Prateleira
- 09 de março de 2007
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As Cartas de Amor que Páginas da Vida não mostrou
Para espanto dos que viram e desconfiança dos que ouviram falar, após o penúltimo capítulo da novela Páginas da Vida, quem diria, fomos surpreendidos com o depoimento do conhecido avivalista pastor Antonio Elias e sua esposa, Maria José.
Para celebrar a semana da mulher, Prateleira publica a história completa da qual Páginas da Vida mostrou um pedaço.
As cartas de amor de Antonio Elias e de Maria José
Ouro, incenso e mirra
A correspondência entre Antonio Elias e Maria José começou tímida. Ela se dirigia a ele chamando-o de Dr. Antonio Elias em todas as cartas de 1946 e nas primeiras de 1947. Só depois apareceram as incontidas expressões efusivas de afeto: “meu amigo”, “mui prezado amigo”, “querido amigo”, “meu amigo prezadíssimo”, até chegar no “meu príncipe encantado”.
Antonio Elias, por sua vez, era muito seco. Durante um ano e meio chamava-a apenas de “Maria José”. Depois usou o apelido “Zezé” e ousou o superlativo “prezadíssima”. Então descambou por completo: “amiguinha querida”, “minha fada” e “princesinha dos meus sonhos”.
Na carta de 5 de maio de 1947 Antonio Elias escreve: “Há humor, candura, suavidade, perfume, ouro, incenso e mirra em suas cartas”.
Abraços e beijos
O avivalista Antonio Elias não teve tempo para abraçar e beijar a namorada. Afinal, só se encontraram três vezes em três anos de namoro.
Mas, depois de alguma cerimônia, os abraços e beijos eram enviados via postal. E em grande quantidade...
Na carta de 19 de fevereiro de 1947 Antonio Elias escreveu: “Receba agora um, dois, três, quatro dos mais sinceros e profundos abraços e... bem... mais um abraço”, e acrescentou: “Já é tempo de acabarmos com o doloroso racionamento, não acha?” A resposta de Maria José não se fez tardia: “Como não há mais racionamento, deixo aqui para você um milhão de abraços”. Isso foi suficiente para aumentar o entusiasmo do namorado: “Tome lá seis milhões de abraços, por enquanto...”
Apesar da grande quantidade de abraços, Maria José reclamou: “Recebi os ‘seis milhões de abraços’, mas chegaram envoltos numa rajada fria que chegou a assustar-me! Acaso procediam de algum dos pólos?” Como mulher, talvez, ela quisesse o mesmo abraço requisitado pela “rosa de Sarom” ao seu amado no Cântico dos Cânticos: “A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a direita me abrace” (Ct 2.6).
Quanto aos beijos, o casal de namorados de Teófilo Otoni e Almenara começou com uma linguagem cifrada. Ela tomou a iniciativa de enviar-lhe “beijinhos” (beijo-de-sinhá) feitos em casa, mas com duplo significado... E ele não deixou por menos: “Os ‘beijos’ lembram aquela deliciosa página de [José de] Alencar: ‘...a virgem dos lábios de mel...’ Bem quisera devolver-lhes pessoalmente, com juros dobrados! Outra vez se assustou? Ora, já é tempo de ir-se acostumando. Afinal, faz mais de um ano que conversamos. Logo, devo ter certos direitos adquiridos”. Mês e meio depois, o missionário encarregado de abrir uma igreja protestante em Teófilo Otoni confessou à sua amada: “Não posso dormir sem beijá-la”.
As saudades que Antonio Elias sentia de Maria José eram “atômicas”, “vulcânicas” e “transbordantes”. As de Maria José, “ciclônicas”...
Coração na tipóia
Maria José terminou a “carta de amor” de 15 de maio de 1947 assim: “Sua pobre amiga está com o coração na tipóia”. Ora, a tira de pano que se prende ao pescoço só serve para descansar o braço fraturado ou doente por algum tempo. Por que o coração da bancária de Joaíma estava na tipóia?
