Opinião
- 26 de setembro de 2016
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Ben Hur: reconciliação e perdão ou vingança?
Poucas notícias conseguiram agitar tanto o mundo dos aficionados pelo cinema como a que estaria sendo feito um remake de Ben Hur, de 1959, dirigido por William Wyler. O filme é uma versão do romance homônimo de Lewis Wallace, publicado em 1880. Wallace era uma figura interessante: advogado por formação, foi militar, embaixador dos Estados Unidos na Turquia e, nas horas vagas, escritor.
O livro foi um sucesso tremendo e foi adaptado várias vezes para o cinema. A versão de 1959 tornou-se a mais famosa de todas. Com razão: foi contemplada com o Oscar em nada menos que 11 categorias, e com o Globo de Ouro em três. Ben Hur é o épico dos épicos da era de ouro de Hollywood. Sem exagero, o filme é glorioso. A cena da corrida de bigas é uma das famosas de toda a história do cinema. As interpretações são ótimas. Charlton Heston, que fez o personagem-título, era muito bom como ator dramático. É bem verdade que seu fenótipo nórdico não se enquadra de jeito nenhum no padrão físico dos judeus do primeiro século. Mas o filme mereceu o sucesso tremendo que teve: figurino, trilha sonora, roteiro, direção, e, por último, mas não menos importante, um enredo muito bom.
É preciso que um diretor tenha muita coragem para fazer um remake de um filme de sucesso estrondoso como este. Mas foi exatamente esta a empreitada corajosa assumida pelo diretor cazaque Timur Bekmambetov. Dele eu já havia assistido Abraão Lincoln: Caçador de Vampiros, de 2012, a versão cinematográfica do livro com o mesmo título de Seth Grahame-Smith, talvez uma das estórias mais bizarras de todos os tempos (li o livro e vi o filme exatamente por conta do seu altíssimo grau de bizarrice, algo tão estranho que me chamou a atenção).
E agora Bekmambetov se lançou à tarefa de recontar a história tantas vezes contada de Lewis Wallace. E o fez de maneira muito inteligente, pois conseguiu produzir um filme que ao mesmo tempo se aproxima e se distancia do filme de Wyler. Pois as comparações entre as duas versões são inevitáveis. Como não li o livro, não posso dizer qual das versões lhe é ou não a mais fiel. O que pretendo é mostrar algumas impressões da versão do cineasta cazaque.
Se o filme de 1959 é um épico, o de 2016 é um filme de ação. A cena da batalha naval por exemplo, na versão de Bekmambetov é muito mais longa que na do filme de Wyler (e, claro, muito mais bem filmada, considerando os recursos de tecnologia de filmagem deste início de século XXI que nem sequer eram imaginados quando o filme de Wyler foi produzido). As ênfases são muito diferentes: na versão de 1959 a ênfase está na vingança, enquanto que na de 2016, na reconciliação e no perdão. O Ben Hur de Bekmambetov é encarnado pelo ator inglês Jack Huston, que faz o príncipe judeu doce e meigo (sem ser afeminado). O romano Messala é vivido pelo também inglês Toby Kebbell (Kebbell, um Milhem Cortaz melhorado, conseguiu se redimir de sua péssima atuação como Dr. Destino no reboot de O Quarteto Fantástico de 2015). No filme de Wyler, Ben Hur e Messala são amigos, enquanto que no filme de Bekmambetov, são irmãos adotivos (assim apagou-se qualquer alusão ou referência à paixão homoafetiva do romano Messala pelo príncipe judeu, presente no filme de 1959). Enquanto o Messala de Stephen Boyd é sádico, o de Kebbell é fraco, sem coragem de tomar decisões ou assumir posturas na vida. O senador romano que adota Judah Ben Hur como filho adotivo, em gratidão por ter este salvado sua vida simplesmente não existe no filme de Bekmambetov. O personagem que ocupa seu lugar na versão de 2016 é o mercador africano vivido pelo excelente Morgan Freeman, que se veste como um potentado árabe das 1001 Noites. Ele é quem vai dar a Ben Hur a chance de participar da corrida de bigas contra Messala, que a esta altura já era o campeão romano.
