Opinião
- 06 de julho de 2011
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Aprendendo a envelhecer
Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; eu disse no meu coração: Deus julgará o justo e o ímpio; porque há um tempo para todo propósito e para toda obra (Ec 3.1-2, 17).
Uma das manifestações de sabedoria é a compreensão do tempo próprio para cada coisa. A condição humana faz com que cada pessoa construa sua vida, em várias etapas, da maneira que elege. E a passagem de cada um por este mundo vai mostrar o que ele fez com as oportunidades, os recursos, e os "talentos" que Deus distribuiu a todos, por sua soberana determinação.
Paul Tournier, em sua obra "Apprende à veillir" (Aprendendo a envelhecer), que eu leio em espanhol, examina o tema, com seu estilo cativante, agradável e, ao mesmo tempo, erudito e comprometido com a Palavra de Deus, em narrativa recheada de exemplos de sua rica experiência profissional e pessoal.
A idade madura é aquela em que florescem todas as capacidades; aquela em que as pessoas em geral se sentem poderosas, constroem pelo menos parte daquilo com que sonharam durante longos anos. É o tempo da realização profissional, com o reconhecimento natural, tanto internamente quanto do ambiente em que se vive — líderes, liderados, colegas de trabalho, amigos — todos concordam em identificar a importância da pessoa, como homo faber, como pai/mãe, como marido/ esposa. O ego infla, e o tempo é gasto, ou na contemplação do próprio umbigo (como é belo!) ou na fruição dos prazeres da vida social, inclusive na Igreja, nas viagens, nas badalações.
Tomás de Kempis, em Imitação de Cristo, citado por Augusto Gotardelo em Ceifa tardia, escreveu: "Lembra-te sempre do fim, e que o tempo perdido não volta." É difícil estabelecer exatamente o que significa usar o tempo com sabedoria, viver cada momento de maneira ponderada e sábia. Mas certo cuidado com a próxima etapa certamente será útil para prevenir sofrimentos insuportáveis.
O afastamento do trabalho, quando o outono da vida chegar, pode ser brusco e difícil. Certo homem que, ao aposentar-se, passou a beber imoderadamente, veio consultar-me, trazido pela família. A expressão que ele usou foi dramática: "tiraram o chão de debaixo dos meus pés". Contou que acordava cedo, no mesmo horário de sempre, mas não se levantava. Ouvia o tropel e as conversas dos ex-colegas, que passavam em direção ao trabalho. Ele não estava no meio dos amigos de ontem, e à medida que o tempo passava, ia perdendo o ambiente, a cultura do grupo a que pertenceu durante tanto tempo; já não falava a mesma língua nem conseguia manter diálogo. Não tinha histórias do trabalho para contar, e durante os dias de atividade jamais se preocupara em preparar-se para o ócio. E agora, José?
Ao viver a atividade plena, a ideia que temos é que o dia é hoje. Hedonistas, vivemos o presente como se ele fosse eterno.
A verdade é que a vida é toda feita de momentos, cada qual com seu encanto, sorrisos e lágrimas se alternando, a experiência de cada instante formando todo um complexo que, arquivado, em seguida será objeto de reflexão, análise, aperfeiçoamento. Israel vive no deserto, do Egito a Canaã, tanto o perigo dos exércitos do Faraó e a inclemência do sol escaldante quanto as delícias da providência de Deus, nem sempre consciente de que a travessia, mesmo que dure quarenta anos, é efêmera. Há que vivenciar o maná no deserto de Sim, a água que brota da rocha em Meribá, sem esquecer que o melhor virá depois, além do Jordão, na terra que "mana leite e mel".
Ao contrário do que acontece no Oriente, nossa sociedade, em geral, despreza os velhos. Talvez pelo aumento do número de anciãos, por meio dos progressos da medicina, porém mais provavelmente pela cultura materialista, que valoriza a produção, a mais-valia verberada desde Marx, em que o capital subordina o trabalho e o produto vale mais do que a pessoa que produz. Uma vez diminuída a capacidade de produzir e até mesmo de consumir, o indivíduo passa a ser considerado um peso que a sociedade tem de suportar. Uma sociedade que despreza os velhos é desumana e também imprevidente: o velho já foi jovem, e este será velho amanhã, se tiver a felicidade de não morrer antes.
Outra característica cultural ainda mais patente em nossos dias é o culto da técnica. A tecnologia se multiplica e aperfeiçoa a uma velocidade cada vez mais difícil de se acompanhar. As aquisições incontáveis sem dúvida facilitam, aumentam o conforto, encurtam distâncias, incrementam a expectativa de vida. Mas quem não acompanha a tecnologia perde espaço, não compete no mercado. A publicidade cobra, o deus Mamom estabelece seu preço em ansiedade agora e em melancolia no futuro, quando vier o afastamento da atividade. "Tiraram o chão de debaixo de meus pés".