Não era só o coração de Maria José que estava na tipóia. O de Antonio Elias também estava. A razão é uma só. Os dois se amavam ternamente, mas relutavam em dar continuidade a esse amor porque ele era pastor evangélico e ela era católica convicta, praticante, e também filha de Maria (uma pessoa comprometida a promover a maior glória de Deus e o aumento da devoção mariana). É Antonio Elias quem explica o problema na carta escrita na metade exata do período de namoro: “Temos, de fato, um grande denominador comum: Cristo! Trabalhamos e vivemos pela grandeza do seu reino aqui na terra. Graças a Deus que você pensa assim! Mas os meios e os métodos que aceitamos são divergentes. Temos que anunciar o Senhor seguindo ambos a mesma estrada”.
Por causa desse impasse, o coração de ambos esteve na tipóia por muito tempo. O pastor e a bancária procuravam amar mais a Deus do que um ao outro. Nem sempre era fácil. Na carta de 7 de julho de 1947, o namorado de Teófilo Otoni escreveu para a namorada de Almenara: “Tenho feito uma força gigantesca para esquecê-la”. Na carta em resposta Maria José perguntou a Antonio Elias: “E se lhe dissesse que também fiz uma força para esquecê-lo?”
Em outra ocasião, Antonio Elias perguntou à amada, como se ela não o soubesse: “Sabe bem qual é a minha profissão?” Ela respondeu de pronto: “Antes de conhecê-lo pessoalmente eu já sabia”. E devolveu a pergunta: “Você sabe que sou católica? Que pratico a minha religião com carinho e que a coloco acima de tudo na minha vida? Sei que o mesmo acontece a você, com relação à sua, e receio que seja este o mais sério problema que defrontamos, pois se um de nós fosse indiferente sobre este ponto, talvez se tornasse mais fácil”.
Tanto o pastor como a filha de Maria tinham medo de sucumbir à “tentação” de amar mais o namorado do que a Deus. Antonio Elias confessou: “Não estou com muita disposição de discutir o assunto por carta. É difícil e longo. Tenho medo de, fascinado pelos encantos da fada, não poder raciocinar com clareza!” Três dias depois, o já requisitado evangelista Antonio Elias, que quase não parava em Teófilo Otoni, pregando em várias cidades de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, escreveu um bilhete queixoso para a amada: “Francamente, você me enfeitiçou! Isso é maldade, fadinha. Fada ou feiticeira? Ai! Que cerco!”
Foi Maria José quem usou pela primeira vez a palavra “dissonância” para definir o problema das “duas estradas” — a estrada católica romana na qual ela caminhava e, a estrada católica reformada na qual Antonio Elias se encontrava. Talvez ambos tenham se lembrado da solene pergunta do profeta Amós: “Duas pessoas andarão juntas se não estiverem de acordo?” (Am 3.3).
Apesar da clamorosa dissonância, Antonio Elias vivia escrevendo sobre a sonhada “casinha” — “um protótipo do lar de Betânia, onde o Divino Mestre se sentia bem e podia refazer-se das suas caminhadas e das críticas mordazes dos fariseus e falsos doutores da lei”. Na mais longa de todas as cartas, o pastor evangélico pergunta à filha de Maria: “Você, Maria José, que está esclarecida e segura sobre o papel de dona-de-casa, aceitaria um convite para organizar e dirigir essa futura casinha?” Cinco meses depois, porém, Antonio Elias questiona: “Não sei se poderíamos edificar juntos a encantada casinha. Sei somente que não tenho planos de construí-la com outra pessoa...”.
O desejo sério de colocar Deus em primeiro lugar e o desejo ardente de levar adiante o amor pela amada fizeram Antonio Elias chamar de perigoso o “irmão gêmeo da amizade”. De fato, outro apaixonado já havia escrito que “o amor é forte como a morte” (Ct 8.6).