Outra diferença notável está na presença de Jesus: na versão de 1959 ele aparece duas vezes apenas, e seu rosto nunca é mostrado. Em contraste notável, na de 2016 Jesus aparece muito. Bom ver o brasileiro Rodrigo Santoro com tanto prestígio em Hollywood: o Jesus de Santoro tem muitas falas. Impossível não notar que é um Jesus mais imanente que transcendente, um Jesus que não faz milagres. Na verdade, ele os faz, mas de um modo totalmente diferente: ele ensina a superação da vingança e do ódio pela força do amor e do perdão. O Jesus de Bekmambetov não cura o leproso, mas o abraça e leva pedradas junto com ele. É assim um Jesus solidário com os homens, solidariedade levada às últimas consequências. Ninguém poderá negar que a ênfase na solidariedade de Jesus conosco é bíblica.
Como dito acima, a grande ênfase no Ben Hur de 2016 está na busca da reconciliação e do perdão. O príncipe judeu na versão de Bekmambetov é um humanista pacifista. Ele crê piamente na possibilidade dos diferentes viverem unidos, a despeito de diferenças culturais ou religiosas. Neste sentido, o filme é a demonstração de uma grande utopia, a utopia em que a alteridade é levada a sério, em que o outro é respeitado. Mas uma palavra crítica precisa ser dita: o filme quase resvala para um final piegas demais na última cena, em que inexplicavelmente (e de modo um tanto ridículo) se ouve uma música contemporânea. Esta cena ficou muito “nada a ver”.
Na Jerusalém do tempo de Ben Hur judeus e romanos vivem uma relação de ódio e tensão constante. Dois mil anos depois, a situação de tensão continua: agora, entre israelenses e palestinos. A necessidade de perdão e reconciliação continua tão necessária como sempre. O filme de Timur Bekmambetov ajuda a pensar no sonho de um mundo em que barreiras de separação são derrubadas, e que em lugar destas, os homens construam pontes.
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O livro foi um sucesso tremendo e foi adaptado várias vezes para o cinema. A versão de 1959 tornou-se a mais famosa de todas. Com razão: foi contemplada com o Oscar em nada menos que 11 categorias, e com o Globo de Ouro em três. Ben Hur é o épico dos épicos da era de ouro de Hollywood. Sem exagero, o filme é glorioso. A cena da corrida de bigas é uma das famosas de toda a história do cinema. As interpretações são ótimas. Charlton Heston, que fez o personagem-título, era muito bom como ator dramático. É bem verdade que seu fenótipo nórdico não se enquadra de jeito nenhum no padrão físico dos judeus do primeiro século. Mas o filme mereceu o sucesso tremendo que teve: figurino, trilha sonora, roteiro, direção, e, por último, mas não menos importante, um enredo muito bom.
É preciso que um diretor tenha muita coragem para fazer um remake de um filme de sucesso estrondoso como este. Mas foi exatamente esta a empreitada corajosa assumida pelo diretor cazaque Timur Bekmambetov. Dele eu já havia assistido Abraão Lincoln: Caçador de Vampiros, de 2012, a versão cinematográfica do livro com o mesmo título de Seth Grahame-Smith, talvez uma das estórias mais bizarras de todos os tempos (li o livro e vi o filme exatamente por conta do seu altíssimo grau de bizarrice, algo tão estranho que me chamou a atenção).
E agora Bekmambetov se lançou à tarefa de recontar a história tantas vezes contada de Lewis Wallace. E o fez de maneira muito inteligente, pois conseguiu produzir um filme que ao mesmo tempo se aproxima e se distancia do filme de Wyler. Pois as comparações entre as duas versões são inevitáveis. Como não li o livro, não posso dizer qual das versões lhe é ou não a mais fiel. O que pretendo é mostrar algumas impressões da versão do cineasta cazaque.
