Opinião
24 de fevereiro de 2023
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Às portas do carnaval, eu só penso em outra Festa!
Por Guilherme de Carvalho
“Muitas pessoas dizem que lá, na capela, elas mal percebem quanto tempo se passou. É quase como se o tempo e a eternidade se fundissem, quando céu e terra se encontram. Qualquer um que tenha testemunhado o que está acontecendo pode concordar que é algo incomum e totalmente fora do script.” (Tom McCall)
![Imagem: Davi Bastos](/image/atualiza_home/principal/ultimas/opiniao/2023/02_fev/opi_24-2-23_avivamento%20(1).jpeg)
Por aqui, quem quer pular carnaval está atrás de alegria também, e alegria é a marca do brasileiro – alega-se. “A alegria é a prova dos nove”, dizia Oswald de Andrade. Previsivelmente, este brasileiro puritano aqui acha tudo isso uma grande balela. O carnaval é a festa dos desesperados, que sempre foi o mundo do brasileiro; a vontade de cantar, dançar, beber, rir, cair, trepar, beijar todo mundo e se esbaldar até morrer. Gastar tudo, esticar-se, arriscar-se, estourar os limites, esquecer da vida miserável em um país que anda em círculos: morrer, basicamente. O carnaval é um grito de desespero.
Mas o que esperar de um pastor evangélico? Estamos aqui para isso mesmo, para chamar a farsa de farsa. Há tanta alegria no carnaval quanto há na pinga brava.
Daí o hábito evangélico (moralista, triste, blablablá) de organizar seus retiros, sumir nas roças, orar pelos montes esperando a banda passar. Aqui estamos nós, de novo, os carolas, retirados para períodos de oração e reflexão. Em nossa defesa: para festejar também: neste ano, nosso assunto é “espiritualidade e boa mesa”, porque a mesa é lugar de festa. Não a festa com desconhecidos, anônima, massificada, de copos de plástico, mas a festa com os amigos, com rostos e histórias e copos de vidro; não para armar o bote, “pegar” alguém, fazer as maldades gostosas e depois vomitar na rua, mas para servir ao outro uma comida boa e um amor de verdade. Na mesa da comunhão não cabem urubus; no carnaval, no entanto, a carniça é demais para evitá-los.
O assombroso fenômeno de Asbury encoraja os crentes brasileiros a lembrar com toda a clareza por que ficamos bem longe dessa nossa festa irrecuperável, esse grandioso símbolo brasileiro que para nós não significa nada. Não é porque os crentes saibam fazer boas festas, mas porque preferem nenhuma à farsa anual. Ou melhor: preferem se reunir com os amigos e aguardar a festa de verdade.
Mas será que essa festa de verdade existe? E se tudo isso não passar de alucinação puritana? Quem sabe os resmungos evangélicos e seu desgosto com o carnaval sejam só isso, coisa de gente chata, perdedora e mal-amada, ódio da vida, herança maldita do puritanismo, neurose de gente reprimida. Não é mais fácil imaginar que não existe céu, nem hell below us, e above us only sky?
Mas então chegam essas notícias perturbadoras, do professor universitário do Kentucky, e de outro, e de outro, de um lugar no qual o tempo para de passar, o céu encontra a terra e as pessoas estão caindo de joelhos e cantando de alegria sem parar? De de um lugar subitamente magnético, sedutor, delicioso e, para o desespero das pessoas laicas e normais, religioso? John Lennon que me perdoe, mas só consigo imaginar uma coisa: esse enorme e brilhante céu acima de nós existe mesmo.
Meu amigo Angelo voou correndo para lá e contou o que sentia: “Descanso, descanso, descanso, descanso, descanso! Lágrimas, lágrimas, lágrimas, lágrimas, lágrimas, a casa de meu Pai!” Estaria ele louco? Não, não... ele é um pouco diferente, mas não é nada maluco. Pelo contrário, ali está um lugar de gente sóbria. Por sinal, meu outro amigo Davi, filósofo analítico, já comprou suas passagens.
Não é loucura, é alegria. Ele está alegre! Alegre porque na casa do Pai. Que intrigante, essa conversa de casa-de-pai. Lembra, é claro, a parábola do Filho Pródigo, no Evangelho de Lucas: “Vou retornar à casa de meu pai e dizer: Pai, pequei contra o céu e contra o senhor,e não sou mais digno de ser chamado seu filho” (Lucas 15,18-19). Isso depois de lambuzar-se em terra estrangeira torrando seus recursos até quase morrer comendo comida de porcos. Alegria é voltar para casa, é ter um Lar, e se descobrir filho sem merecer. Mas esse lar nem é em Asbury; é uma meia-volta completa na existência.
Não tem jeito! Com esse céu glorioso, brilhando azul e dourado acima de nós, dá para ver com clareza o que há no final do barranco. Sejamos honestos, para milhões de brasileiros o carnaval é um buraco sujo, um trem no meio do caminho; uma ladeira abaixo que sempre foi a mesma do filho pródigo: festinhas com meretrizes, cuidar de porcos e comer porcarias.
Mas seu fim não é um lamento, não é o fim da festa. Pelo contrário, na parábola que Jesus conta, o filho mais novo encontra nada menos que outra festa: um abraço e um beijo do pai; roupas e sapatos novos, um anel da família no dedo, e um belo churrasco de carnes gordas, o novilho cevado! Havia outra festa, justamente naquele lugar do qual ele fugia com todas as forças: a casa de seu Pai. Havia outra festa e havia outras alegrias antes insuspeitadas, com seus abraços, seus beijos e seus vinhos; alegrias com sabor de perdão, de bondade e de reconciliação, e com muitos amigos. Tantos eram eles, e tantas as suas festas, que acusaram Jesus: “comilão, beberrão e amigo de pecadores!” Jesus sabia fazer festa, continua fazendo festa, e prometeu a seus alunos um festão, no fim de todas as coisas.
Asbury nos faz lembrar, como disse C. S. Lewis, que um dia beberemos alegria da fonte da alegria; e, às portas do carnaval, eu só consigo pensar nesse festão!
Artigo originalmente publicado na Gazeta do Povo. Reproduzido com permissão.
É teólogo, mestre em Ciências da Religião e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, é também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro fundador da Associação Brasileira Cristãos na Ciência (ABC2).
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