Na mesma estrada
Evangelista é o nome que se dá ao pregador que sabe anunciar com clareza e vigor e de modo “apelativo” as boas novas da salvação em Cristo. Antonio Elias é mais conhecido no Brasil como evangelista do que como pastor, missionário e avivalista. Com seus 95 anos, pregou três noites na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, na Páscoa de 2005. Uma pessoa assim dotada não deixaria de evangelizar a bancária de Joaíma, enfatizando certas coisas que ela já sabia por alto e outras que ela talvez desconhecesse por completo.
Logo no primeiro encontro, em março de 1946, quando se viram pela primeira vez no Hotel Belo Horizonte, em Teófilo Otoni, onde Antonio Elias morava, ele deu de presente a Maria José o livro O Manto de Cristo, de Lloyd Douglas. Muitos outros foram pouco a pouco encaminhados à jovem, desde os livros de Miguel Rizzo (Cântaro Abandonado, Varão de Dores) até a biografia do sadu indiano Sundar Singh, escrita por Boanerges Ribeiro, “O apóstolo dos pés sangrentos”. Folhetos e revistas, especialmente a formidável Unitas, tinham o mesmo destino.
Embora católica praticante, Maria José não fazia leitura regular das Escrituras. Antes mesmo de começar o namoro, Antonio Elias encorajou-a a ler o Novo Testamento completo — “a biografia luminosa, eterna, cheia de Deus e do homem ideal: Jesus!” Um ano depois, deu-lhe uma edição especial do Evangelho de João, com o seguinte pedido: “Gostaria que você lesse imediatamente sem pular uma linha, pois é majestosa apresentação da divindade do Senhor Jesus”.
Maria José e Antonio Elias eram muito éticos. A bancária jamais se tornaria evangélica só para não perder o amado. E o pastor não a forçaria a ser evangélica só para poder casar-se com a amada.
Diante do impasse de ordem religiosa, o Romeu de Teófilo Otoni e a Julieta de Almenara terminaram o namoro no segundo semestre de 1947.
Aconteceu, porém, uma coincidência que abalou os dois ex-namorados. Mesmo sabendo que Antonio Elias estava pregando na inauguração do templo da Igreja Presbiteriana de Almenara, Maria José não foi ao seu encontro porque isso a faria sofrer ainda mais.
A essa altura, ela morava na fazenda da família no município de Almenara. A caminho de Belo Horizonte, passou com o irmão por Almenara e foram almoçar num pequeno restaurante. Para surpresa, lá estava Antonio Elias, que também precisava ir à capital mineira. Os dois se encontraram em Belo Horizonte e Antonio Elias a levou para assistir a um culto na Segunda Igreja Presbiteriana daquela cidade, que se reunia na casa de um de seus membros. Ali e naquele momento, Maria José teve seu encontro marcante com Jesus Cristo: “Senti, de maneira clara e inovidável, a presença real de Cristo naquele ambiente singelo, de recolhimento e paz”. Isso aconteceu no domingo de 20 de maio de 1948. O impacto espiritual foi tão forte que ela não conseguiu compartilhar a experiência com Antonio Elias, que regressou na segunda-feira sem saber do ocorrido.
Agora na mesma estrada, Maria José e Antonio Elias reataram o namoro e casaram-se sete meses depois, no dia 27 de janeiro de 1949, no templo presbiteriano de Almenara. A lua-de-mel foi sui generis, lembra a ex-bancária, hoje esposa de pastor protestante: “Passamos três dias apenas em um hotel de Governador Valadares e daí fomos, de trem, até Resplendor, MG, Vitória e Santa Tereza, ES, onde amigos tinham nos convidado para estarmos, hospedando-nos em casa (não havia dinheiro para o hotel), com o compromisso de ‘fazer conferências’ quase todas as noites, pelo espaço de quase 10 dias”.
Em janeiro de 1999, o casal comemorou na Igreja Presbiteriana Betânia suas bodas de ouro com a presença dos quatro filhos: Lúcio Antonio (engenheiro), Lucília (psicóloga), Paulo César (empresário) e Teófanes (engenheiro e pastor).
