Opinião
- 26 de maio de 2008
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Cada um por si...
Rodrigo de Lima Ferreira
Há dias em que nós ficamos mais sensíveis às dificuldades de outras pessoas. Particularmente, me sinto muito sensibilizado, aflito e angustiado. Recentemente estive conversando com um amigo pastor, de denominação diferente da minha, que mora no litoral do Brasil. Ele tem passado por problemas seriíssimos de saúde, a ponto de não conseguir viver uma vida saudável. Não pode dirigir, não pode ler, não pode ficar muito tempo em pé, não pode andar. Passou por duas cirurgias na coluna, e precisa de uma terceira. Conversando com ele, me relatou suas dores, sua via-crúcis nos hospitais da cidade (um problema sério para quem não dispõe de plano de saúde), a companhia de seu pai e a barra que sua esposa enfrenta com ele. Como sou muito curioso, perguntei-lhe sobre a reação de seus colegas de denominação. Sua resposta, apesar de esperada, me doeu muito. Contou-me sobre a insensibilidade, a indiferença, as pequenas, médias e grandes punhaladas que levou por parte de quem carrega o nome de Cristo.
Ao terminar a ligação, fiquei ainda mais angustiado ao me lembrar do Credo Apostólico, especialmente a parte que diz: “Creio... na santa igreja católica” (católico, aqui, não significando a igreja romana, e sim no seu sentido gramatical original, já que katoliké, no grego, significa universal). Como cristão, concordo com tudo o que o Credo Apostólico diz, pois entendo ser uma espécie de resumo da fé. Mas, sinceramente, não consigo relacionar o termo “santa igreja católica” com o relato do meu amigo pastor litorâneo. Entendo que santidade é muito mais do que este punhado de chavões evangélicos aos quais estamos acostumados: não beber, não fumar, não dançar, não ouvir música secular, entre outros “nãos”. Santidade é procurar ver o mundo, a si próprio e a Deus sob a perspectiva de Cristo. A santidade sempre se mostra relacional, e nunca isolacionista. Obviamente que, sem a ajuda de Deus, isso se torna impossível. E é por isso que dependemos tanto da graça.
Sinto-me confuso também quando penso na segunda palavra do termo: igreja. Quando me converti, há cerca de vinte anos, eu ainda confundia igreja denominacional (para facilitar, organização) com igreja relacional (organismo). Era mais ou menos como o lema dos mosqueteiros, “um por todos e todos por um”. Aos poucos, fui vendo que o lema muitas vezes é “cada um por si e Deus por todos”. O egoísmo, a competição, a deslealdade, coisas que são corriqueiras no mundo corporativo, também se tornaram corriqueiros no mundo eclesial, onde muitas vezes o ministério é confundido com carreira e deixa de ser medido pela fidelidade, passando a ser medido pelo sucesso.
Como conceber, à luz dos nossos tempos, a universalidade? Estamos cada vez mais preocupados com o que acontece com o nosso quintal, nossa paróquia, nossa congregação, nosso umbigo. O que acontece com o outro, seja do outro lado da rua ou do outro lado do planeta, não nos interessa. Terremoto na China? Isso é problema do governo chinês, não meu. Esquemas descobertos de facilitação de prostituição infantil? Deixe que a Polícia Federal resolva, afinal (o chavão de novo), não somos deste mundo.
Mas, apesar dessa minha angústia, ainda creio que exista uma “santa igreja católica”. Essa igreja não faz muito alarde de si. Ela está infiltrada nas igrejas nem tão santas assim, fazendo diferença, sendo sal e luz. Pude ver um pouquinho do rosto dessa “santa igreja católica” ao ver outro pastor amigo meu socorrendo o meu amigo enfermo. De denominações e até mesmo de teologias diferentes, mas ainda assim caminhando juntos. Sim, creio na santa igreja católica. Essa igreja, o Corpo, está dentro das igrejas, das instituições, mas o contrário não é verdadeiro. Deus é fiel, e ainda tem um povo seu. Ainda existem os 7.000 que não se dobraram a Baal, e somos chamados a fazer parte dessa resistência. Apesar de tudo o que vemos e passamos, ainda há esperança. Ainda bem.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Serranópolis, GO.
