar mais proximamente identificada com a herança deixada por Wesley, que, como se sabe, pendia mais para a doutrina arminiana do que para a concepção de predestinação sistematizada por Calvino em sua teologia da graça, a igreja pentecostal -- e por consequência os neopentecostais -- porta-se como se nada devesse ao reformador de Genebra, a quem inclusive vê com certa antipatia.
Esse é um erro lamentável. A dívida de todos nós, históricos ou não, para com João Calvino é imensa. É impossível desenvolver a temática apenas num artigo como este. Porém, vale a pena destacar dois pontos para pelo menos procurar demonstrar a importância que sua figura histórica representa para todos nós.
É um estereótipo de mau gosto reduzir o calvinismo à predestinação. A preocupação central de Calvino era com a glória de Deus, ao ponto do zelo extremo. Textos como Romanos 11.36 (“Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas”) e 1 Coríntios 10 (“Quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, façais tudo para a glória de Deus”) são centrais para a compreensão do seu pensamento e de sua ênfase na soberania de Deus. Aliás, num tempo em que a igreja esquece seu papel de expressar a glória de Deus e se volta de modo crescente para a satisfação das necessidades individuais, talvez a ênfase de Calvino seja mais necessária do que nunca. A ideia de que meu casamento, meu trabalho, meus relacionamentos etc., devem expressar a glória de Deus, sutilmente apaga-se cada vez mais, para dar lugar a uma teologia que tem como referência última a felicidade humana (isto é, meu casamento, meu trabalho, meus relacionamentos etc., devem servir à minha felicidade -- e que Deus me ajude!).
Além dessa saudável preocupação com a priorização da glória de Deus na existência como um todo, não podemos jamais esquecer o papel de Calvino como reformador. É certo que Lutero o antecedeu. Porém, a Reforma ainda não havia encontrado alguém que expressasse sua teologia, uma figura que sistematizasse de modo compreensivo o pensamento que Lutero expressou de modo apaixonado, mas desordenado. A Reforma já tinha seu Pedro, mas lhe faltava um Paulo. Com as Institutas da Religião Cristã o movimento ganhou um documento, uma apologia ordenada e sistemática, que lhe deu a estrutura necessária para crescer e avançar.
E a grandeza de Calvino foi justamente demonstrar que a Reforma não preconizava nada novo. Não se estava reiventando a roda, mas simplesmente proclamando o evangelho conforme suas raízes primitivas. Com seu conhecimento profundo das escrituras e sua cultura enciclopédica, demonstrava a cada passo que as principais reivindicações do movimento reformado estavam perfeitamente alinhadas com a Bíblia e o ensino dos pais da igreja.
Eram belas lições para seu tempo, e são belas lições para a igreja de hoje. Foco do culto e da existência humana na glória de Deus e profundo respeito pelo legado daqueles que vivenciaram a fé antes de nós. Parodiando Newton, a igreja pode prestar um tributo a Calvino nesta celebração dos quinhentos anos de seu nascimento e dizer: “Se hoje enxergamos mais longe é porque nos erguemos sobre ombros de gigantes”.
45 anos, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
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