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Por Escrito

As 8 marcas do discipulado cristão, segundo John Stott

Resenha
Por Gladston Cunha

John Stott
Editora Ultimato, 2011

“Ao baixar minha caneta pela última vez..., aos 88 anos, aventuro-me a enviar essa mensagem de despedida aos meus leitores” (p. 116). Com estas palavras John Stott deixa em seu pós-escrito uma verdadeira despedida de seus leitores, fazendo de O Discípulo Radical não somente seu último livro, como também um desafiante testamento para gerações de cristãos que foram impactados por sua vida e seu ministério a serem fiéis a Cristo na totalidade de suas vidas.
 
John R. W. Stott (1921-2011) é alguém que dispensa apresentações no círculo cristão mundial, especialmente no contexto evangélico. Falecido em 27 de julho de 2011, Stott foi ministro anglicano, servindo na All Souls Church, em Langham Place, Londres, desde 1945, ano de sua ordenação, até 1975, quando se tornou reitor emérito dessa igreja. Foi um dos principais líderes do Movimento de Lausanne e fundador da Langham Partnership International (1974) e do London Institute for Contemporary Christianity (1982). O reconhecimento do impacto de sua obra e ministério, o colocou entre as 100 pessoas mais influentes do mundo, em 2005, segundo a revista Times.
 
O prefácio do livro é a explicação do próprio Stott para a escolha do título de seu livro. Nele, os leitores são relembrados que os primeiros seguidores de Cristo eram chamados “discípulos” e que o termo em si é mais significativo que o termo cristão, pois o primeiro traz consigo a ideia da existência de um relacionamento entre aluno e professor (p. 10). Stott então argumenta que o discipulado cristão possui um caráter radical, que exige de cada discípulo um retorno às suas raízes ou, em outras palavras, aos compromissos fundamentais com o Mestre. Logo, o objetivo de Stott é conduzir os cristãos a uma reflexão sobre a necessidade de submeter-se radicalmente à autoridade de Cristo e para isso ele aborda oito características do discipulado cristão que considera frequentemente negligenciadas em nossos dias (p. 11).
 
Primeiramente, ele trata do inconformismo. Para Stott “a igreja tem uma dupla responsabilidade em relação ao mundo ao seu redor” (p. 13). Tal responsabilidade é de servir e testemunhar de Cristo e ao mesmo tempo não contaminar-se com o mundo. Portanto, os discípulos de Jesus são chamados a “desenvolver uma contracultura cristã” (p. 14). E, a partir desta contracultura, resistir às tendências contemporâneas que são os grandes desafios para a radicalidade do discipulado cristão: o pluralismo, o materialismo, o relativismo ético e o narcisismo (p. 14-20). Os discípulos são desafiados por Stott a não se dobrarem “diante das rajadas da opinião pública” (p. 20).
 
No capítulo seguinte, Stott fala sobre a necessidade de o discípulo de Cristo tornar-se semelhante ao seu Mestre, “pois semelhança com Cristo é a vontade de Deus para o povo de Deus” (p. 23). Então, ele desenvolve toda uma reflexão que evoca as bases bíblicas para a sua afirmação (p. 24-26), aponta os principais exemplos de Cristo que os discípulos devem seguir (p. 26-29) e apresenta três consequências práticas acerca da semelhança com Cristo (p. 29-31). Stott explica que o enchimento com o Espírito Santo é a forma pela qual Deus faz os cristãos se tornarem como Cristo (p. 31).
 
A terceira característica do discipulado cristão abordada por Stott é a maturidade. Ele argumenta que o cristianismo contemporâneo experimentou um “crescimento sem profundidade” e que a superficialidade do discipulado é uma realidade universal (p. 33). Stott se propõe a tratar da questão da maturidade a partir de três questões básicas: “o que é maturidade cristã” (p. 35-36), “como os cristãos se tornam maduros” (p. 36-39) e “para quem esse chamado à maturidade é direcionado” (p. 36-41). Ele encerra esse capítulo com uma breve súplica, pedindo de Deus “uma visão completa e clara de Jesus Cristo” (p. 41).
 
O quarto capítulo revela uma preocupação extremamente contemporânea de Stott: “o cuidado com o meio ambiente” (v. 43). Ele argumenta que o homem foi criado para um relacionamento saudável com a criação de Deus, mas que tal situação tornou-se problemática com a queda. Por isso, ele insiste que o plano da redenção inclui a criação caída (p. 43,44). O capítulo aponta o relacionamento de “cooperação com Deus” como o correto posicionamento dos discípulos diante da questão ecológica, desviando-se dos extremos possíveis (p. 45,46). A correta compreensão da crise ecológica atual (p. 47-50) deveria fazer com que os discípulos de Jesus assumissem uma postura responsável de conservação e utilização consciente dos recursos naturais (p. 46,51).
 
