Opinião
- 27 de dezembro de 2010
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Ateísmo, fé e racionalidade
Os ateus estão cansados de ser vítimas do preconceito dos religiosos, garantem os membros da ATEA, uma associação de ateus que ganhou a atenção da imprensa nestes últimos dias. Por conta disso, resolveram promover uma campanha nos ônibus de grandes cidades brasileiras, para mostrar o quão razoável é a cogitação de que não há Deus. A ideia é importada da Europa, como se sabe, e não tem nada de novo.
No Brasil, porém, as empresas de ônibus resistiram inicialmente à divulgação, justamente porque entenderam que o conteúdo da propaganda era preconceituoso. Ao invés de promoverem o ateísmo, as imagens, os dizeres, o tom e tudo o mais da publicidade da ATEA, revelam uma preocupação muito maior em depreciar a fé. Como foi possível constatar nas reportagens publicadas pela mídia, a campanha é extremamente agressiva. Genocidas supostamente crentes são contrastados com ateus charmosos da classe artística; a fé religiosa não oferece respostas e impede perguntas; o ateísmo é o estimulador de toda pesquisa científica, e por aí vai.
Qual a razão desse conflito? Se Deus não existe por que os ateus gastam tanta energia conosco, os crentes?
Tenho observado que não é qualquer tipo de fé que incomoda os ateus. No debate que travou com o então Cardeal Ratzinger, em 2000, o pensador Paolo Flores D’Arcais entregou o jogo. Nesse evento D’Arcais sustentou que é perfeitamente possível uma convivência pacífica da fé religiosa com o ateísmo, desde que os crentes reconheçam que suas crenças não guardam qualquer relação com a racionalidade. Desde que assumamos a posição historicamente atribuída a Tertuliano, “credo quia absurdum”, os ateus nos terão como inofensivos. O perigo, diz D’Arcais, é querer sustentar que a fé é racional. Isso nos torna perigosos, pois poderíamos ter a pretensão de intervir na realidade a partir das pressuposições que formam nossas crenças, o que poderia implicar uma perturbação para um espaço que deve ser governado exclusivamente pela ciência. Crentes que conferem relação de sua fé com a realidade material incomodam, pois pretendem conformar a realidade com seus valores.
A racionalidade estaria exclusivamente na ciência. É um arranjo ruim para nós, pois a ciência fica com a realidade e nós com o resto (a frase é do matemático de Oxford, o cristão John Lennox e foi usada num debate com Richard Dawkins, que pode ser visto no Youtube, com legendas em português).
A tradição cristã não tem nada a ver com esse arranjo. Cabe lembrar que racional é o raciocínio que encontra fundamento na realidade. Na verdade, temos com o ateísmo uma profunda divergência em relação à natureza da realidade. Em que consiste a realidade? Os ateus são naturalistas, materialistas, e sustentam que a natureza é tudo o que existe. Nós afirmamos que há uma realidade sobrenatural, além desta. Francis Schaeffer usa a sugestiva imagem de uma laranja com duas metades. O naturalista vê apenas uma metade da laranja e ignora a existência da outra. Nós vemos a laranja inteira e, se estamos certos, a fé é a verdadeira racionalidade.
Os naturalistas, porém, contrapõem fé e razão e nos colocam diante de uma armadilha e devemos estar conscientes disto. O argumento principal é que não há como se demonstrar que Deus está na realidade. Devemos estar atentos para essa argumentação. É que para um naturalista, uma demonstração racional deve ser científica. A ciência, como se sabe, procura explicar os fenômenos existentes com base em causas exclusivamente naturais. A ciência, enfim, é um método de investigação da natureza. Se Deus está fora da natureza, obviamente Deus não pode ser explicado pela ciência. Isso não prova que a fé em Deus é irracional, mas apenas afirma os limites da ciência.
Nós temos de permanecer firmes na posição cristã acerca desse ponto e perceber que este é o centro da controvérsia. A tradição judaico-cristã expressada no Salmo 19, no primeiro capítulo de Romanos, nas provas de Tomaz de Aquino etc, etc, afirma ousadamente que a realidade visível é expressão de uma vontade invisível, de uma inteligência que não pode ser vista, mas pode ser detectada nas coisas que se veem. O naturalismo, procura desqualificar essa posição, mas não pode fazê-lo sem cair em contradição, já que deve demonstrar que a natureza produziu a si mesma. E aí é obrigada a enfrentar a velha questão filosófica: por que existe algo, em vez do nada?
A natureza não é tudo o que existe. Como percebeu o centurião romano de Cafarnaum – aquele que deixou Jesus maravilhado -, a natureza está sujeita à autoridade, ela tem Senhor. Ela obedece a comandos do tipo cala-te; emudece, porque está sujeita ao seu Criador. Por essa mesma razão, não entendo a dificuldade lógica que os ateus levantam em relação à ocorrência dos milagres, como se a fé em evento desse tipo fosse completamente irracional. A questão não é se os milagres acontecem. A questão é se Deus existe. Porque se Deus é o Criador da natureza, ela é seu soldado, obedece às suas ordens, e lhe bate continência.
