Opinião
- 07 de julho de 2023
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Ataques nas escolas e o papel da igreja
O número de ataques em escolas no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores
Por Lissânder Dias
Por Lissânder Dias
Há quem diga que a escola é um dos últimos redutos sociais sagrados para as crianças. Pelo menos no campo simbólico, ela representa muito mais do que um lugar de formação educacional. Ainda é um espaço de segurança, de cuidado e de crescimento em uma fase fundamental para o desenvolvimento humano. Quanto mais socialmente vulnerável é uma família, mais importante se torna a escola. No campo político, ela é uma vitrine de como uma nação cuida de suas crianças. E como disse o rabino Jonathan Sacks, “uma sociedade é julgada pela forma como ela trata os seus membros mais vulneráveis”.
No entanto, nos últimos anos até mesmo esse precioso espaço vem sendo atacado em muitas dimensões – espiritual, educacional, psicológica, política, econômica e física. Muitas crianças saem das escolas com feridas emocionais profundas causadas por bullying, discriminação e descaso. Por outro lado, os educadores se veem diante de um contexto desfavorável para o exercício de sua profissão, a julgar as múltiplas jornadas de trabalho, a desvalorização salarial e a ineficiência na gestão. Mais recentemente, o Brasil se viu assustado por uma onda de ataques em escolas, com mortes de uma professora em São Paulo (SP) e de 4 crianças em Blumenau (SC), além de um medo de novos ataques que foi se espalhando em várias partes do país.
Após a publicação desta reportagem na edição 402 de Ultimato, mais um ataque foi registrado: no dia 19 de junho, um jovem de 21 anos entrou no Colégio Estadual Professora Helena Kolody, em Cambé, PR, e atirou contra dois estudantes. Karoline Verri Alves, 17, e Luan Augusto da Silva, 16, que eram namorados. Karoline e Luan não resistiram aos ferimentos e faleceram. O atirador foi encontrado morto na prisão.
Cenário inseguro
Segundo a BBC Brasil, somente em 2022 e 2023, o número de ataques em escolas no Brasil já supera o total registrado nos 20 anos anteriores. A pesquisadora Michele Prado, do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP, fez um levantamento e registou 22 ataques a escolas entre outubro de 2022 a março de 2023.
Essa insegurança é reflexo de um cenário maior de violência contra crianças e jovens. Segundo o Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, do UNICEF, 34.918 mil mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes foram registradas no país no intervalo de 2016 a 2000 - portanto, uma média de 6.970 mortes por ano ao longo dos últimos cinco anos. “A grande maioria das vítimas são adolescentes – em mais de 31 mil desses casos, as vítimas estavam na faixa etária entre 15 e 19 anos. Essa constatação não deve ocultar que foram identificadas nesse período pelo menos 1.070 de crianças de até 9 anos de idade: em 2020, foram 213 mortes violentas intencionais nessa faixa etária”, informa o relatório.
A publicação chama a atenção também para o crescimento de mortes intencionais de crianças de 0 a 4 anos de idade. “Entre 2016 e 2020, nos 18 estados para os quais dispõem-se de dados completos para a série histórica, o número anual de mortes violentas de crianças com idade entre 0 e 4 anos aumentou 27%, enquanto caiu o número de vítimas nas outras faixas etárias. Esse aumento da violência na primeira infância é uma constatação que chama atenção e preocupa”.
Por que estão atacando as escolas?
