Opinião
- 03 de junho de 2013
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Amor, esse desconhecido
Prometi a um internauta que comentaria o meu artigo Homofobia ou Ágape? e que escreveria uma série de textos sobre o conceito de amor. Como pude constatar, tal conceito está bastante esquecido em nosso meio, mesmo no cristão. Outro internauta lembrou-me do livro de C.S. Lewis “Os Quatro amores” (Martins Fontes, 2005), coisa a que reagi imediatamente, relendo o livro.
Mas antes vou falar de outro autor, o primeiro a me confrontar com a temática, quando da tradução do seu texto: o teólogo e filósofo alemão, Josef Pieper, no breve, singelo e genial artigo intitulado simplesmente “Liebe”1 (amor). O autor começa constatando o reducionismo do conceito nos nossos tempos para o sentido material e erótico. Depois, ele faz uma interpretação mais profunda da palavra, a partir de uma ótica metafísica.
Amar tem a ver com o sentido da própria existência humana, e está ligado à criação do ser humano por Deus. Ele foi o primeiro ser a amar de forma plena, expressando esse amor pelo “Logos” (ou “palavra”) quando “viu” que tudo que criara “era bom”. Mas esse amor se revelou principalmente em favor da sua criatura, moldada a partir do barro e chamada à vida pelo sopro divino. Ela se diferencia do resto da criação por ser “imagem e semelhança” de Deus. Amar, no sentido divino, tem a ver com “olhar” para uma criatura e reconhecê-la como boa, pela sua pura e simples condição de obra divina. Portanto, resumidamente, Pieper defende que amar significa expressar o seguinte em relação a alguém ou algum animal ou planta ou ser criado: “É bom, é muito bom que você exista". Nesse sentido, C. S. Lewis, a quem dedicaremos essa série de artigos, dizia que “ninguém é medíocre” ou merece o nosso desprezo.
Dito isso, é preciso complementar que o fato de expressar amor para com outra pessoa não é o mesmo que “santificá-la”; ao contrário. Aliás, ao santificá-la, como lemos na introdução ao “Os Quatro Amores”, nós desvirtuamos o amor e o tornamos em algo pecaminoso ou até em uma mistura de amor e ódio. E isso acontece por um fato contundente e inalienável: a queda e o surgimento do mal, e, portanto, da corrupção de todo sentimento humano.
Daí que Lewis estabelecesse uma distinção básica entre o amor divino, que é o “amor-doação”, e o amor necessidade. É possível que, em certos momentos de santificação especial, alguém chegue a sentir o “amor-doação”, que nada tem a ver com a abnegação tipo “piegas” da devoção religiosa, mas com o abrir mão da vida, seguindo o moto: “Quem busca a vida, acabará por perdê-la, e quem abre mão da vida, esse sim, a conquistará” (Mt 10.39; 16.25; Mc 8.35; Lc 9.24).
Citando as palavras que Lewis cita de outro autor: “O amor só deixa de ser um demônio quando deixa de ser Deus” (p 9). Ao mesmo tempo, Lewis afirma que paradoxalmente “quanto menos o homem se parece com Deus, mais ele se aproxima de Deus” (p 6). Isso deve ser entendido à luz das palavras de Cristo quando diz que somente uma criança, totalmente dependente de Deus e necessitada dele de uma forma totalmente oposta à Onipotência divina, pode entrar no reino de Deus (Mc 10.15).
Enquanto Lewis apresenta a metáfora do alpinista o qual está bem perto do seu objetivo, mas que devido a um abismo que se interpõe entre ele e a localidade aonde chegar, fazendo com que tenha que dar uma enorme volta para atingir o objetivo, George MacDonald, que muito o influenciou, usa a metáfora das mãos, que só podem receber algo novo na medida em que renunciam as coisas que seguram fortemente. Mãos cheias não têm espaço para a recepção de bênçãos.
Resumindo: “Podemos dedicar aos nossos amores humanos a lealdade incondicional que devemos somente a Deus. E então, eles se tornam demônios. E então eles nos destroem, e destroem também a si mesmos” (p 12). Ou seja, qualquer coisa que coloquemos no lugar de Deus, inclusive as coisas relacionadas à religião, mas principalmente, o anseio pela prosperidade financeira (não é por menos que a Bíblia alerta tantas vezes contra a idolatria do dinheiro, que recebe o nome do “deus Mamon”), torna-se um empecilho para o relacionamento real com Deus.
Concluindo, Lewis diz: “Os amores humanos podem ser imagens gloriosas do amor divino. Nada menos do que isso - e também nada mais: proximidade por semelhança que e, alguns casos, pode favorecer e em outros atrapalhar, a proximidade por acesso. E, às vezes, talvez, não favorecendo nem atrapalhando muito” (p13).
