Opinião
- 07 de abril de 2022
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C. S. Lewis e o mito de que o novo é sempre melhor
Por Rosifran Macedo
Ao fazer o discurso inaugural, como professor de Literatura Medieval e da Renascença, na universidade de Cambridge, C.S. Lewis afirmou que as grandes mudanças entre o período sobre o qual lecionará, denominado por ele como a Velha Cultura Ocidental, e a cultura atual são maiores do que as mudanças entre quaisquer outros períodos da história. Para ele, a crença do século dezenove no “progresso espontâneo” teve um papel importante nesta mudança, mas o ponto que originou esta nova era, a qual alterou o lugar do homem na natureza, foi o “nascimento das máquinas”. Ela trouxe importantes consequências sociais e econômicas, mas sua preocupação é com o efeito psicológico.
No mundo das máquinas o “novo” normalmente é melhor e o “antigo” é primitivo, rudimentar. Este fenômeno gerou um estereótipo mental de que o “novo” sempre supera e desbanca o antigo. “Os crentes em progresso observam, com razão, que no mundo das máquinas o novo modelo substitui o antigo; a partir disso, eles inferem falsamente um tipo semelhante de superação em coisas como virtude e sabedoria.” 1 Para eles qualquer geração atual é sempre melhor e mais sábia do que as gerações passadas, e que tudo que pertence ao “passado” era primitivo e ultrapassado, principalmente devido ao novo “conhecimento” adquirido pela tecnologia.
Lewis denomina este fenômeno de esnobismo cronológico, “a aceitação acrítica do clima intelectual comum à nossa época e a suposição de que tudo o que ficou desatualizado é naturalmente desacreditado,” 2 do qual ele foi adepto, antes da sua conversão. Esta mentalidade leva as pessoas a definirem as crenças passadas, o que inclui o cristianismo, na categoria de primitivo, ignorante e desacreditado. Para muitos, as gerações do passado eram “primitivas” e suas crenças eram baseadas em superstições e ignorância. Se elas tivessem o “conhecimento” moderno não teriam crido no sobrenatural, “tudo tão obviamente inventado por pessoas que acreditavam em uma Terra plana com as estrelas a apenas uma ou duas milhas de distância.” 3 Lewis relata que alguns esnobes cronológicos ficam surpresos ao descobrirem que o manual astronômico de Ptolomeu, escrito em torno de 150 d.C., já trazia o conhecimento da grande distância entre a terra e as estrelas fixas, e indagam por que as enciclopédias modernas não relatam tal fato. Lewis especula que talvez a omissão seja intencional.
Os relatos bíblicos são tidos como superstições para a mente moderna, principalmente, os que se referem aos milagres de Cristo, em especial seu nascimento extraordinário. O argumento mais usado é que a ciência moderna já provou que é impossível, que tudo é governado por leis fixas. Lewis argumenta que a ciência estuda somente a Natureza e se existir fenômenos ‘fora’ dela, não há como descobrir apenas por este método. Além disto “Todo evento que pode reivindicar ser um milagre é, em última instância, algo apresentado aos nossos sentidos, algo visto, ouvido, tocado, cheirado ou provado. E nossos sentidos não são infalíveis. Se algo de extraordinário parece ter acontecido, podemos sempre dizer que fomos vítimas de uma ilusão.” 4 Se alguém tiver uma filosofia que exclui o sobrenatural, esta determinará os resultados das suas observações.
As pessoas do período bíblico sabiam que a natureza operava de maneira fixa e previsível e chamaram certos acontecimentos de ‘milagres” justamente por perceberem que houve uma suspensão destas leis. José, ao descobrir que Maria estava grávida, viu o ocorrido como infidelidade conjugal e quis pedir o divórcio. Somente depois de uma revelação de fora da natureza é que ele aceitou o fato como uma intervenção sobrenatural. Esta aceitação não foi porque ele desconhecia como crianças são geradas. Por ter tal conhecimento e crer que há uma realidade que pode interferir na natureza, ele aceitou a concepção sobrenatural.
No mundo das máquinas, de fato, o último lançamento é sempre melhor do que a versão anterior, mas no campo das ideias, dos valores, da ética, e das crenças talvez os antigos tenham o que nos ensinar. Quem sabe eles não possam nos ajudar na avaliação das crenças atuais, na identificação e correção dos nossos erros. Afinal os ombros dos gigantes providenciaram a plataforma para enxergamos mais longe.
Talvez precisemos prestar mais atenção à advertência de Chesterton, “...um homem com uma crença definida parece sempre grotesco, porque não muda com o mundo... Milhões de homens... se consideram sãos e razoáveis simplesmente porque sempre aderem à última insanidade.” 5
1 - The Weight of Glory, p. 82
2 - Surprised by Joy, p. 207
3 - God in the Dock, p.74
4 - Miracles, p. 303
5 - Hereges, GK Chesterton, Ecclesiae, Campinas, SP, 2011, p.68
- Rosifran Macedo é pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pelo Biblical Theological Seminary (EUA). É missionário da Missão AMEM/WEC Brasil, onde foi diretor geral por nove anos. Atualmente, dedica-se, junto com sua esposa Alicia Macedo, em projetos de cuidado integral de missionários.
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