Opinião
02 de abril de 2014
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Bonanza, Hercule Poirot e Literatura: desigrejando
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Eugene Peterson, outro ministro presbiteriano que me influencia e desconcerta, inspira e perturba, conta em entrevistas, artigos e em sua autobiografia ministerial, "Memórias de um pastor" (Mundo Cristão) que costumava “recarregar as baterias gastas em longas horas de trabalho no gabinete pastoral” - dedicando-se ao estudo da Bíblia com seriedade, aprofundando-se na ascese da oração sem pressa, transformadora, dando (e recebendo) direcionamento espiritual aos seus paroquianos da igreja que fundou e pastoreou por 29 anos, implementando programas e gerenciando comissões - com a leitura constante de romances policiais . Isso mesmo, histórias de detetive, assassinatos e intrincados tramas em torno de insuspeitos criminosos! O inspetor Hercule Poirot, personagem de muitas obras de Agatha Christie, por exemplo, ajuda a ... "desigrejar" ! Creio que nós, pastores de hoje, devíamos que acolher de bom grado esse conselho : "desigrejai-vos", um pouco, ó amados! Eu faço isso com a música, culinária e, especialmente, a Grande Literatura. Mas o que ouvir? O que ler?
Despretensiosamente, deixarei a primeira pergunta quanto a um repertório “desigrejante “para outro artigo, dado à vastidão apaixonante das possibilidades de exploração pelas vias da Graça Comum (eita doutrina desprezada, minha gente !) . O que ler? O próprio Peterson desenvolveu o conceito da Leitura Espiritual a partir da idéia e prática Monástica da Lectio Divina, um tipo de leitura da Palavra de Deus que envolve mais o coração devoto e piedoso do que a cabeça racional e exegética. É ler para deixar-se tocar pelo Espírito. Basicamente. Ler com os afetos. Ler para amar – não apenas para preparar (necessários) Sermões e Estudos Bíblicos de domingo. Mas, propõe o erudito mais contemplativo que conheci na vida, Peterson: “Leitura Espiritual é muito mais uma questão do COMO, não tanto do QUE lemos.” Nos autores canônicos (se me permitem) da nossa Literatura, eu diria Guimarães Rosa ! Graciliano Ramos! Adélia Prado! Paulo Mendes Campos! (desses dois últimos, especialmente a poesia , grandiosa). Leiam os nossos clássicos, colegas de púlpito! Permitam que sua imaginação pastoral seja amparada pela força da ironia e conhecimento psicológico de Machado de Assis! Sejam contagiados pelo respeito pela palavra de Vieira, Euclides da Cunha e tantos outros. Sejam despertos do sono das frases ocas, (mal) feitas , vícios homiléticos, muletas retóricas - e quanto menor o argumento, por exemplo, tanto maior é o volume de voz usado - pelo transbordamento metafórico de Cecília Meireles, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade. Paulo Apóstolo, no seu sermão célebre no Areópago, demonstrou conhecer (e bem) os poetas gregos importantes. E você, caro pastor/pregador , cuja paróquia é a Atenas pós-moderna dos nossos dias midiáticos, obcecados com diversão e dispersão, tão profundos como um pires ?
...
Mas não apenas os clássicos da literatura brasileira e de língua portuguesa. Aliás, diz Ítalo Calvino, “clássico é todo texto que tem algo a dizer a cada nova geração. Penso , obviamente, nos clássicos/básicos da teologia cristã: os escritos patrísticos fundamentais - base substancial do pensamento cristão, Agostinho e suas Confissões , Cidade de Deus, Sobre a Trindade, Aquino , na sua Summa Teologica, Calvino e sua obra monumental, As Institutas e toda um mundo de pensamento reformado : Kuyper, por exemplo, é notória coluna; tesouros devocionais como as obras de Teresa de Ávila, a jóia preciosa de Thomas à Kempis, A imitação de Cristo , assim como A prática de presença de Deus, do Irmão Lourenço , os Exercícios Espirituais de Loyola e o diário de Fox ( e os mais recentes Henri Nouwen, Thomas Merton, Richard Foster, James Houston , Dallas Willard ) ... e o que direi de Pascal (Pensamentos), Bunyan (O peregrino), Barth (Epistola aos Romanos ) , os comentários de Lutero, os sermões de Bernardo de Claraval, os poemas de João da Cruz e as reflexões de Kierkegaard? Ou ainda O pastor aprovado, de Richard Baxter e outras preciosidades puritanas? Ah, quanta coisa para ler, ler e reler! Penso também na (minha insaciável) necessidade de ler sem pressa, aprendendo com ingleses que tanto amo : G. K. Chesterton, C. S. Lewis, John Stott , J. I. Parker, N. T. Wright e Alister McGrath.
E há romancistas e poetas cristãos (em geral , católicos – cadê os grandes protestantes e evangélicos ? ) como Dostoievsky , John Donne , Gerard Manley Hopkins , Lucy Shaw, T. S. Eliot e W. H. Auden. Minha imaginação (e não apenas a minha dogmática cristã) agradecem a ajuda que me concedem para que eu não me atole na areia movediça do jargão religioso barato e do mero ofício religioso. Concordo com a lúcida observação de Eugene Peterson: “ um romance religioso é menos sobre uma experiência religiosa – é muito mais uma obra cuja leitura é uma experiência religiosa”.
Enfim, amigos, pastorear é um trabalho difícil embora criativo. É por isso que afastar-se um pouco, respirar, prestar atenção na Criação, rir, brincar com um a criança, fazer algo com as mãos (nem que seja arrumar o sótão, mexer um pouco num jardim, sei lá) ajuda. "Desigrejar" nos ajuda a servir mais e melhor a Deus e à sua igreja, com amor e alegria renovados. Elias e Peterson que o digam.
Gerson Borges, casado com Rosana Márcia e pai de Bernardo e Pablo, pastoreia a Comunidade de Jesus no ABCD Paulista. É autor de Ser Evangélico sem Deixar de Ser Brasileiro, cantor, compositor e escritor, licenciado em letras e graduando em psicologia.
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