Há que restabelecer o primado do ser sobre o ter. A prioridade é das pessoas, nunca das coisas. O Senhor Jesus, no Sermão da Montanha, ensinou que as pessoas valem mais do que as aves do céu, mais do que os lírios do campo. "Se Deus veste a erva do campo, quanto mais a vós...?"
Toda a obra de Tournier se insere dentro do que ele chamou Medicina da Pessoa. E o livro de que tratamos aqui pretende colocar o ancião no lugar que lhe pertence na sociedade. Cada pessoa tem um espaço neste mundo, independentemente da idade. "Há tempo para todo propósito debaixo do céu" (Ec 3-1). E o autor do Eclesiastes (talvez o rei Salomão) acrescenta que Deus "pôs a eternidade no coração do homem" (Ec 3.11).
A harmonia entre o vigor e a ousadia, de um lado, e a experiência e a ponderação, de outro, estabelecem um ponto de equilíbrio imprescindível, não só à convivência interpessoal, mas à conquista de um nível de civilidade compatível com os propósitos de Deus para a humanidade. De forma nostálgica, o provérbio francês pondera: "Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse..."
Em síntese, nossa vida tem um fio condutor a ligar cada etapa uma à outra; cada fase deriva das anteriores. "Homem algum é uma ilha", disse Thomas Merton. Assim, cada qual precisa compreender o outro, encorajá-lo, amá-lo como a si mesmo, perdoá-lo, refletindo sobre suas próprias imperfeições. E quanto as rugas, os sinais dos anos, quanta beleza encerram! Que os velhos se respeitem e sejam respeitados, e que os jovens saibam viver hoje de maneira a construir um futuro digno e belo, como uma antecipação, nesta vida, das bênçãos que nos esperam na presença eterna de Deus.
Senhor:
"Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos corações sábios." (Sl 90.12.)
Notas
1. TOURNIER, Paul. Aprendiendo a envejecer. Buenos Aires; Ed. La Aurora, 1973.
2. GOTARDELO, Augusto. Ceifa tardia. Juiz de Fora: Ed. Lar Católico, 1953.
3. TOURNIER, Paul. Médecine de Ia personne. 11. ed, Neuchatel: Ed. Delachaux & Niestlé, 1963.
Texto originalmente publicado na revista Ultimato nº 297 (novembro-dezembro/2005)
__________
Joel Tibúrcio de Sousa, médico psiquiatra, faz parte da diretoria do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC)
Uma das manifestações de sabedoria é a compreensão do tempo próprio para cada coisa. A condição humana faz com que cada pessoa construa sua vida, em várias etapas, da maneira que elege. E a passagem de cada um por este mundo vai mostrar o que ele fez com as oportunidades, os recursos, e os "talentos" que Deus distribuiu a todos, por sua soberana determinação.
Paul Tournier, em sua obra "Apprende à veillir" (Aprendendo a envelhecer), que eu leio em espanhol, examina o tema, com seu estilo cativante, agradável e, ao mesmo tempo, erudito e comprometido com a Palavra de Deus, em narrativa recheada de exemplos de sua rica experiência profissional e pessoal.
A idade madura é aquela em que florescem todas as capacidades; aquela em que as pessoas em geral se sentem poderosas, constroem pelo menos parte daquilo com que sonharam durante longos anos. É o tempo da realização profissional, com o reconhecimento natural, tanto internamente quanto do ambiente em que se vive — líderes, liderados, colegas de trabalho, amigos — todos concordam em identificar a importância da pessoa, como homo faber, como pai/mãe, como marido/ esposa. O ego infla, e o tempo é gasto, ou na contemplação do próprio umbigo (como é belo!) ou na fruição dos prazeres da vida social, inclusive na Igreja, nas viagens, nas badalações.
Tomás de Kempis, em Imitação de Cristo, citado por Augusto Gotardelo em Ceifa tardia, escreveu: "Lembra-te sempre do fim, e que o tempo perdido não volta." É difícil estabelecer exatamente o que significa usar o tempo com sabedoria, viver cada momento de maneira ponderada e sábia. Mas certo cuidado com a próxima etapa certamente será útil para prevenir sofrimentos insuportáveis.
O afastamento do trabalho, quando o outono da vida chegar, pode ser brusco e difícil. Certo homem que, ao aposentar-se, passou a beber imoderadamente, veio consultar-me, trazido pela família. A expressão que ele usou foi dramática: "tiraram o chão de debaixo dos meus pés". Contou que acordava cedo, no mesmo horário de sempre, mas não se levantava. Ouvia o tropel e as conversas dos ex-colegas, que passavam em direção ao trabalho. Ele não estava no meio dos amigos de ontem, e à medida que o tempo passava, ia perdendo o ambiente, a cultura do grupo a que pertenceu durante tanto tempo; já não falava a mesma língua nem conseguia manter diálogo. Não tinha histórias do trabalho para contar, e durante os dias de atividade jamais se preocupara em preparar-se para o ócio. E agora, José?