Nota:
1. Disponível aqui. Acessado em 28 de maio de 2013.
Leia mais
Abraçando e reabraçando a santidade do corpo e da mente
Um Ano Com C. S. Lewis
Deus em Questão
Mas antes vou falar de outro autor, o primeiro a me confrontar com a temática, quando da tradução do seu texto: o teólogo e filósofo alemão, Josef Pieper, no breve, singelo e genial artigo intitulado simplesmente “Liebe”1 (amor). O autor começa constatando o reducionismo do conceito nos nossos tempos para o sentido material e erótico. Depois, ele faz uma interpretação mais profunda da palavra, a partir de uma ótica metafísica.
Amar tem a ver com o sentido da própria existência humana, e está ligado à criação do ser humano por Deus. Ele foi o primeiro ser a amar de forma plena, expressando esse amor pelo “Logos” (ou “palavra”) quando “viu” que tudo que criara “era bom”. Mas esse amor se revelou principalmente em favor da sua criatura, moldada a partir do barro e chamada à vida pelo sopro divino. Ela se diferencia do resto da criação por ser “imagem e semelhança” de Deus. Amar, no sentido divino, tem a ver com “olhar” para uma criatura e reconhecê-la como boa, pela sua pura e simples condição de obra divina. Portanto, resumidamente, Pieper defende que amar significa expressar o seguinte em relação a alguém ou algum animal ou planta ou ser criado: “É bom, é muito bom que você exista". Nesse sentido, C. S. Lewis, a quem dedicaremos essa série de artigos, dizia que “ninguém é medíocre” ou merece o nosso desprezo.
Dito isso, é preciso complementar que o fato de expressar amor para com outra pessoa não é o mesmo que “santificá-la”; ao contrário. Aliás, ao santificá-la, como lemos na introdução ao “Os Quatro Amores”, nós desvirtuamos o amor e o tornamos em algo pecaminoso ou até em uma mistura de amor e ódio. E isso acontece por um fato contundente e inalienável: a queda e o surgimento do mal, e, portanto, da corrupção de todo sentimento humano.
Daí que Lewis estabelecesse uma distinção básica entre o amor divino, que é o “amor-doação”, e o amor necessidade. É possível que, em certos momentos de santificação especial, alguém chegue a sentir o “amor-doação”, que nada tem a ver com a abnegação tipo “piegas” da devoção religiosa, mas com o abrir mão da vida, seguindo o moto: “Quem busca a vida, acabará por perdê-la, e quem abre mão da vida, esse sim, a conquistará” (Mt 10.39; 16.25; Mc 8.35; Lc 9.24).
Citando as palavras que Lewis cita de outro autor: “O amor só deixa de ser um demônio quando deixa de ser Deus” (p 9). Ao mesmo tempo, Lewis afirma que paradoxalmente “quanto menos o homem se parece com Deus, mais ele se aproxima de Deus” (p 6). Isso deve ser entendido à luz das palavras de Cristo quando diz que somente uma criança, totalmente dependente de Deus e necessitada dele de uma forma totalmente oposta à Onipotência divina, pode entrar no reino de Deus (Mc 10.15).
Enquanto Lewis apresenta a metáfora do alpinista o qual está bem perto do seu objetivo, mas que devido a um abismo que se interpõe entre ele e a localidade aonde chegar, fazendo com que tenha que dar uma enorme volta para atingir o objetivo, George MacDonald, que muito o influenciou, usa a metáfora das mãos, que só podem receber algo novo na medida em que renunciam as coisas que seguram fortemente. Mãos cheias não têm espaço para a recepção de bênçãos.
Resumindo: “Podemos dedicar aos nossos amores humanos a lealdade incondicional que devemos somente a Deus. E então, eles se tornam demônios. E então eles nos destroem, e destroem também a si mesmos” (p 12). Ou seja, qualquer coisa que coloquemos no lugar de Deus, inclusive as coisas relacionadas à religião, mas principalmente, o anseio pela prosperidade financeira (não é por menos que a Bíblia alerta tantas vezes contra a idolatria do dinheiro, que recebe o nome do “deus Mamon”), torna-se um empecilho para o relacionamento real com Deus.
Concluindo, Lewis diz: “Os amores humanos podem ser imagens gloriosas do amor divino. Nada menos do que isso - e também nada mais: proximidade por semelhança que e, alguns casos, pode favorecer e em outros atrapalhar, a proximidade por acesso. E, às vezes, talvez, não favorecendo nem atrapalhando muito” (p13).
Nota:
1. Disponível aqui. Acessado em 28 de maio de 2013.
Leia mais
Abraçando e reabraçando a santidade do corpo e da mente
Um Ano Com C. S. Lewis
Deus em Questão
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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