Ultimato ouviu mais de quarenta educadores cristãos em diferentes locais do Brasil por meio de um questionário online no mês de maio de 2023. O tom das respostas revelou um ar preocupante, mas não tão surpreso. Diante da pergunta “Por que estão atacando as escolas?”, os educadores ressaltaram que a escola faz parte de uma sociedade cada vez mais doente. Invadir um espaço simbólico como tal é buscar evidenciar notoriedade, atacando os mais indefesos. “Atacam porque a escola é um lugar de conhecimento. Lá se encontra a geração de hoje que pode mudar nosso futuro”, afirmou Heloisa Fernandes. Confira mais respostas de outros entrevistados:
“Há muita insegurança nas escolas, não há proteção para os alunos em todos os sentidos, não há trabalhos extracurriculares, serviço de psicologia para atender às crianças que se encontram em depressão, ansiedade sofrendo com bullying";
"Solidão: Nos grupos da deep e dark web muitos estudantes encontram-se com outros e sentem-se pertencentes a algo, sentem-se ouvidos. Preconceito: Nesses grupos, eles encontram algo em comum, compartilhando e intensificando opiniões extremistas, considerando que perdem oportunidades na vida pelas chances dadas às minorias. Muitos estão culpam a escola. Não acredito que a escola em si seja a causa da violência – que vem de fora, de uma sociedade adoecida, e entra em um espaço que deveria ser de segurança, acolhimento e aprendizado”;
"Solidão: Nos grupos da deep e dark web muitos estudantes encontram-se com outros e sentem-se pertencentes a algo, sentem-se ouvidos. Preconceito: Nesses grupos, eles encontram algo em comum, compartilhando e intensificando opiniões extremistas, considerando que perdem oportunidades na vida pelas chances dadas às minorias. Muitos estão culpam a escola. Não acredito que a escola em si seja a causa da violência – que vem de fora, de uma sociedade adoecida, e entra em um espaço que deveria ser de segurança, acolhimento e aprendizado”;
“Algo orquestrado pelas trevas para trazer insegurança, pânico e desordem”;
“Na minha opinião, um dos fatores está relacionado com a comunicação que se tem tornado violenta a partir dos lares, atingindo outras esferas da sociedade. Sinto como que uma onda que vai envolvendo as pessoas e impulsionando-as a cometerem atos intencionais e planejados para ferir indiretamente as crianças e diretamente os responsáveis que estão em situação de poder”;
“Acho que é uma espécie de retaliação maligna. Satanistas manipulam pessoas e usam os jogos e desafios como estratégia para destruir crianças e causar medo na população”;
“A meu ver, a questão principal é que a sociedade como um todo está doente. A escola é o local que concentra uma população bastante vulnerável e incapaz de oferecer resistência, sendo vista como um alvo mais ‘fácil’”;
“Esse crescimento recente pode estar relacionado a um conjunto de fatores, dentre os quais podemos destacar o contexto de vulnerabilidade socioeducacional presente no país; o acesso e divulgação desenfreados de ataques anteriores e idolatria dos seus respectivos autores; busca por ‘notoriedade’ nas redes sociais; cultura do armamento e radicalização do discurso de ódio nas comunidades das redes; além é claro da comoção e repercussão que gera na população por meio da mídia quando essas atrocidades se dão em uma escola de ensino básico”.
E qual o papel da igreja?
Se a escola é um espaço social sagrado, a igreja e a família são a base espiritual para a transformação do mundo. Sendo assim, fica a pergunta: o que a igreja pode fazer para enfrentar o problema? A resposta não é fácil, mas a maioria dos entrevistados concorda que a igreja pode fazer muito mais. Fundamentalmente, deveria servir às escolas apoio espiritual, oração e voluntariado em reforço escolar. Também poderia reconhecer os educadores cristãos como missionários e, assim, pastoreá-los para que cumpram a missão que Deus lhes deu em ambientes escolares. “Eu trabalho há três anos em uma escola municipal e não vi uma única movimentação de igrejas para ajudá-la. Já vi ações da polícia (conscientização e prevenção), de clubes como o Rotary, de projetos sociais que promovem o esporte ou a dança, mas ainda não vi uma movimentação de um grupo religioso”, respondeu um dos entrevistados.