No Brasil, porém, as empresas de ônibus resistiram inicialmente à divulgação, justamente porque entenderam que o conteúdo da propaganda era preconceituoso. Ao invés de promoverem o ateísmo, as imagens, os dizeres, o tom e tudo o mais da publicidade da ATEA, revelam uma preocupação muito maior em depreciar a fé. Como foi possível constatar nas reportagens publicadas pela mídia, a campanha é extremamente agressiva. Genocidas supostamente crentes são contrastados com ateus charmosos da classe artística; a fé religiosa não oferece respostas e impede perguntas; o ateísmo é o estimulador de toda pesquisa científica, e por aí vai.
Qual a razão desse conflito? Se Deus não existe por que os ateus gastam tanta energia conosco, os crentes?
Tenho observado que não é qualquer tipo de fé que incomoda os ateus. No debate que travou com o então Cardeal Ratzinger, em 2000, o pensador Paolo Flores D’Arcais entregou o jogo. Nesse evento D’Arcais sustentou que é perfeitamente possível uma convivência pacífica da fé religiosa com o ateísmo, desde que os crentes reconheçam que suas crenças não guardam qualquer relação com a racionalidade. Desde que assumamos a posição historicamente atribuída a Tertuliano, “credo quia absurdum”, os ateus nos terão como inofensivos. O perigo, diz D’Arcais, é querer sustentar que a fé é racional. Isso nos torna perigosos, pois poderíamos ter a pretensão de intervir na realidade a partir das pressuposições que formam nossas crenças, o que poderia implicar uma perturbação para um espaço que deve ser governado exclusivamente pela ciência. Crentes que conferem relação de sua fé com a realidade material incomodam, pois pretendem conformar a realidade com seus valores.
A racionalidade estaria exclusivamente na ciência. É um arranjo ruim para nós, pois a ciência fica com a realidade e nós com o resto (a frase é do matemático de Oxford, o cristão John Lennox e foi usada num debate com Richard Dawkins, que pode ser visto no Youtube, com legendas em português).
A tradição cristã não tem nada a ver com esse arranjo. Cabe lembrar que racional é o raciocínio que encontra fundamento na realidade. Na verdade, temos com o ateísmo uma profunda divergência em relação à natureza da realidade. Em que consiste a realidade? Os ateus são naturalistas, materialistas, e sustentam que a natureza é tudo o que existe. Nós afirmamos que há uma realidade sobrenatural, além desta. Francis Schaeffer usa a sugestiva imagem de uma laranja com duas metades. O naturalista vê apenas uma metade da laranja e ignora a existência da outra. Nós vemos a laranja inteira e, se estamos certos, a fé é a verdadeira racionalidade.
Os naturalistas, porém, contrapõem fé e razão e nos colocam diante de uma armadilha e devemos estar conscientes disto. O argumento principal é que não há como se demonstrar que Deus está na realidade. Devemos estar atentos para essa argumentação. É que para um naturalista, uma demonstração racional deve ser científica. A ciência, como se sabe, procura explicar os fenômenos existentes com base em causas exclusivamente naturais. A ciência, enfim, é um método de investigação da natureza. Se Deus está fora da natureza, obviamente Deus não pode ser explicado pela ciência. Isso não prova que a fé em Deus é irracional, mas apenas afirma os limites da ciência.
Nós temos de permanecer firmes na posição cristã acerca desse ponto e perceber que este é o centro da controvérsia. A tradição judaico-cristã expressada no Salmo 19, no primeiro capítulo de Romanos, nas provas de Tomaz de Aquino etc, etc, afirma ousadamente que a realidade visível é expressão de uma vontade invisível, de uma inteligência que não pode ser vista, mas pode ser detectada nas coisas que se veem. O naturalismo, procura desqualificar essa posição, mas não pode fazê-lo sem cair em contradição, já que deve demonstrar que a natureza produziu a si mesma. E aí é obrigada a enfrentar a velha questão filosófica: por que existe algo, em vez do nada?
A natureza não é tudo o que existe. Como percebeu o centurião romano de Cafarnaum – aquele que deixou Jesus maravilhado -, a natureza está sujeita à autoridade, ela tem Senhor. Ela obedece a comandos do tipo cala-te; emudece, porque está sujeita ao seu Criador. Por essa mesma razão, não entendo a dificuldade lógica que os ateus levantam em relação à ocorrência dos milagres, como se a fé em evento desse tipo fosse completamente irracional. A questão não é se os milagres acontecem. A questão é se Deus existe. Porque se Deus é o Criador da natureza, ela é seu soldado, obedece às suas ordens, e lhe bate continência.
45 anos, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e cristão evangélico.
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