Opinião
- 20 de agosto de 2020
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C. S. Lewis e o Deus além da dor e da desesperança
Por Rosifran Macedo
Ao enfrentarmos, hoje, dores e sofrimentos vindos de tantas frentes de batalhas – pandemia, enfermidades, mortes de queridos, distanciamento social, isolamento e solidão –, podemos sentir que os sermões nos venderam investimentos que só dão prejuízo, ou que fomos abandonados no meio da guerra. Será que os Céus nos enganaram ou enganamos a nós mesmos ao tentar manipular a Deus em benefício próprio? Períodos como o que vivemos são oportunos para reexaminarmos os tesouros onde temos colocado nossos corações.
Ao lidar com o luto da perda de sua esposa, C. S. Lewis desejava manter a lembrança dela a qualquer custo, na tentativa de alivar sua dor. Mas quanto maior era o esforço, mais intensa era a dor. Assim, ele chegou à conclusão de que:
“Você não pode, na maioria dos casos, obter o que você deseja se você desejá-lo desesperadamente; de qualquer jeito, você não poderá desfrutar do melhor daquilo... Para a pessoa que sofre de insônia o desejo desesperado de que "precisa dormir", normalmente, dá início a horas sem sono. A pessoa com uma sede voraz não pode, de fato, apreciar uma boa bebida”.1
Essa ideia vai contra a tendência atual de que “precisamos perseguir os nossos sonhos e desejos com toda a paixão e determinação”. A cultura das metas a serem alcançadas a qualquer custo, dos sonhos grandes e da busca implacável da realização de algum desejo parece, no final, não trazer a felicidade tão prometida e talvez seja em si uma barreira à própria felicidade.
A razão que ele aponta para isto é que quando a realização de um desejo – a conquista de um alvo, o estabelecimento de uma relação, a solução de um problema, ou mesmo a cura de uma enfermidade – se torna um fim em si mesmo, ou seja, a fonte da nossa felicidade, isso nos afasta da Fonte Verdadeira. Quando o desejo se torna um fim, nós podemos nos aproximar de Deus apenas como um meio; as nossas orações, os nossos cultos e a nossa espiritualidade podem se tornar uma mera tentativa de manipular Deus para que Ele nos conceda o que tanto desejamos. Por isso, Lewis nos adverte:
“...eu sei perfeitamente bem que Ele não pode ser usado como um caminho. Se você se dirigir a Ele, não como o Alvo, mas como um caminho, não como o Fim, mas como um meio, você não estará se aproximando dEle de modo algum. Porque estaríamos transformando num fim algo que só podemos obter como sub-produto do Fim verdadeiro”.
Lewis fala que quando tentamos usar Deus como um meio e buscamos incensantemente a realização de algo, na verdade podemos estar fechando a porta na qual estamos batendo, fechando os ouvidos para ouvir a voz que tanto ansiamos, nos tornando cegos à Luz que tanto necessitamos nestes momentos.
“Não será a intensidade do nosso desejo que fecha a curtina de ferro, que nos faz sentir que estamos contemplando o vácuo quando tentamos pensar sobre a pessoa falecida? Aqueles que pedem desesperadamente, não recebem. Talvez não possam receber. Nos momentos em que não há nada mais na sua alma, a não ser o grito por socorro, talvez seja o tempo no qual Deus não pode atender”.
Lewis fala que nestes momentos somos como a pessoa que está se afogando e não pode ser ajudada, pois irá se agarrar desesperadamente a qualquer um que tente se aproximar para salvá-la.
No entanto, ele compara a sua tese com a promessa bíblica de Mt. 7.8: “Pois todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, abrir-se-lhe-á”. Pedir, buscar e bater são encorajados pelo Senhor Jesus, todavia, a maneira como o fazemos pode ser errada:
“Mas será que bater significa esmurrar e chutar desesperadamente? Talvez os seus gritos insistentes o tornem surdo à voz que espera ouvir. Precisamos ter a capacidade para receber, se não, nem a onipotência pode nos dar. Talvez a nossa própria paixão tenha destruído, temporariamente, esta capacidade”.
“Mas será que bater significa esmurrar e chutar desesperadamente? Talvez os seus gritos insistentes o tornem surdo à voz que espera ouvir. Precisamos ter a capacidade para receber, se não, nem a onipotência pode nos dar. Talvez a nossa própria paixão tenha destruído, temporariamente, esta capacidade”.