Isso significa que as igrejas nada fazem em favor das escolas? Essa não é toda a verdade. Outros entrevistados citaram bons exemplos de cristãos e igrejas comprometidas com os estudantes:
“Na minha igreja local, na Igreja Presbiteriana Central de Jacareí, SP, nos reunimos toda semana às terças-feiras com os adolescentes para termos um momento de devocional e oração pela vida dos estudantes e pelas escolas”;
“Acredito que um dos papeis principais seja trabalhar na igreja a questão dos extremos. Infelizmente, em razão da polarização política muitas vezes vivemos uma ‘guerra’ entre conservadores e liberais. Cada um se rechaçando em determinado grau por causa de algo. Não é raro ouvir as opiniões de diversas pessoas de que a igreja é preconceituosa e causa divisão entre as pessoas e de que a igreja não faz nada para proteger ‘órfãos, pobres e viúvas’ de hoje em dia (que talvez sejam as mulheres vítimas de violência, as crianças pretas, os pobres). Por isso, acredito que a Igreja precisa atuar, sem discursos que excluem (na essência), mostrando a palavra e amor de Deus. A igreja também precisa ser um espaço atraente para o jovem, que gosta de programações diferentes e pessoas que falem a linguagem deles. Importante envolvê-los nos eventos (inclusive, no protagonismo de ações) e estar aberto a ouvi-los. Nem toda igreja tem uma característica de acolhimento aos jovens, afastando-os em uma idade crucial. É interessante ver ações das igrejas não somente para jovens que fazem parte da membresia, mas também da comunidade como um todo. Oferecer apoio psicossocial para as famílias é uma ação ao alcance das igrejas que pode resultar em um trabalho preventivo muito importante. Acolher é uma resposta que funciona muito”;
“Na igreja em que congrego, tem um grupo de mulheres que vão evangelizar dentro das escolas. O Departamento Infantil também vai sempre”;
“Eu estou há mais de dez anos indo de escola em escola, sozinha ou com minha filha para falar sobre prevenção ao abuso sexual, não ao bullying, não à pornografia e os perigos da internet. É um trabalho de formiguinha, mas vejo os frutos disso hoje na periferia onde atuava”.
Uma das igrejas citadas realizou em 20 de abril, dias após um dos ataques, uma campanha distribuindo balões brancos nas escolas. Projetos como a “Escola da Vida”, da Mocidade para Cristo, e “Escola de Paz”, do Pais Movement, foram mencionados por desenvolverem formação e ação positivas diretamente com os estudantes e professores. “Uma das formas da igreja ser relevante é alcançando as pessoas e os espaços importantes de seus bairros com a capelania escolar”, disse a missionária e educadora Beatriz Resende, de Blumenau, SC, em uma live realizada pelo projeto Diálogos de Esperança no dia 25 de abril.
Tecendo redes de esperança
Para o teólogo e presidente da Associação Claves Brasil, Alexandre Gonçalves, “é preciso que a igreja como um todo se proponha a refletir criticamente sobre necessidades concretas da população, como a prevenção da violência, que se dá também a partir da adoção de um discurso e uma prática evangélica pacifista – não passiva. Não se trata apenas de uma questão moral, mas ética, que se refere à convivência coletiva”.
Na live “Crianças em perigo: por que estão atacando as escolas?”, de Diálogos de Esperança, o pastor, teólogo e psicólogo Daniel Guanaes disse que “a igreja precisa ser essa comunidade profética que denuncia a violência. Como? Não admitindo a violência como uma linguagem social e religiosa ou como uma forma de ler a ética do evangelho. Por outro lado, precisamos construir cotidianamente uma pastoral de esperança. Além de denunciar, devemos também tecer uma rede de esperança. Se a igreja não é um espaço de esperança para pessoas atravessadas pela violência, onde ele será?”.
REVISTA ULTIMATO | MAMOM VERSUS DEUS
Ao todo, Jesus contou 38 parábolas. Mais de um terço delas trata de assuntos ligados a posses e riquezas. Há cerca de quinhentos versículos sobre oração na Bíblia. Sobre dinheiro e posses são mais de 2.300.
As Escrituras se ocupam desse assunto porque ele é crucial para a fé. Trata-se de onde colocamos nossos afetos e a quem seguimos. Jesus adverte: “Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mt 6.21).
Saiba mais:
» Crianças em perigo: por que estão atacando as escolas?, live do Diálogos de Esperança
» A banalização do mal contra crianças e o papel da igreja
» O ensino fora da escola: a educação domiciliar é uma alternativa válida?
» A Criança, a Igreja e a Missão, Dan Brewster
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Lissânder Dias do Amaral é jornalista, blogueiro, poeta e editor de livros. Integra o Conselho Nacional da Interserve Brasil e o Conselho da Unimissional. É autor de “O Cotidiano Extraordinário – a vida em pequenas crônicas” e responsável pelo blog Fatos e Correlatos do Portal Ultimato. É um dos fundadores do Movimento Vocare e ajudou a criar as organizações cristãs de cooperação Rede Mãos Dadas e Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS).
- Textos publicados: 126 [ver]
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Site: http://www.fatosecorrelatos.com.br
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