Opinião
- 04 de maio de 2016
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Árabes, Israel e os prejuízos do dispensacionalismo cristão
UM CHAMADO AO ARREPENDIMENTO
Muitos muçulmanos, incluindo palestinos, creem que o sionismo cristão é o maior impedimento à paz mundial e à justiça. Existem várias razões que os levaram a esta conclusão:
1. Já em 1917, as opiniões dispensacionalistas de dois políticos britânicos, Lord Balfour e o Primeiro Ministro David George, desempenharam importante papel nas decisões que levaram à criação do Estado de Israel.49
2. Depois de Israel ser organizado, e milhares de palestinos se tornarem refugiados ou morrido, muitos cristãos, influenciados por ideias dispensacionalistas, não demonstraram compaixão pelos árabes palestinos que estavam sofrendo e sendo oprimidos. Pelo contrário, muitos se regozijaram pelo fato que Jeová estava defendendo os direitos de seu povo escolhido e limpando a terra dos modernos amalequitas.
3. Muitos presidentes dos EUA têm demonstrado claramente suas inclinações religiosas cristãs, favorecendo Israel e, como resultado, aumentando o sofrimento e a desesperança de milhões de árabes palestinos.50 Alguns deles até mesmo permitiram lançar ataques contra diferentes países muçulmanos, apoiados por suas crenças dispensacionalistas em relação ao final dos tempos, bem como por influência da direita sionista cristã.51 Ao assim proceder, eles também contribuíram para dificultar o estabelecimento da paz.
4. Líderes da direita cristã dos EUA (muitos deles com inclinações sionistas) estabeleceram laços próximos com o Partido Likud e com Primeiros Ministros israelenses,52 ajudando Israel a ser altamente respeitado (idolatrado?) pelo povo norte-americano, o que, por sua vez, contribuiu para criar um sentimento de que os povos muçulmanos são perversos, e que devem ser combatidos e controlados a qualquer preço.
5. Como se não fosse bastante tudo que já foi mencionado, há entre dispensacionalistas a expectativa de que o templo de Jerusalém será reconstruído, possivelmente onde hoje se situa o Domo (ou Cúpula) da Rocha.
Para nossa vergonha, infelizmente as evidências parecem confirmar que, em relação ao sionismo cristão, os muçulmanos podem ter alguma razão. As atitudes e crenças de alguns cristãos estão contribuindo para tornar a situação política, social e religiosa do Oriente Médio cada vez pior. Ao invés de serem agentes de reconciliação, estão causando divisões em um mundo que já está ferido e dividido.
Na opinião do Bispo Robson Cavalcanti (que certamente não seria compartilhada pelos dispensacionalistas),
“Não devemos ter medo de defender a justiça com receio de sermos acusados de antissemitismo. Os cristãos têm a consciência culpada pelo antissemitismo da inquisição e do nazismo, sentem empatia pelos ‘kibutsin’ e pelos ‘moshavim’, mas não podem negar sua soteriologia histórica, que nos ensina que, inclusive para os judeus, há apenas um caminho para Deus, Jesus Cristo, e que o povo de Deus hoje é o corpo de Cristo, a igreja, chamada a praticar o ministério da reconciliação e a lutar pelos valores do Reino”.53
Em uma comunicação pessoal via e-mail54 referente a esse problema, Christopher Wright, um destacado teólogo britânico, afirmou:
“O ensino de Jesus e Paulo é muito claro – não amaldiçoar, não retaliar, não cometer violência – antes, ao invés disto, amor, bênção e paciência. Então, seja o que for que o mundo disser, ou que os israelenses digam, se os cristãos advogarem violência, opressão, roubo de terra e de água, destruição de olivais e de vinhas, demolição de casas, etc – e dizer que isso é justificado pela Bíblia, eles estão voluntariamente desobedecendo o ensino do Senhor”.
Vez após outra os assim chamados especialistas em profecia bíblica mudam de opinião de acordo com o desenvolvimento de novos, e algumas vezes contraditórios, eventos históricos. No dizer de Weber, “a história da interpretação das profecias mostra que o diabo está nos detalhes”.55 Mas mesmo que os cristãos sionistas, influenciados pelo sistema teológico dispensacionalista, tenham a interpretação correta do desenrolar da história, isto lhes permite ser “cegos quanto à injustiça? Os fins justificam os meios, só porque os fins foram profetizados?”.56
O Compromisso da Cidade do Cabo, do Movimento de Lausanne, faz uma confissão e um chamado ao arrependimento, afirmando o seguinte:
“Reconhecemos, com tristeza e vergonha, a cumplicidade de cristãos em alguns dos acontecimentos mais devastadores de violência étnica e opressão, e o lamentável silêncio de grande parte da igreja no decorrer dos conflitos. Tais conflitos incluem o legado do racismo […] o holocausto contra os judeus […] o sofrimento palestino […] as castas oprimidas e o genocídio tribal. Os cristãos que, por ação ou omissão, agravam o sofrimento do mundo, comprometem seriamente nosso testemunho pelo evangelho de paz. Portanto, por causa do evangelho, lamentamos e chamamos ao arrependimento os cristãos que têm participado da violência étnica, da injustiça e da opressão. Também chamamos ao arrependimento os cristãos que muitas vezes foram cúmplices de tais males, por meio do silêncio, da apatia ou de presumida neutralidade, ou ainda oferecendo falsa justificativa teológica para tais atos”.57
Faremos bem se prestarmos atenção a esta oportuna exortação, e reconhecermos diante de Deus e do mundo que não temos sido fieis aos ensinos de nosso Senhor Jesus, que nos chamou para cuidar dos oprimidos, dos perseguidos e dos quebrantados de coração, como vemos tão claramente e de forma tão abundante tanto no Antigo como no Novo Testamento.