Ele descobre que quando aprende a colocar o seu desejo em segundo plano, e Deus em primeiro, há uma compreensão melhor do luto que está vivendo e pode ter o seu desejo realizado, de maneira apropriada:
“... o luto é uma parte universal e integral da experiência do amor. Ele segue o casamento, tão normal quanto o casamento segue o namoro ou o outono segue o verão. Não é o truncamento do processo, mas uma das suas fases; não é a interrupção da dança... mas o trágico passo no qual precisamos aprender a amar a "pessoa em si", e não retroceder e amar o passado, ou nossas memórias, ou nossa tristeza, ou o alívio da nossa tristeza, ou o nosso amor próprio... O que queremos é viver bem e fielmente o casamento também nesta fase. Se doer (e certamente doerá) nós aceitamos as dores como uma parte necessária desta fase... Pois, como eu descobri, o luto intenso não nos liga com as pessoas mortas, mas nos separa delas... E, de repente, no momento exato em que eu pranteei menos a falta de Helen, eu tive as melhores lembranças dela.”
“... o luto é uma parte universal e integral da experiência do amor. Ele segue o casamento, tão normal quanto o casamento segue o namoro ou o outono segue o verão. Não é o truncamento do processo, mas uma das suas fases; não é a interrupção da dança... mas o trágico passo no qual precisamos aprender a amar a "pessoa em si", e não retroceder e amar o passado, ou nossas memórias, ou nossa tristeza, ou o alívio da nossa tristeza, ou o nosso amor próprio... O que queremos é viver bem e fielmente o casamento também nesta fase. Se doer (e certamente doerá) nós aceitamos as dores como uma parte necessária desta fase... Pois, como eu descobri, o luto intenso não nos liga com as pessoas mortas, mas nos separa delas... E, de repente, no momento exato em que eu pranteei menos a falta de Helen, eu tive as melhores lembranças dela.”
Mas ele sabe que este princípio de buscar a Deus em primeiro lugar e colocar o seu desejo em segundo lugar, ou de não buscá-lo inexoravelmente, ou, até mesmo, de abrir mão dele, contraria, choca a lógica humana:
“Senhor, estes são os teus termos? Será que só poderei encontrar Helen novamente se aprender a te amar tanto que não importa se eu encontrá-la ou não? Considera, Senhor, como isto parece para nós. O que alguém pensaria de mim se eu dissesse aos meninos ‘Nada de balas agora. Mas quando vocês crescerem e, de fato, não mais desejarem balas, vocês podem ter o tanto que quizerem’?”
Acho que a descoberta de Lewis aponta para a definição de maturidade que George MacDonald descreve:
“Perfeito em fé é aquele que se chega a Deus em carência absoluta dos seus sentimentos e desejos, sem brilho ou ambição, sob o peso dos seus pensamentos agoniantes, fracassos, negligências, e desatenção errante, e Lhe diz: Tu és o meu Refúgio”.2
“Perfeito em fé é aquele que se chega a Deus em carência absoluta dos seus sentimentos e desejos, sem brilho ou ambição, sob o peso dos seus pensamentos agoniantes, fracassos, negligências, e desatenção errante, e Lhe diz: Tu és o meu Refúgio”.2
Estes conceitos estão em plena sintonia com as palavras de Jesus em Mt 10 e Lc 14: “Se alguém vier a Mim, e não amar a pai e mãe, a mulher e filhos, a irmãos e irmãs, e ainda também à própria vida, menos do que a Mim não pode ser meu discípulo... Quem se apegar à sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de Mim achá-la-á”.
Notas
Notas
1. Todas as citações de Lewis foram tiradas da obra A Grief Observed em The Complete C. S. Lewis Signature Classics, Harper One, pgs. 177-185.
2. George MacDonald: An Anthology, por C. S. Lewis, Harper, San Francisco, 1973, p.1.
• Rosifran Macedo é pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pelo Biblical Theological Seminary (EUA). É missionário da Missão AMEM/WEC Brasil, onde foi diretor geral por nove anos. Atualmente, dedica-se, junto com sua esposa Alicia Macedo, em projetos de cuidado integral de missionários.
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