Opinião
- 05 de fevereiro de 2020
- Visualizações: 3015
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
As redes sociais e os irmãos de carne e osso
Por Rubem Amorese
Muitos têm sido os estudos sobre os efeitos da pós-modernidade sobre a igreja. Para facilitar o entendimento, autores criam rótulos e metáforas. Assim é que, no livro Icabode, chamo o resultado da pluralização de “sociedade supermercado”, onde milhares de produtos culturais competem pela escolha do consumidor, nas prateleiras da vida. Outro fenômeno pós-moderno é a privatização. Diante das prateleiras, o cidadão escolhe por critérios íntimos, pessoais. Com a fragmentação da vida, vai desaparecendo o consenso. Do mesmo modo, ao colocar Deus nas prateleiras, temos a secularização: você escolhe e adota o deus que melhor se ajusta ao seu estilo de vida. Que pode ser você mesmo, claro.
O filósofo polonês Zygmunt Bauman, falando sobre a “sociedade líquida”, diz que as redes sociais e o facebook nos dão a sensação de proteção e abrigo do medo inconsciente do abandono. No entanto, pondera: “Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”.
Samuel Vieira, em um artigo no portal “Contexto”,1 lança o conceito de opacidade, retirado da falta de transparência da córnea, ampliando-o, em seguida, para a opacidade institucional, governamental e, também, pessoal. É interessante pensar que a privatização produza opacidade. Vieira nos lembra que no mundo grego era impossível pensar em uma felicidade individual, sem o outro. Temos descoberto que o isolamento nos torna opacos até para nós mesmos.
Com isso, adoecemos. A impermeabilidade viola as nossas “especificações de fábrica”. As empresas opacas perdem mercado; as instituições governamentais sem transparência sofrem de ineficiência e geram desconfiança na população; e as pessoas solitárias, individualizadas, adoecem. Então, vem a neurociência e nos ensina que a solidão mata mais que fumar quinze cigarros por dia. No Reino Unido, esse fenômeno já é tratado como epidemia pela saúde pública.2
A solução para esse problema pós-moderno é a busca deliberada pelo outro – o retorno à comunidade, formada por pessoas de carne e osso. Sem intermediações. Nesse momento, as redes sociais e os aplicativos de relacionamento e comunicação podem facilitar a nossa vida, pois já não substituirão o mundo real. E é aí que a igreja se agiganta como espaço de encontro, de convívio, de serviço, de calor-de-abraço.
O grande problema é que, modernamente, não precisamos, não sabemos – e não desejamos – suportar os efeitos colaterais dessa proximidade. Menos ainda da permeabilidade. Comparo a permeabilidade ao “abraço de porco-espinho”. Sabemos que teremos o calor do abraço ao preço das espetadas. E só nos disporemos a sofrer as espetadas se valorizarmos o calor dos abraços.
Para voto de Ano-Novo: desejamos confessar uns aos outros os nossos pecados, e orar uns pelos outros, para sermos curados (Tg 5.16) da nossa impermeabilidade, da nossa orfandade, da nossa solidão? Ainda mais sabendo que essa confissão, para além do que eu tenha feito, deve revelar quem eu sou? Desejamos, mesmo, a dor e a bênção da permeabilidade?
Notas
1. Disponível aqui.
2. GARATTONI, Bruno; LACERDA, Ricardo. “A Explosão da Solidão”. Super, set. 2019.
Muitos têm sido os estudos sobre os efeitos da pós-modernidade sobre a igreja. Para facilitar o entendimento, autores criam rótulos e metáforas. Assim é que, no livro Icabode, chamo o resultado da pluralização de “sociedade supermercado”, onde milhares de produtos culturais competem pela escolha do consumidor, nas prateleiras da vida. Outro fenômeno pós-moderno é a privatização. Diante das prateleiras, o cidadão escolhe por critérios íntimos, pessoais. Com a fragmentação da vida, vai desaparecendo o consenso. Do mesmo modo, ao colocar Deus nas prateleiras, temos a secularização: você escolhe e adota o deus que melhor se ajusta ao seu estilo de vida. Que pode ser você mesmo, claro.
