Opinião
- 16 de março de 2020
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C. S. Lewis e a ameaça do novo coronavírus
Por Rosifran Macedo
No livro Present Concerns1, uma coletânea de vários artigos escritos por C. S. Lewis, há um artigo com o título Vivendo numa Era Atômica, onde ele apresenta uma resposta à pergunta: “Como viveremos numa era atômica?”. O artigo foi escrito em 1948, três anos depois da explosão da bomba de Hiroshima, quando o mundo estava tentando lidar com a nova realidade da possibilidade de uma explosão nuclear que pudesse destruir grande parte da humanidade.
A resposta dele é apropriada a qualquer outro momento quando vivemos com alguma ameaça à vida humana, de proporção global, como é o caso da atual epidemia do novo coronavírus:
“Uai, (sim, no inglês a palavra why pode ser usada de modo parecido como os mineiros usam o uai), da mesma maneira que você viveria no século 16 quando a ‘peste"2 visitava Londres quase todos os anos, ou como você viveria na era Viking quando os invasores da Escandinávia poderiam chegar a qualquer noite e cortar suas gargantas; ou na realidade, como você já está vivendo numa era de câncer, de sífilis, de paralisia, uma era de bombardeamento aéreo, de acidentes ferroviários, de acidentes rodoviários.”
Em outras palavras, não devemos começar a exagerar a “novidade” da nossa situação.
“Você, bem como todos os que você ama, já estavam sentenciados à morte antes da bomba atômica ter sido inventada; e uma boa parte de nós iremos morrer de uma maneira desagradável. Nós, de fato, temos uma grande vantagem sobre os nossos antepassados – anestesia. É perfeitamente ridículo sair por aí choramingando com rostos longos porque os cientistas adicionaram mais uma opção de morte dolorosa e prematura a um mundo, já arrepiado por tantas opções, no qual a morte, em si, não é uma opção, mas uma certeza. A primeira coisa a fazer é controlar-se. Se todos nós vamos ser destruídos por uma bomba atômica, quando a bomba chegar, que ela nos encontre fazendo as coisas sensatas e humanas – orando, trabalhando, ensinando, lendo, ouvindo música, dando banho nas crianças e não amontoados como ovelhas amedrontadas pensando sobre bombas. Elas podem quebrar os nossos corpos (um micróbio pode fazer isto – no nosso caso um vírus) mas elas não precisam dominar nossas mentes.”3
C. S. Lewis destaca que a nossa reação a esta pergunta vai depender da nossa resposta a outra pergunta: “O Universo é a única coisa que existe?”. Ele mostra que a ciência já fala que um dia todo o universo chegará a um fim, e se cremos que ele é tudo o que existe então não há muita razão para esperança, pois ele é “um navio naufragando” e que, a longo prazo, ele “não é muito a favor da vida”. O que a guerra (Lewis estava vivendo com a memória das duas grandes guerras), a ameaça climática, e a bomba atômica fizeram foi, abruptamente, relembrar que tipo de universo vivemos, e nos fez perguntar se o final vai chegar prematuramente por causa da intervenção humana.
Mas se cremos que o Universo não é a única coisa que existe, que na realidade somos irmãos, e temos um Criador comum, isto muda completamente a nossa atitude, a situação se torna mais tolerável. Lewis mostra que talvez não sejamos prisioneiros, mas colonizadores do universo, aprendendo a conviver com ele e a lidar com as intempéries que enfrentarmos. Mas, acima de tudo, devemos viver de acordo com os valores que refletem o caráter do Criador, como amor e sobriedade, e não a lei natural da “sobrevivência do mais forte”. Lewis fala que esta última é, justamente, a maior ameaça à existência da humanidade ou de uma nação.
Além de guiarmos nossas vidas e relações por estes princípios, também, se cremos num Criador amoroso e gracioso, podemos descansar no seu cuidado com a vida humana, em qualquer situação que vivemos, em meio a qualquer ameaça que estejamos enfrentando. O apóstolo Paulo, escrevendo para a igreja em Roma, que estava enfrentando dificuldades, mas que em breve passaria por uma das mais cruéis perseguições, sob a tirania de Nero, faz uma pergunta semelhante: “Será que a tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada nos separará do amor de Deus?”. O foco da pergunta não é se alguma destas crises pode fazer com que desviemos da fé em Deus, mas se ao enfrentarmos alguma delas, ela poderá gerar em nós um sentimento de que está ocorrendo fora, separado, do amor cuidadoso de Deus por nós. Sua resposta é bem taxativa. NADA. Nenhuma delas deve nos dar a impressão de que estão ocorrendo separadas do amor de Deus. Tudo que acontece conosco está dentro do Seu amor e cuidado para conosco. Não importa o problema que estejamos enfrentando, toda nossa vida está sob o cuidado amoroso e gracioso Dele. E mais ainda: “Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou” (Rm 8.35-39).
Notas
1. Present Concerns, editado por Walter Hooper, Harper Collins, Nova Iorque, 2017. O artigo ‘On Living in an Atomic Age’, publicado na revista Informed Reading, vol. VI, 1948, pp. 78-84.
2. A Peste Negra, ou Peste Bubônica, foi a maior pandemia da história humana, que ocorreu na Eurásia, entre 1323 e 1353, com aproximadamente 75 a 200 milhões de mortos.
3. Present Concerns, pp. 91-92.
• Rosifran Macedo é pastor presbiteriano, mestre em Novo Testamento pelo Biblical Theological Seminary (EUA). É missionário da Missão AMEM/WEC Brasil, onde foi diretor geral por nove anos. Atualmente, dedica-se, junto com sua esposa Alicia Macedo, em projetos de cuidado integral de missionários.
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