• Marcos Amado é pastor, missionário da SEPAL e diretor para a América Latina do Movimento Lausanne. Atualmente coordena os esforços para o desenvolvimento do Centro de Reflexão Missiológica Martureo.
Notas:
1. O dispensacionalismo está constantemente se desenvolvendo e diferentes tipos desse sistema teológico são mencionados na literatura disponível, incluindo o ultradispensacionalismo. Mais recentemente tem acontecido o desenvolvimento do dispensacionalismo progressivo, que tenta reexaminar algumas das mais polêmicas afirmações do dispensacionalismo clássico, sem perder sua essência. Ver Craig A.; Bock Blaising, Darrel L., Progressive Dispensationalism, (Gran Rapids, MI: Bridgepoint Books, 1993).
2. Ryrie, Dispensationalism, 148.
3. Ou ‘administração’.
4. Ryrie, Dispensationalism, 28.
5. Harry Ironside, citado por ibid., 30.
6. Ryrie identifica as sete dispensações: (1) Inocência, (2) Consciência, (3) Governo Civil, (4) Governo Patriarcal ou da Promessa, (5) Lei, (6) Graça e (7) o Milênio (ibid., 56). Watson, todavia, é de opinião que a Bíblia mostra apenas cinco dispensações: (1) Patriarcal, (2) Torá, (3) a Igreja, (4) a tribulação e (5) o milênio (Watson, Dispensationalism before Darby. pos. 151).
7. C.I. Scofield, The Scofield Reference Bible: The Holy Bible Containing the Old and New Testaments (New York: Oxford University Press, 1917), 5.
8. Ryrie, Dispensationalism. 17.
9. Watson não inclui esta característica como parte da definição de dispensacionalismo. Ele prefere considerá-la como parte da definição de sionismo cristão ou restauracionismo, como era conhecida no passado (Watson, Dispensationalism before Darby. pos. 118). Enquanto Watson parece considerar o sionismo cristão e o restauracionismo como sinônimos, Chapman estabelece distinção entre os dois. Em sua opinião, diferentemente dos sionistas, os restauracionistas estão mais preocupados com o conceito teológico, e a expectativa que Deus irá, no fim dos tempos, trazer os judeus para a Palestina. A palavra "expectativa" é importante neste contexto. Eles se envolveriam na evangelização de judeus, mas em geral não são apoiadores ativos do Estado de Israel. A expectativa deles é que Deus, e não os homens, fará isto. Colin Chapman, Whose Promised Land?, (Oxford: Lion Hudson, 2015). Pos. 6365.
10. Ryrie, Dispensationalism. 126-31.
11. Blaising, "Dispensationalism: The Search for Definition," pos. 333.
12. Lewis S. Chafer, Dispensationalism (Texas: Dallas Seminary Press, 1951), 41.
13. Chafer, citado por Ryrie, Dispensationalism. 39.
14. 1 Tessalonicenses 4.16-17.
15. Got Questions Ministries, "Pretribulationism," in Got questions? Bible questions answered
(Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2002-2013).
16. Ryrie, Basic Theology, 555.
17. Ibid., 541.
18. Dispensationalism. 56.
19. Basic Theology, 599.
20. Dispensationalism. 136.
21. Basic Theology, 599.
22. Dispensationalism. 137.
23. Basic Theology, 569.
24. Dispensationalism. 137.
25. Ibid., 19. Esta é a segunda condição sine qua non estabelecida por Ryrie. Ele afirma que o sistema hermenêutico utilizado pelos dispensacionalistas “não espiritualiza nem alegoriza, como geralmente a interpretação não dispensacionalista faz”. A terceira é a afirmação que “o propósito subjacente de Deus no mundo… é a glória de Deus” (ibid., 40).
26. Na opinião de Blaising é importante observar que a palavra ‘literal’ não é oposta a ‘figurado’, mas a alegórico ou espiritual. As palavras normal ou plena devem ser usadas no lugar de literal...” (Blaising, "Dispensationalism: The Search for Definition," posição 351.) Todavia, Darby and Scofield, “aprovaram a interpretação espiritual ou alegórica do Antigo Testamento, ainda que Scofield a excluísse da profecia”.
Ibid., pos. 356.
27. Ryrie, Dispensationalism. 127.
28. Basic Theology, 523-30.
29. Genesis 15.18.
30. Se isso acontecesse hoje, o Israel nacional compreenderia partes do Iraque, partes do Egito e toda a extensão da Palestina, Síria, Líbano e Jordânia.