Leia o que Ultimato publicou sobre o assunto
• O que uma esposa espera de seu esposo, por Wanda de Assumpção
• O que um esposo espera de sua esposa, por Carlos “Catito” Grzybowski
Leia o livro
• Parceria Conjugal, de Amaury e Layla Cardoso
• Casamento e Família, Jorge Maldonado, ed.
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As cartas de amor de Antonio Elias e de Maria José
Ouro, incenso e mirra
A correspondência entre Antonio Elias e Maria José começou tímida. Ela se dirigia a ele chamando-o de Dr. Antonio Elias em todas as cartas de 1946 e nas primeiras de 1947. Só depois apareceram as incontidas expressões efusivas de afeto: “meu amigo”, “mui prezado amigo”, “querido amigo”, “meu amigo prezadíssimo”, até chegar no “meu príncipe encantado”.
Antonio Elias, por sua vez, era muito seco. Durante um ano e meio chamava-a apenas de “Maria José”. Depois usou o apelido “Zezé” e ousou o superlativo “prezadíssima”. Então descambou por completo: “amiguinha querida”, “minha fada” e “princesinha dos meus sonhos”.
Na carta de 5 de maio de 1947 Antonio Elias escreve: “Há humor, candura, suavidade, perfume, ouro, incenso e mirra em suas cartas”.
Abraços e beijos
O avivalista Antonio Elias não teve tempo para abraçar e beijar a namorada. Afinal, só se encontraram três vezes em três anos de namoro.
Mas, depois de alguma cerimônia, os abraços e beijos eram enviados via postal. E em grande quantidade...
Na carta de 19 de fevereiro de 1947 Antonio Elias escreveu: “Receba agora um, dois, três, quatro dos mais sinceros e profundos abraços e... bem... mais um abraço”, e acrescentou: “Já é tempo de acabarmos com o doloroso racionamento, não acha?” A resposta de Maria José não se fez tardia: “Como não há mais racionamento, deixo aqui para você um milhão de abraços”. Isso foi suficiente para aumentar o entusiasmo do namorado: “Tome lá seis milhões de abraços, por enquanto...”
Apesar da grande quantidade de abraços, Maria José reclamou: “Recebi os ‘seis milhões de abraços’, mas chegaram envoltos numa rajada fria que chegou a assustar-me! Acaso procediam de algum dos pólos?” Como mulher, talvez, ela quisesse o mesmo abraço requisitado pela “rosa de Sarom” ao seu amado no Cântico dos Cânticos: “A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a direita me abrace” (Ct 2.6).
Quanto aos beijos, o casal de namorados de Teófilo Otoni e Almenara começou com uma linguagem cifrada. Ela tomou a iniciativa de enviar-lhe “beijinhos” (beijo-de-sinhá) feitos em casa, mas com duplo significado... E ele não deixou por menos: “Os ‘beijos’ lembram aquela deliciosa página de [José de] Alencar: ‘...a virgem dos lábios de mel...’ Bem quisera devolver-lhes pessoalmente, com juros dobrados! Outra vez se assustou? Ora, já é tempo de ir-se acostumando. Afinal, faz mais de um ano que conversamos. Logo, devo ter certos direitos adquiridos”. Mês e meio depois, o missionário encarregado de abrir uma igreja protestante em Teófilo Otoni confessou à sua amada: “Não posso dormir sem beijá-la”.
As saudades que Antonio Elias sentia de Maria José eram “atômicas”, “vulcânicas” e “transbordantes”. As de Maria José, “ciclônicas”...
Coração na tipóia
Maria José terminou a “carta de amor” de 15 de maio de 1947 assim: “Sua pobre amiga está com o coração na tipóia”. Ora, a tira de pano que se prende ao pescoço só serve para descansar o braço fraturado ou doente por algum tempo. Por que o coração da bancária de Joaíma estava na tipóia?