Ao viver a atividade plena, a ideia que temos é que o dia é hoje. Hedonistas, vivemos o presente como se ele fosse eterno.
A verdade é que a vida é toda feita de momentos, cada qual com seu encanto, sorrisos e lágrimas se alternando, a experiência de cada instante formando todo um complexo que, arquivado, em seguida será objeto de reflexão, análise, aperfeiçoamento. Israel vive no deserto, do Egito a Canaã, tanto o perigo dos exércitos do Faraó e a inclemência do sol escaldante quanto as delícias da providência de Deus, nem sempre consciente de que a travessia, mesmo que dure quarenta anos, é efêmera. Há que vivenciar o maná no deserto de Sim, a água que brota da rocha em Meribá, sem esquecer que o melhor virá depois, além do Jordão, na terra que "mana leite e mel".
Ao contrário do que acontece no Oriente, nossa sociedade, em geral, despreza os velhos. Talvez pelo aumento do número de anciãos, por meio dos progressos da medicina, porém mais provavelmente pela cultura materialista, que valoriza a produção, a mais-valia verberada desde Marx, em que o capital subordina o trabalho e o produto vale mais do que a pessoa que produz. Uma vez diminuída a capacidade de produzir e até mesmo de consumir, o indivíduo passa a ser considerado um peso que a sociedade tem de suportar. Uma sociedade que despreza os velhos é desumana e também imprevidente: o velho já foi jovem, e este será velho amanhã, se tiver a felicidade de não morrer antes.
Outra característica cultural ainda mais patente em nossos dias é o culto da técnica. A tecnologia se multiplica e aperfeiçoa a uma velocidade cada vez mais difícil de se acompanhar. As aquisições incontáveis sem dúvida facilitam, aumentam o conforto, encurtam distâncias, incrementam a expectativa de vida. Mas quem não acompanha a tecnologia perde espaço, não compete no mercado. A publicidade cobra, o deus Mamom estabelece seu preço em ansiedade agora e em melancolia no futuro, quando vier o afastamento da atividade. "Tiraram o chão de debaixo de meus pés".
Há que restabelecer o primado do ser sobre o ter. A prioridade é das pessoas, nunca das coisas. O Senhor Jesus, no Sermão da Montanha, ensinou que as pessoas valem mais do que as aves do céu, mais do que os lírios do campo. "Se Deus veste a erva do campo, quanto mais a vós...?"
Toda a obra de Tournier se insere dentro do que ele chamou Medicina da Pessoa. E o livro de que tratamos aqui pretende colocar o ancião no lugar que lhe pertence na sociedade. Cada pessoa tem um espaço neste mundo, independentemente da idade. "Há tempo para todo propósito debaixo do céu" (Ec 3-1). E o autor do Eclesiastes (talvez o rei Salomão) acrescenta que Deus "pôs a eternidade no coração do homem" (Ec 3.11).
A harmonia entre o vigor e a ousadia, de um lado, e a experiência e a ponderação, de outro, estabelecem um ponto de equilíbrio imprescindível, não só à convivência interpessoal, mas à conquista de um nível de civilidade compatível com os propósitos de Deus para a humanidade. De forma nostálgica, o provérbio francês pondera: "Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse..."
Em síntese, nossa vida tem um fio condutor a ligar cada etapa uma à outra; cada fase deriva das anteriores. "Homem algum é uma ilha", disse Thomas Merton. Assim, cada qual precisa compreender o outro, encorajá-lo, amá-lo como a si mesmo, perdoá-lo, refletindo sobre suas próprias imperfeições. E quanto as rugas, os sinais dos anos, quanta beleza encerram! Que os velhos se respeitem e sejam respeitados, e que os jovens saibam viver hoje de maneira a construir um futuro digno e belo, como uma antecipação, nesta vida, das bênçãos que nos esperam na presença eterna de Deus.
Senhor:
"Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos corações sábios." (Sl 90.12.)
Notas
1. TOURNIER, Paul. Aprendiendo a envejecer. Buenos Aires; Ed. La Aurora, 1973.
2. GOTARDELO, Augusto. Ceifa tardia. Juiz de Fora: Ed. Lar Católico, 1953.
3. TOURNIER, Paul. Médecine de Ia personne. 11. ed, Neuchatel: Ed. Delachaux & Niestlé, 1963.
Texto originalmente publicado na revista Ultimato nº 297 (novembro-dezembro/2005)
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Joel Tibúrcio de Sousa, médico psiquiatra, faz parte da diretoria do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC)
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