31. Ryrie, Dispensationalism. 56.
32. Citado por Chapman, Whose Promised Land? pos. 6391.
33. Donald Wagner, "The Evangelical-Jewish Alliance," The Christian Century, no. June 28, 2003 (2003): 21.
34. Timothy Weber, On the Road to Armageddon, (Grand Rapids, Michigan: Baker Academic, 2004). Pos. 2568.
35. Donald Wagner, "Evangelicals and Israel: Theological Roots of a Political Alliance". 24.
36. Judith Mendelsohn Rood and Paul W. Rood, "Is Christian Zionism Based on Bad Theology?," Cultural Encounters 7, no. 1 (2011): 37.
37. Stephen Sizer, Christian Zionism, (Nottingham, England: Inter-Varsity Press, 2004). 21.
38. Chapman, Whose Promised Land? Position 432.
39. Ibid., Position 438.
40. Ibid., Position 5741.
41. Robson Cavalcanti, "Palestina: O Holocausto Dos Filhos De Ismael" Editora Ultimato.
42. Ibid.
43. The People of the United Methodist Church, "United Nations Resolutions on the Israel-Palestine Conflict", United Methodist Church.
44. Desconheço se ele é dispensacionalista ou não, mas o argumento central aqui não é o que ele, mas sim o que a outra pessoa mencionada logo abaixo disse.
45. Por respeito à sua privacidade, seu nome não será mencionado.
46. Weber, "How Evangelicals Became Israel's Best Friend," 49.
47. Cavalcanti, "Palestina: O Holocausto Dos Filhos De Ismael".
48. Stephen Spector, Evangelicals and Israel, (Oxford: Oxford University Press, 2009). 76.
49. Wagner, "Evangelicals and Israel: Theological Roots of a Political Alliance". Electronic version.
50. Weber, "How Evangelicals Became Israel's Best Friend," 47.
51. Donald Wagner, "A Heavenly Match: Bush and the Christian Zionists", Information Clearing House.
52. Wagner, "The Evangelical-Jewish Alliance," The Christian Century, no. June 28, 2003 (2003): 22.
53. Cavalcanti, "Palestina: O Holocausto Dos Filhos De Ismael".
54. Esse e-mail foi recebido no dia 22 de fevereiro de 2016.
55. Weber, "How Evangelicals Became Israel's Best Friend," 49.
56. Ibid.
57. O Compromisso da Cidade do Cabo.
Bibliografia
Blaising, Craig A. "Dispensationalism: The Search for Definition." In Dispensationalism in Israel and the church: the search for definition, edited by Craig A. Blaising and Darrel L. Bock Grand Rapids, MI: Zondervan, 1992.
Blaising, Craig A.; Bock, Darrel L. Progressive Dispensationalism. Gran Rapids, MI: Bridgepoint Books, 1993.
Cavalcanti, Robson. "O Pensar Reflete No Agir." Revista Ultimato (October 9, 2009).
Published electronically October 9, 2009.
———. "Palestina: O Holocausto Dos Filhos De Ismael." Editora Ultimato, http://www.ultimato.com.br/conteudo/palestina-o-holocausto-dos-filhos-de-ismael-palestina
Church, The People of the United Methodist. "United Nations Resolutions on the Israel- Palestine Conflict." United Methodist Church, http://www.umc.org/what-we-believe/united-nations-resolutions-on-the-israel-palestine-conflict
Chafer, Lewis S. Dispensationalism. Texas: Dallas Seminary Press, 1951. Chapman, Colin. Whose Promised Land? Oxford: Lion Hudson, 2015.
Lausanne Movement, The. "The Cape Town Commitment"
Ministries, Got Questions. "Pretribulationism." In Got questions? Bible questions answered. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2002-2013.
Ryrie, Charles C. Basic Theology: A Popular Systematic Guide to Understanding Biblical Truth. Chicago, IL: Moody Press, 1999.
———. Dispensationalism. Chicago: Moody Publishers, 2007.
Scofield, C.I. The Scofield Reference Bible: The Holy Bible Containing the Old and New Testaments. New York: Oxford University Press, 1917.
Sizer, Stephen. Christian Zionism. Nottingham, England: Inter-Varsity Press, 2004. Spector, Stephen. Evangelicals and Israel. Oxford: Oxford University Press, 2009. Wagner, Donald. "The Evangelical-Jewish Alliance." The Christian Century, no. June
28, 2003 (2003): 20-24.
———. "Evangelicals and Israel: Theological Roots of a Political Alliance." The Christian Century, no. November 4, 1998 (1998): 1020-26.
———. "A Heavenly Match: Bush and the Christian Zionists." Information Clearing House.
Weber, Timothy P. "How Evangelicals Became Israel's Best Friend." Christianity Today 42, no. 11 (1998): 38-49.
———. On the Road to Armageddon. Grand Rapids, Michigan: Baker Academic, 2004.
Wright, Christopher. Comunicação pessoal via email no dia 22 de fevereiro de 2016.
Foto: Gary Hardman/Freeimages.com
Legenda: Cúpula da Rocha, em Jerusalém
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