Opinião
- 24 de outubro de 2024
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As 97 teses de Martinho Lutero
Não nos tornamos justos por fazer obras justas, mas, tendo sido feitos justos, fazemos obras justas
Por William Lane
Com certeza você já ouviu falar das 95 teses de Martinho Lutero. Mas, e das 97 teses de Lutero? Já ouviu falar? As 95 teses são as que Lutero postou na porta da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, em 31 de outubro de 1517, data que simboliza o início da Reforma Protestante do século 16 e que é celebrada pelas igrejas protestantes. Contudo, no mês anterior, ele havia proposto 97 teses, também chamadas de Disputatio contra scholasticam theologiam (Disputa contra a Teologia Escolástica).
Apesar de menos conhecidas ou até desconhecidas da maioria dos protestantes, as 97 teses contêm uma refutação à teologia escolástica, particularmente, ao modo como boa parte do pensamento medieval entendia a vontade humana e a graça de Deus. As 95 teses tinham caráter mais religioso contra as práticas das indulgências prevalecente na igreja. Talvez por isso mesmo tiveram maior repercussão e impacto. As 97 teses tinham caráter mais teológico e, de certo modo, epistemológico, pois tratavam dos pressupostos filosóficos do entendimento da justiça humana e da graça de Deus.
Nessas 97 teses Lutero combate a teologia medieval que se firmou sobre os postulados filosóficos de Aristóteles. Lutero menciona de forma explícita o filósofo grego ao rebater a noção comum de que sem Aristóteles não era possível alguém ser um teólogo:
43. É um erro dizer que nenhum homem pode se tornar um teólogo sem Aristóteles. Contrário à opinião geral.
44. O fato é que ninguém pode se tornar um teólogo a menos que ele rejeite Aristóteles.
45. Afirmar que um teólogo que não é lógico é um herege monstruoso — essa sim, é uma afirmação monstruosa e herética. Isso é contrário à opinião comum.
Lutero não poupou críticas à teologia escolástica nem ao próprio Aristóteles e à sua ética, que, para ele, distorceram a própria doutrina católica:
40. Não nos tornamos justos por fazer obras justas, mas, tendo sido feitos justos, fazemos obras justas. Isso em oposição aos filósofos.
41. Toda a ética de Aristóteles é a pior inimiga da graça. Contra os escolásticos.
42. É um erro sustentar que a afirmação de Aristóteles sobre a felicidade não contradiz a doutrina católica. Isso é contrário a doutrina [católica] sobre a moral.
Não só isso, inclui um severo juízo contra Aristóteles:
50. Resumidamente, Aristóteles inteiro é para a teologia como as trevas são para a luz. Isto está em oposição aos escolásticos.
Naturalmente, Lutero visava combater os efeitos da filosofia de Aristóteles sobre teólogos medievais, dos quais o mais influente para a teologia escolástica, com certeza, foi Tomás de Aquino, teólogo italiano do século 13. Tomás de Aquino buscou conciliar a fé com a razão e articulou um sistema teológico que sustentava que o homem natural por meio da razão podia chegar ao conhecimento de Deus.
Em sua consciência sobre a graça e a justificação por meio da fé, Lutero rejeitou os principais postulados da teologia escolástica. Como monge agostiniano, procurou resgatar o entendimento de Agostinho sobre a graça, a justificação e a eleição. Não só ele, mas João Calvino deve muito de seu pensamento teológico a Agostinho, o teólogo neoplatônico do século 4.
Nessas teses, Lutero sustenta que o único modo de a vontade humana desejar o bem e buscar a Deus é pela graça do próprio Deus. Lutero encerra suas teses com a exortação:
96. Devemos fazer com que nossa vontade se conforme em todos os aspectos à vontade de Deus (em oposição ao cardeal).
97. Para que não apenas desejemos o que Deus deseja, mas também desejamos o que Deus quiser.
Segundo alguns, o movimento reformado iniciado no século 16 não se livrou completamente da influência escolástica, e durante dois séculos prevaleceu uma forma de escolástica protestante na ortodoxia reformada. Apesar de seus benefícios, não permaneceu sem reações principalmente de movimentos pietistas.
Talvez não seja exagero afirmar que hoje temos sinais de um renascimento de uma ortodoxia escolástica no meio reformado. Penso que as 97 teses de Lutero devem ser revisitadas para não perdermos de vista esses importantes ensinamentos sobre a graça de Deus e a vontade humana.
Nota
1. Disponível em https://jadsontargino.medium.com/as-97-teses-esquecidas-de-martinho-lutero-contra-a-teologia-escol%C3%A1stica-5cdcde1747f3. Acesso em 23 de outubro de 2024.
REVISTA ULTIMATO – AS BEM-AVENTURANÇAS – MARCAS DE UM NOVO MUNDO
Ultimato quer mostrar a beleza e a atualidade das bem-aventuranças, resgatando seu sentido bíblico e refletindo sobre seu impacto na vida do cristão, da igreja e do mundo.
