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Opinião

Café, leitura e revolução

Por Cherie Harder

Cada ano eleitoral, geralmente, traz consigo salvas de tiros renovadas nas guerras culturais em curso, e há pouco motivo para pensar que este ano será uma exceção. Mas no meio de todo o som e fúria que envolve essas batalhas, pode ser fácil ignorar meios de engajamento cultural menos truculentos, se não menos efetivos.

Historicamente, um dos mais poderosos instigadores de mudança cultural têm sido as discussões de pequeno grupo. Na França, isso acontecia nos cafés - pequenos grupos que se reuniam para conversar, fofocar, ler e discutir. No século 18, na Inglaterra, foi o Grupo Clapham que auxiliou a tirar a Inglaterra de uma de suas mais violentas, opressivas e pervertidas sociedades, durante a era vitoriana. Hoje, talvez o equivalente mais próximo – bem como uma gentil, mas potente forma de repelir normas culturais nocivas – é o clube do livro.

Existem várias razões porque um grupo de leitura pode ser um esforço subversivo contra cultural, apesar de seu aspecto modesto e caseiro.

Primeiramente, a atitude de hospedar ou participar de um grupo de leitura repele a crescente tendência cultural em direção à interação eletrônica isolada. Nosso vício na mídia de entretenimento se tornou tão grande que o americano médio, hoje, gasta mais tempo nas mídias eletrônicas que trabalhando. Uma pesquisa da Nielson mostrou que o americano médio gasta quase 33 horas assistindo à TV “tradicional”, e outras duas horas e 20 minutos assistindo à TV com horário flexível, quase quatro horas por semana na Internet, e outra meia hora assistindo a vídeos na Internet. A socialização e a leitura foram expulsas de nossas vidas por nossa dependência da TV e da Internet.

Um grupo de leitura, gentil e firmemente, resiste a essa tendência. Ele oferece interação real e pessoal, ao invés de virtual. Ele é essencialmente interativo, ao invés de isolado. E ele necessariamente envolve a prática da hospitalidade – abrir a casa para outros, preparar comida e repartir o pão (ou apenas beber vinho) juntos. Pela sua natureza, um grupo de leitura forma uma comunidade e une os participantes por meio de uma rede. E como o sociólogo James Davison Hunter tem argumentado em seu brilhante trabalho “To Change the World” [Para mudar o mundo, em tradução livre], “o protagonista na história não é a genialidade individual, mas a rede, e quanto mais densa a rede – ou seja, quanto mais ativa e interativa a rede – mais influente ela é”.

Segundo, grupos de leitura e discussão enfraquecem a crescente tendência cultural em direção à distração permanente. Um relatório da Nielson indica que o americano adolescente médio envia ou recebe 3.339 mensagens de texto por mês – ou mais de seis por hora acordada. Mesmo para os adultos menos viciados em tecnologia, a maioria das horas acordadas, quer trabalhando ou descansando, é gasta em multitarefas, fazendo malabarismos entre chamadas telefônicas, mensagens de texto e e-mails. Em contraste, um grupo de leitura demanda foco e discussão. Os participantes focam em uma coisa de cada vez, geralmente fala-se um por vez, e há espaço para refletir, contemplar e analisar.

Isso não é insignificante. Há evidências crescentes de que o modo como pensamos sobre as coisas afeta o modo como pensamos; cedendo às distrações, eventualmente, seremos transformados não apenas em pessoas indiferentes, mas sem foco. A arte, arquitetura, literatura, entretenimento e políticas públicas de uma sociedade incapaz de refletir, contemplar ou focar será bem diferente daquela que pode fazê-lo.

Terceiro, um grupo de leitura implicitamente vai contra uma cultura popular de entretenimento imersa em trivialidades, e saturada de violência. Se as guerras de classificação indicativa conduzem as indústrias da televisão e do cinema a tentar agarrar os globos oculares com uma exposição concentrada cada vez maior de assassinatos, esfaqueamentos, cenas de sexo e perseguições de carros, a leitura deixa a mente e a imaginação livres para visualizar as possibilidades. Ela encoraja o leitor a focar não no extraordinário, mas a discernir e apreciar o que é melhor – mais verdadeiro, perspicaz e atraente – em uma história.

E, em contraste ao bem documentado impacto causado pela violência no entretenimento, que dessensibiliza espectadores para a tragédia da vida real, ler e discutir literatura requer e provoca empatia. Como a autora Azar Nafisi lindamente pontua em Lendo Lolita no Tehran, um romance “é a experiência sensitiva de outro mundo. Se você não entrar nesse mundo, prender a respiração com os personagens e se envolver em seus destinos, você não será capaz de simpatizar, e simpatia está no coração de um romance”.

Por mais modesto que um grupo de leitura possa parecer, ele pode cumprir grandes propósitos: ao resistir à maré cultural que nos puxa para o isolamento, distração e trivialidade, também cultiva atos e atitudes de engajamento cultural proativo. Isso requer a extensão da hospitalidade, a disciplina da atenção contínua, o cultivo de discernimento e empatia, e a prática da reflexão.

Não surpreende que tantas revoluções tenham começado em cafés.

Notas:
Texto publicado originalmente aqui
Tradução: João Guilherme, casado com Priscila e pai da Livia. Um dos idealizadores e criadores da Box95, o primeiro clube de assinatura de livros cristãos do Brasil.


• Cherie Harder é presidente do Fórum da Trindade.

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