Há dias em que nós ficamos mais sensíveis às dificuldades de outras pessoas. Particularmente, me sinto muito sensibilizado, aflito e angustiado. Recentemente estive conversando com um amigo pastor, de denominação diferente da minha, que mora no litoral do Brasil. Ele tem passado por problemas seriíssimos de saúde, a ponto de não conseguir viver uma vida saudável. Não pode dirigir, não pode ler, não pode ficar muito tempo em pé, não pode andar. Passou por duas cirurgias na coluna, e precisa de uma terceira. Conversando com ele, me relatou suas dores, sua via-crúcis nos hospitais da cidade (um problema sério para quem não dispõe de plano de saúde), a companhia de seu pai e a barra que sua esposa enfrenta com ele. Como sou muito curioso, perguntei-lhe sobre a reação de seus colegas de denominação. Sua resposta, apesar de esperada, me doeu muito. Contou-me sobre a insensibilidade, a indiferença, as pequenas, médias e grandes punhaladas que levou por parte de quem carrega o nome de Cristo.
Ao terminar a ligação, fiquei ainda mais angustiado ao me lembrar do Credo Apostólico, especialmente a parte que diz: “Creio... na santa igreja católica” (católico, aqui, não significando a igreja romana, e sim no seu sentido gramatical original, já que katoliké, no grego, significa universal). Como cristão, concordo com tudo o que o Credo Apostólico diz, pois entendo ser uma espécie de resumo da fé. Mas, sinceramente, não consigo relacionar o termo “santa igreja católica” com o relato do meu amigo pastor litorâneo. Entendo que santidade é muito mais do que este punhado de chavões evangélicos aos quais estamos acostumados: não beber, não fumar, não dançar, não ouvir música secular, entre outros “nãos”. Santidade é procurar ver o mundo, a si próprio e a Deus sob a perspectiva de Cristo. A santidade sempre se mostra relacional, e nunca isolacionista. Obviamente que, sem a ajuda de Deus, isso se torna impossível. E é por isso que dependemos tanto da graça.
Sinto-me confuso também quando penso na segunda palavra do termo: igreja. Quando me converti, há cerca de vinte anos, eu ainda confundia igreja denominacional (para facilitar, organização) com igreja relacional (organismo). Era mais ou menos como o lema dos mosqueteiros, “um por todos e todos por um”. Aos poucos, fui vendo que o lema muitas vezes é “cada um por si e Deus por todos”. O egoísmo, a competição, a deslealdade, coisas que são corriqueiras no mundo corporativo, também se tornaram corriqueiros no mundo eclesial, onde muitas vezes o ministério é confundido com carreira e deixa de ser medido pela fidelidade, passando a ser medido pelo sucesso.
Como conceber, à luz dos nossos tempos, a universalidade? Estamos cada vez mais preocupados com o que acontece com o nosso quintal, nossa paróquia, nossa congregação, nosso umbigo. O que acontece com o outro, seja do outro lado da rua ou do outro lado do planeta, não nos interessa. Terremoto na China? Isso é problema do governo chinês, não meu. Esquemas descobertos de facilitação de prostituição infantil? Deixe que a Polícia Federal resolva, afinal (o chavão de novo), não somos deste mundo.
Mas, apesar dessa minha angústia, ainda creio que exista uma “santa igreja católica”. Essa igreja não faz muito alarde de si. Ela está infiltrada nas igrejas nem tão santas assim, fazendo diferença, sendo sal e luz. Pude ver um pouquinho do rosto dessa “santa igreja católica” ao ver outro pastor amigo meu socorrendo o meu amigo enfermo. De denominações e até mesmo de teologias diferentes, mas ainda assim caminhando juntos. Sim, creio na santa igreja católica. Essa igreja, o Corpo, está dentro das igrejas, das instituições, mas o contrário não é verdadeiro. Deus é fiel, e ainda tem um povo seu. Ainda existem os 7.000 que não se dobraram a Baal, e somos chamados a fazer parte dessa resistência. Apesar de tudo o que vemos e passamos, ainda há esperança. Ainda bem.
• Rodrigo de Lima Ferreira, casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, hoje pastoreia a IPI de Serranópolis, GO.
Casado, duas filhas, é pastor da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil desde 1997. Graduado em teologia e mestre em missões urbanas pela FTSA, é autor de "Princípios Esquecidos" (Editora AGBooks).
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