Este é o desafio: voltar a ler as bem-aventuranças como quem lê a mensagem pela primeira vez, com reverência – para perceber e memorizar as exigências do seguimento – e alegre expectativa.
É disso que trata a matéria de capa da edição 409 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» A Reforma – O que você precisa saber e por quê, Michael Reeves e John Stott
» Sou Eu, Calvino – Conversando com o reformador - uma biografia, Elben Magalhães Lenz César
Por William Lane
Com certeza você já ouviu falar das 95 teses de Martinho Lutero. Mas, e das 97 teses de Lutero? Já ouviu falar? As 95 teses são as que Lutero postou na porta da Igreja de Wittenberg, na Alemanha, em 31 de outubro de 1517, data que simboliza o início da Reforma Protestante do século 16 e que é celebrada pelas igrejas protestantes. Contudo, no mês anterior, ele havia proposto 97 teses, também chamadas de Disputatio contra scholasticam theologiam (Disputa contra a Teologia Escolástica).
Apesar de menos conhecidas ou até desconhecidas da maioria dos protestantes, as 97 teses contêm uma refutação à teologia escolástica, particularmente, ao modo como boa parte do pensamento medieval entendia a vontade humana e a graça de Deus. As 95 teses tinham caráter mais religioso contra as práticas das indulgências prevalecente na igreja. Talvez por isso mesmo tiveram maior repercussão e impacto. As 97 teses tinham caráter mais teológico e, de certo modo, epistemológico, pois tratavam dos pressupostos filosóficos do entendimento da justiça humana e da graça de Deus.
Nessas 97 teses Lutero combate a teologia medieval que se firmou sobre os postulados filosóficos de Aristóteles. Lutero menciona de forma explícita o filósofo grego ao rebater a noção comum de que sem Aristóteles não era possível alguém ser um teólogo:
43. É um erro dizer que nenhum homem pode se tornar um teólogo sem Aristóteles. Contrário à opinião geral.
44. O fato é que ninguém pode se tornar um teólogo a menos que ele rejeite Aristóteles.
45. Afirmar que um teólogo que não é lógico é um herege monstruoso — essa sim, é uma afirmação monstruosa e herética. Isso é contrário à opinião comum.
Lutero não poupou críticas à teologia escolástica nem ao próprio Aristóteles e à sua ética, que, para ele, distorceram a própria doutrina católica:
40. Não nos tornamos justos por fazer obras justas, mas, tendo sido feitos justos, fazemos obras justas. Isso em oposição aos filósofos.
41. Toda a ética de Aristóteles é a pior inimiga da graça. Contra os escolásticos.
42. É um erro sustentar que a afirmação de Aristóteles sobre a felicidade não contradiz a doutrina católica. Isso é contrário a doutrina [católica] sobre a moral.
Não só isso, inclui um severo juízo contra Aristóteles:
50. Resumidamente, Aristóteles inteiro é para a teologia como as trevas são para a luz. Isto está em oposição aos escolásticos.
Naturalmente, Lutero visava combater os efeitos da filosofia de Aristóteles sobre teólogos medievais, dos quais o mais influente para a teologia escolástica, com certeza, foi Tomás de Aquino, teólogo italiano do século 13. Tomás de Aquino buscou conciliar a fé com a razão e articulou um sistema teológico que sustentava que o homem natural por meio da razão podia chegar ao conhecimento de Deus.
Em sua consciência sobre a graça e a justificação por meio da fé, Lutero rejeitou os principais postulados da teologia escolástica. Como monge agostiniano, procurou resgatar o entendimento de Agostinho sobre a graça, a justificação e a eleição. Não só ele, mas João Calvino deve muito de seu pensamento teológico a Agostinho, o teólogo neoplatônico do século 4.
Nessas teses, Lutero sustenta que o único modo de a vontade humana desejar o bem e buscar a Deus é pela graça do próprio Deus. Lutero encerra suas teses com a exortação:
96. Devemos fazer com que nossa vontade se conforme em todos os aspectos à vontade de Deus (em oposição ao cardeal).
97. Para que não apenas desejemos o que Deus deseja, mas também desejamos o que Deus quiser.
Segundo alguns, o movimento reformado iniciado no século 16 não se livrou completamente da influência escolástica, e durante dois séculos prevaleceu uma forma de escolástica protestante na ortodoxia reformada. Apesar de seus benefícios, não permaneceu sem reações principalmente de movimentos pietistas.
Talvez não seja exagero afirmar que hoje temos sinais de um renascimento de uma ortodoxia escolástica no meio reformado. Penso que as 97 teses de Lutero devem ser revisitadas para não perdermos de vista esses importantes ensinamentos sobre a graça de Deus e a vontade humana.
Nota
1. Disponível em https://jadsontargino.medium.com/as-97-teses-esquecidas-de-martinho-lutero-contra-a-teologia-escol%C3%A1stica-5cdcde1747f3. Acesso em 23 de outubro de 2024.
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Este é o desafio: voltar a ler as bem-aventuranças como quem lê a mensagem pela primeira vez, com reverência – para perceber e memorizar as exigências do seguimento – e alegre expectativa.
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Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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