O filósofo polonês Zygmunt Bauman, falando sobre a “sociedade líquida”, diz que as redes sociais e o facebook nos dão a sensação de proteção e abrigo do medo inconsciente do abandono. No entanto, pondera: “Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”.
Samuel Vieira, em um artigo no portal “Contexto”,1 lança o conceito de opacidade, retirado da falta de transparência da córnea, ampliando-o, em seguida, para a opacidade institucional, governamental e, também, pessoal. É interessante pensar que a privatização produza opacidade. Vieira nos lembra que no mundo grego era impossível pensar em uma felicidade individual, sem o outro. Temos descoberto que o isolamento nos torna opacos até para nós mesmos.
Com isso, adoecemos. A impermeabilidade viola as nossas “especificações de fábrica”. As empresas opacas perdem mercado; as instituições governamentais sem transparência sofrem de ineficiência e geram desconfiança na população; e as pessoas solitárias, individualizadas, adoecem. Então, vem a neurociência e nos ensina que a solidão mata mais que fumar quinze cigarros por dia. No Reino Unido, esse fenômeno já é tratado como epidemia pela saúde pública.2
A solução para esse problema pós-moderno é a busca deliberada pelo outro – o retorno à comunidade, formada por pessoas de carne e osso. Sem intermediações. Nesse momento, as redes sociais e os aplicativos de relacionamento e comunicação podem facilitar a nossa vida, pois já não substituirão o mundo real. E é aí que a igreja se agiganta como espaço de encontro, de convívio, de serviço, de calor-de-abraço.
O grande problema é que, modernamente, não precisamos, não sabemos – e não desejamos – suportar os efeitos colaterais dessa proximidade. Menos ainda da permeabilidade. Comparo a permeabilidade ao “abraço de porco-espinho”. Sabemos que teremos o calor do abraço ao preço das espetadas. E só nos disporemos a sofrer as espetadas se valorizarmos o calor dos abraços.
Para voto de Ano-Novo: desejamos confessar uns aos outros os nossos pecados, e orar uns pelos outros, para sermos curados (Tg 5.16) da nossa impermeabilidade, da nossa orfandade, da nossa solidão? Ainda mais sabendo que essa confissão, para além do que eu tenha feito, deve revelar quem eu sou? Desejamos, mesmo, a dor e a bênção da permeabilidade?
Notas
1. Disponível aqui.
2. GARATTONI, Bruno; LACERDA, Ricardo. “A Explosão da Solidão”. Super, set. 2019.
UM CONVITE À ORAÇÃO | REVISTA ULTIMATO
Por que orar por uma consulta médica, por um concurso ou pela conversão dos familiares? Não está tudo decidido?
A matéria de capa da primeira edição da revista Ultimato em 2020 é “Um convite à oração”. Ultimato quer ajudar o leitor a orar mais e melhor.
E tem muito mais. Assine aqui.
E tem muito mais. Assine aqui.
Rubem Amorese é presbítero emérito na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília. Foi professor na Faculdade Teológica Batista por vinte anos e consultor legislativo no Senado Federal. É autor de, entre outros, Fábrica de Missionários e Ponto Final. Acompanhe seu blog pessoal: ultimato.com.br/sites/amorese.
- Textos publicados: 36 [ver]
-
Site: http://www.amorese.com.br
- 05 de fevereiro de 2020
- Visualizações: 3015
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- A urgência da reconciliação: Reflexões a partir do 4º Congresso de Lausanne, um ano após o 7 de outubro
- Perigo à vista ! - Vulnerabilidades que tornam filhos de missionários mais suscetíveis ao abuso e ao silêncio
- Diálogos de Esperança: nova temporada conversa sobre a Igreja e Lausanne 4
- 200 milhões de Bíblias em 2023
- Trabalho sob a perspectiva do reino de Deus
- Inteiros perante e para Deus
- A liturgia da certeza
- “A unidade da igreja não é opcional”
- Somos chamados para a vida!
- Bíblia de Taipa – as Escrituras na língua do coração do sertanejo