Opinião
- 04 de maio de 2016
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Árabes, Israel e os prejuízos do dispensacionalismo cristão
AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DAS CRENÇAS DISPENSACIONALISTAS NO ORIENTE MÉDIO
Tal como anteriormente mencionado, não é possível aplicar “culpa por associação” a todos os dispensacionalistas pelo o que, no decorrer dos anos, ativistas evangélicos extremistas (com convicções dispensacionalistas) têm causado na vida de tantas pessoas. A verdade da questão, todavia, é que, mesmo quando considerando que não devemos generalizar, há importantes implicações do que vimos acima:
1. Para os dispensacionalistas, o alvo último da história é o estabelecimento de um reino milenar terreno, quando Jesus irá reinar a partir de Jerusalém. Depois disso, haverá novo céu e nova terra, o estado externo.
2. Deus trata a Igreja e Israel de maneiras diferentes. É como se existissem dois caminhos, um espiritual para a Igreja, e um terreno para os judeus.
3. A implicação prática dos dois pontos anteriores é que o povo judeu e o Estado de Israel serão atores importantes nos planos de Deus para o fim dos tempos.
4. Por extensão, de acordo com a visão dispensacionalista não poderia haver o cumprimento dos últimos dias se os judeus não tivessem iniciado a volta para a Terra Prometida e o Estado de Israel não tivesse sido organizado, ainda que o cumprimento pleno das promessas do Antigo Testamento não vá acontecer até que o Milênio seja estabelecido. Dessa forma, eses eventos sinalizam, por assim dizer, o início do fim.
5. Com a criação do Estado de Israel foram estabelecidas as condições para o arrebatamento da Igreja, que será seguido por um período de grande tribulação, a manifestação do anticristo e a edificação do terceiro templo ao lado ou onde está o Domo da Rocha, um lugar considerado sagrado pelos muçulmanos, em Jerusalém.
6. Israel, sendo tão central para os planos de Deus no que concerne ao desenvolvimento escatológico, deve ser apoiado e protegido de seus inimigos a qualquer custo.
7. Essa percepção tem feito com que cristãos influenciados pelo dispensacionalismo queiram resolver a questão por sua própria conta.33
8. Um dos resultados tem sido a “indústria escatológica”,34 que tem influenciado milhões de pessoas ao redor do planeta. Eventualmente, na euforia criada pela criação do Estado de Israel, que foi entendido como o cumprimento das profecias e o início do fim, inúmeras organizações cristãs com convicções sionistas foram organizadas, especialmente nos Estados Unidos, com o propósito de persuadir a opinião pública, fazer lobby no Congresso, pressionar o governo e apoiar, de maneira prática (inclusive financeiramente) a imigração de judeus para Israel. Esses novos imigrantes judeus são muito frequentemente estabelecidos em assentamentos ilegais que são construídos sistematicamente em terras palestinas.35 Isso aumenta a tensão entre judeus e árabes e torna o processo de paz ainda mais complexo e distante, para não dizer impossível.
9. Não se pode esquecer que todos os pontos mencionados têm levado milhões de evangélicos ao redor do mundo a usar, quase como um mantra, versículos como: “Abençoarei os que o abençoarem, e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem [...]” (Gn 12.3) e “Sejam abençoados os que os abençoarem, e amaldiçoados os que os amaldiçoarem [...]” (Nm 24.9); ambos referindo-se às promessas de Deus aos descendentes de Abraão e Isaque no Antigo Testamento.
Assim, o dispensacionalismo tem contribuído para que cristãos creiam que o Estado de Israel é intocável, a despeito de consequências éticas, morais e humanitárias. Esse é exatamente o problema central.
Não é de surpreender que os líderes do grupo palestino Hamas estejam acompanhando com grande atenção a aliança entre cristãos ocidentais e o Estado de Israel. Um de seus clérigos, Ahmed al-Tamimi, disse que o sionismo cristão era “o maior perigo à paz, justiça e verdade mundiais.”36
Grace Halsell, tentando entender o apoio que alguns segmentos evangélicos têm dado a Israel, declara que na opinião dela a mensagem do sionismo cristão é: “Toda ação executada por Israel é orquestrada por Deus e deve ser tolerada, apoiada e até mesmo elogiada por nós”.37
Por que eles fazem tais afirmações ? Em parte, porque foi com o apoio de cristãos com crenças dispensacionalistas que o Estado de Israel foi criado em condições consideradas injustas por muitos. Em 1947 a população judaica na Palestina era claramente uma minoria (32%) em relação aos árabes, e possuía apenas 6% das terras. Porém, o plano da Organização das Nações Unidas (ONU) que aprovou a criação de Israel concedeu 56% da terra ao povo judeu.38. Os palestinos, como era de se esperar, rejeitaram a decisão da ONU. “Isto aconteceu, em parte, porque se percebeu que o plano fora imposto sem consulta, e porque a divisão da terra pareceu injusta e vantajosa para os judeus. Uma guerra civil irrompeu, com os dois lados aumentando suas atividades terroristas”.39
O resultado foi nada menos que uma catástrofe humanitária. Durante a Guerra Civil milhares de vidas foram perdidas, nos dois lados. Como resultado dessa guerra em 1947 e da guerra entre árabes e israelenses em 1948, logo após a formação do Estado de Israel, cerca de 750 mil palestinos (de um total de 1.2 milhão) tornaram-se refugiados na Transjordânia, Líbano, Síria, Egito e no que restou de terras árabes na Palestina.40
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