Se o filme de 1959 é um épico, o de 2016 é um filme de ação. A cena da batalha naval por exemplo, na versão de Bekmambetov é muito mais longa que na do filme de Wyler (e, claro, muito mais bem filmada, considerando os recursos de tecnologia de filmagem deste início de século XXI que nem sequer eram imaginados quando o filme de Wyler foi produzido). As ênfases são muito diferentes: na versão de 1959 a ênfase está na vingança, enquanto que na de 2016, na reconciliação e no perdão. O Ben Hur de Bekmambetov é encarnado pelo ator inglês Jack Huston, que faz o príncipe judeu doce e meigo (sem ser afeminado). O romano Messala é vivido pelo também inglês Toby Kebbell (Kebbell, um Milhem Cortaz melhorado, conseguiu se redimir de sua péssima atuação como Dr. Destino no reboot de O Quarteto Fantástico de 2015). No filme de Wyler, Ben Hur e Messala são amigos, enquanto que no filme de Bekmambetov, são irmãos adotivos (assim apagou-se qualquer alusão ou referência à paixão homoafetiva do romano Messala pelo príncipe judeu, presente no filme de 1959). Enquanto o Messala de Stephen Boyd é sádico, o de Kebbell é fraco, sem coragem de tomar decisões ou assumir posturas na vida. O senador romano que adota Judah Ben Hur como filho adotivo, em gratidão por ter este salvado sua vida simplesmente não existe no filme de Bekmambetov. O personagem que ocupa seu lugar na versão de 2016 é o mercador africano vivido pelo excelente Morgan Freeman, que se veste como um potentado árabe das 1001 Noites. Ele é quem vai dar a Ben Hur a chance de participar da corrida de bigas contra Messala, que a esta altura já era o campeão romano.
Outra diferença notável está na presença de Jesus: na versão de 1959 ele aparece duas vezes apenas, e seu rosto nunca é mostrado. Em contraste notável, na de 2016 Jesus aparece muito. Bom ver o brasileiro Rodrigo Santoro com tanto prestígio em Hollywood: o Jesus de Santoro tem muitas falas. Impossível não notar que é um Jesus mais imanente que transcendente, um Jesus que não faz milagres. Na verdade, ele os faz, mas de um modo totalmente diferente: ele ensina a superação da vingança e do ódio pela força do amor e do perdão. O Jesus de Bekmambetov não cura o leproso, mas o abraça e leva pedradas junto com ele. É assim um Jesus solidário com os homens, solidariedade levada às últimas consequências. Ninguém poderá negar que a ênfase na solidariedade de Jesus conosco é bíblica.
Como dito acima, a grande ênfase no Ben Hur de 2016 está na busca da reconciliação e do perdão. O príncipe judeu na versão de Bekmambetov é um humanista pacifista. Ele crê piamente na possibilidade dos diferentes viverem unidos, a despeito de diferenças culturais ou religiosas. Neste sentido, o filme é a demonstração de uma grande utopia, a utopia em que a alteridade é levada a sério, em que o outro é respeitado. Mas uma palavra crítica precisa ser dita: o filme quase resvala para um final piegas demais na última cena, em que inexplicavelmente (e de modo um tanto ridículo) se ouve uma música contemporânea. Esta cena ficou muito “nada a ver”.
Na Jerusalém do tempo de Ben Hur judeus e romanos vivem uma relação de ódio e tensão constante. Dois mil anos depois, a situação de tensão continua: agora, entre israelenses e palestinos. A necessidade de perdão e reconciliação continua tão necessária como sempre. O filme de Timur Bekmambetov ajuda a pensar no sonho de um mundo em que barreiras de separação são derrubadas, e que em lugar destas, os homens construam pontes.
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Cinema e Fé Cristã
A reconciliação e o mistério do perdão triangular
Cristo, Nosso Reconciliador
É professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, onde coordena o GPRA – Grupo de Pesquisa Religião e Arte.
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