O quinto capítulo, particularmente, considero uma aplicação prática do anterior, pois a simplicidade de vida implica no uso correto dos bens e do dinheiro, e consequentemente tem implicações para o consumo. Stott usa neste capítulo o “compromisso evangélico com um estilo de vida simples” (p. 56-70), resultado da Consulta Internacional sobre Estilo de Vida Simples, promovida por uma parceria entre a Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial e a Aliança Evangélica Mundial (p. 57). O interesse de Stott é que os discípulos reflitam sobre sua responsabilidade com os seus atos de consumo e suas implicações sociais e mundiais.
 
O sexto capítulo é uma reflexão apropriada sobre quem os discípulos são à luz das Escrituras. Para Stott, a compreensão correta de quem se é implica numa visão equilibrada de si mesmo. Neste capítulo somos guiados por Stott através de 1 Pedro 2.1-17 para lembrarmos que somos: bebês (p. 73-75), pedras (p. 75-77), sacerdotes (p. 77-79), povo de Deus (p. 79-80), estrangeiros (p. 81) e servos (p. 81-82). Diante dessa perspectiva, os leitores são chamados a refletir sobre o chamado de Deus: para o discipulado individual e para a comunhão corporativa (p. 83), para a adoração e para o trabalho (p. 84), para a peregrinação e para a cidadania (p. 84).
 
No penúltimo capítulo, Stott aborda a característica da dependência. O tema é abordado pelo autor a partir de experiências pessoais, pontuando aspectos da dependência que devem ser aprendidos e observados pelos discípulos de Jesus. O objetivo desse capítulo é mostrar que a dependência é um sinal de maturidade cristã (p. 91). A conclusão do capítulo é o reconhecimento de que o discípulo não perde sua dignidade ao depender de outras pessoas e evoca o exemplo do Deus encarnado como modelo para a nossa atitude de vida (p. 94).
 
Finalmente, Stott fala sobre a morte. Ele reconhece que a “vida por meio da morte é um dos mais profundos paradoxos da fé e da vida cristã” (p. 95). Por isso, ele convoca os discípulos radicais a terem uma visão correta acerca da morte como a entrada para a vida (p. 96). Stott lembra que a Bíblia trata os cristãos como “ressurretos dentre os mortos” (p. 96); logo, o paradoxo vida e morte produz implicações revolucionárias em seis situações da vida cristã: na salvação (p. 97-98), no discipulado (p. 98-100), na missão (p. 100-104), na perseguição (p. 104-106), no martírio (p. 106-107) e na mortalidade (p. 107-111). Stott encerra esse capítulo lembrando que os cristãos são como “aqueles que estão vivos de entre os mortos” (p. 112).
 
Stott conclui seu trabalho reconhecendo que não foi exaustivo e que existem outras características que precisam de uma reflexão madura dos discípulos. Ele encerra, dizendo: “O fundamental em todo o discipulado é a decisão de não somente tratar Jesus com títulos honrosos, mas seguir seu ensino e obedecer aos seus mandamentos” (p. 113).
 
O livro em questão é uma daquelas obras que estão destinadas a se tornarem clássicos e, portanto, uma leitura obrigatória para os cristãos em geral. Algumas características do livro precisam ser destacadas: a primeira é a sua leitura agradável e sua linguagem simples, que revela o coração de um pastor preocupado com a presente geração de cristãos que necessita urgentemente refletir sobre a radicalidade da fé e do discipulado de Jesus Cristo. A segunda característica é a profundidade bíblico-teológica com que Stott aborda a temática do discipulado, o que oferece uma fundamentação sólida para os leitores. A terceira é a dinâmica do texto que, apesar da profundidade bíblica e teológica, é extremamente prático e exige uma resposta imediata do leitor.
 
E, por fim, Stott foge da fórmula usada por autores da área de vida cristã e discipulado, que apresentam este tema numa perspectiva intimista, meramente contemplativa e dissociada de práticas mais concretas. A obra convida ao retorno a uma piedade ativa e proativa. O discípulo radical é chamado para o serviço a Deus, às pessoas e ao mundo, numa vida de imitação de Cristo, de maneira madura e equilibrada.
 
• Gladston Cunha é ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil e pastoreia a Primeira Igreja Presbiteriana de Cachoeiro de Itapemirim (ES). É Doutor em Ministério (D.Min) pelo Reformed Theological Seminary (Jackson-EUA) e Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper (SP). Mestre em Teologia (Th.M) com aplicação em Aconselhamento pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper (SP). Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Tecnologia Cachoeiro de Itapemirim (ES) e Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e pelo Seminário Presbiteriano Rev. Denoel Nicodemos Eller (BH-MG).

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