Não era só o coração de Maria José que estava na tipóia. O de Antonio Elias também estava. A razão é uma só. Os dois se amavam ternamente, mas relutavam em dar continuidade a esse amor porque ele era pastor evangélico e ela era católica convicta, praticante, e também filha de Maria (uma pessoa comprometida a promover a maior glória de Deus e o aumento da devoção mariana). É Antonio Elias quem explica o problema na carta escrita na metade exata do período de namoro: “Temos, de fato, um grande denominador comum: Cristo! Trabalhamos e vivemos pela grandeza do seu reino aqui na terra. Graças a Deus que você pensa assim! Mas os meios e os métodos que aceitamos são divergentes. Temos que anunciar o Senhor seguindo ambos a mesma estrada”.
Por causa desse impasse, o coração de ambos esteve na tipóia por muito tempo. O pastor e a bancária procuravam amar mais a Deus do que um ao outro. Nem sempre era fácil. Na carta de 7 de julho de 1947, o namorado de Teófilo Otoni escreveu para a namorada de Almenara: “Tenho feito uma força gigantesca para esquecê-la”. Na carta em resposta Maria José perguntou a Antonio Elias: “E se lhe dissesse que também fiz uma força para esquecê-lo?”
Em outra ocasião, Antonio Elias perguntou à amada, como se ela não o soubesse: “Sabe bem qual é a minha profissão?” Ela respondeu de pronto: “Antes de conhecê-lo pessoalmente eu já sabia”. E devolveu a pergunta: “Você sabe que sou católica? Que pratico a minha religião com carinho e que a coloco acima de tudo na minha vida? Sei que o mesmo acontece a você, com relação à sua, e receio que seja este o mais sério problema que defrontamos, pois se um de nós fosse indiferente sobre este ponto, talvez se tornasse mais fácil”.
Tanto o pastor como a filha de Maria tinham medo de sucumbir à “tentação” de amar mais o namorado do que a Deus. Antonio Elias confessou: “Não estou com muita disposição de discutir o assunto por carta. É difícil e longo. Tenho medo de, fascinado pelos encantos da fada, não poder raciocinar com clareza!” Três dias depois, o já requisitado evangelista Antonio Elias, que quase não parava em Teófilo Otoni, pregando em várias cidades de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, escreveu um bilhete queixoso para a amada: “Francamente, você me enfeitiçou! Isso é maldade, fadinha. Fada ou feiticeira? Ai! Que cerco!”
Foi Maria José quem usou pela primeira vez a palavra “dissonância” para definir o problema das “duas estradas” — a estrada católica romana na qual ela caminhava e, a estrada católica reformada na qual Antonio Elias se encontrava. Talvez ambos tenham se lembrado da solene pergunta do profeta Amós: “Duas pessoas andarão juntas se não estiverem de acordo?” (Am 3.3).
Apesar da clamorosa dissonância, Antonio Elias vivia escrevendo sobre a sonhada “casinha” — “um protótipo do lar de Betânia, onde o Divino Mestre se sentia bem e podia refazer-se das suas caminhadas e das críticas mordazes dos fariseus e falsos doutores da lei”. Na mais longa de todas as cartas, o pastor evangélico pergunta à filha de Maria: “Você, Maria José, que está esclarecida e segura sobre o papel de dona-de-casa, aceitaria um convite para organizar e dirigir essa futura casinha?” Cinco meses depois, porém, Antonio Elias questiona: “Não sei se poderíamos edificar juntos a encantada casinha. Sei somente que não tenho planos de construí-la com outra pessoa...”.
O desejo sério de colocar Deus em primeiro lugar e o desejo ardente de levar adiante o amor pela amada fizeram Antonio Elias chamar de perigoso o “irmão gêmeo da amizade”. De fato, outro apaixonado já havia escrito que “o amor é forte como a morte” (Ct 8.6).
Na mesma estrada
Evangelista é o nome que se dá ao pregador que sabe anunciar com clareza e vigor e de modo “apelativo” as boas novas da salvação em Cristo. Antonio Elias é mais conhecido no Brasil como evangelista do que como pastor, missionário e avivalista. Com seus 95 anos, pregou três noites na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, na Páscoa de 2005. Uma pessoa assim dotada não deixaria de evangelizar a bancária de Joaíma, enfatizando certas coisas que ela já sabia por alto e outras que ela talvez desconhecesse por completo.
Logo no primeiro encontro, em março de 1946, quando se viram pela primeira vez no Hotel Belo Horizonte, em Teófilo Otoni, onde Antonio Elias morava, ele deu de presente a Maria José o livro O Manto de Cristo, de Lloyd Douglas. Muitos outros foram pouco a pouco encaminhados à jovem, desde os livros de Miguel Rizzo (Cântaro Abandonado, Varão de Dores) até a biografia do sadu indiano Sundar Singh, escrita por Boanerges Ribeiro, “O apóstolo dos pés sangrentos”. Folhetos e revistas, especialmente a formidável Unitas, tinham o mesmo destino.
Embora católica praticante, Maria José não fazia leitura regular das Escrituras. Antes mesmo de começar o namoro, Antonio Elias encorajou-a a ler o Novo Testamento completo — “a biografia luminosa, eterna, cheia de Deus e do homem ideal: Jesus!” Um ano depois, deu-lhe uma edição especial do Evangelho de João, com o seguinte pedido: “Gostaria que você lesse imediatamente sem pular uma linha, pois é majestosa apresentação da divindade do Senhor Jesus”.
Maria José e Antonio Elias eram muito éticos. A bancária jamais se tornaria evangélica só para não perder o amado. E o pastor não a forçaria a ser evangélica só para poder casar-se com a amada.
Diante do impasse de ordem religiosa, o Romeu de Teófilo Otoni e a Julieta de Almenara terminaram o namoro no segundo semestre de 1947.
Aconteceu, porém, uma coincidência que abalou os dois ex-namorados. Mesmo sabendo que Antonio Elias estava pregando na inauguração do templo da Igreja Presbiteriana de Almenara, Maria José não foi ao seu encontro porque isso a faria sofrer ainda mais.
A essa altura, ela morava na fazenda da família no município de Almenara. A caminho de Belo Horizonte, passou com o irmão por Almenara e foram almoçar num pequeno restaurante. Para surpresa, lá estava Antonio Elias, que também precisava ir à capital mineira. Os dois se encontraram em Belo Horizonte e Antonio Elias a levou para assistir a um culto na Segunda Igreja Presbiteriana daquela cidade, que se reunia na casa de um de seus membros. Ali e naquele momento, Maria José teve seu encontro marcante com Jesus Cristo: “Senti, de maneira clara e inovidável, a presença real de Cristo naquele ambiente singelo, de recolhimento e paz”. Isso aconteceu no domingo de 20 de maio de 1948. O impacto espiritual foi tão forte que ela não conseguiu compartilhar a experiência com Antonio Elias, que regressou na segunda-feira sem saber do ocorrido.
Agora na mesma estrada, Maria José e Antonio Elias reataram o namoro e casaram-se sete meses depois, no dia 27 de janeiro de 1949, no templo presbiteriano de Almenara. A lua-de-mel foi sui generis, lembra a ex-bancária, hoje esposa de pastor protestante: “Passamos três dias apenas em um hotel de Governador Valadares e daí fomos, de trem, até Resplendor, MG, Vitória e Santa Tereza, ES, onde amigos tinham nos convidado para estarmos, hospedando-nos em casa (não havia dinheiro para o hotel), com o compromisso de ‘fazer conferências’ quase todas as noites, pelo espaço de quase 10 dias”.
Em janeiro de 1999, o casal comemorou na Igreja Presbiteriana Betânia suas bodas de ouro com a presença dos quatro filhos: Lúcio Antonio (engenheiro), Lucília (psicóloga), Paulo César (empresário) e Teófanes (engenheiro e pastor).
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