Opinião
- 29 de novembro de 2023
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Amando aqueles a quem servimos
Por Vladimir de Oliveira
Jardim Gramacho é um bairro do município de Duque de Caxias, RJ, composto majoritariamente por negros e pardos que foram forçados a conviver com um aterro sanitário instalado em sua comunidade, sem o seu consentimento. Até hoje eles aguardam o cumprimento de inúmeras promessas. Uma dessas era o oferecimento de cursos profissionalizantes e novas fontes de renda. É neste lugar que Deus me chamou para amar esse povo e caminhar com eles. Este território se tornou a minha Galileia.
Após a prisão de João Batista, Jesus foi para a Galileia, onde permaneceu até pouco antes da sua crucificação. A Galileia era o lugar ideal para Jesus anunciar sua mensagem, pois ele não queria se dirigir à capital, Jerusalém. Em vez disso, foi para uma região remota e habitada por pobres, camponeses, pescadores e pessoas de moral duvidosa. Jesus sabia que esse era o lugar onde ele poderia alcançar as pessoas que mais precisavam de sua mensagem. Nos últimos anos, tenho servido e cooperado com pessoas em Jardim Gramacho, um território com as mesmas características da Galileia.
O bairro abrigou o maior lixão da América Latina por três décadas. Ele foi fechado em 2012, mas os seus moradores continuam no local e vivem com menos três reais por dia. O bairro tem inúmeros trechos sem acesso à água e saneamento básico. A eletricidade é fornecida por “gatos”, e picos de energia estragam os eletrodomésticos. As casas são feitas de portas de armário e chapas de madeira, e não são resistentes à chuva. Esse cenário distópico está a trinta quilômetros de Copacabana.
O Brasil foi colonizado por Portugal por mais de 300 anos. Durante esse período, os portugueses subjugaram os povos indígenas e africanos, criando um sistema de exploração e discriminação que ainda existe hoje. O país tem hoje a maior população negra do planeta, com exceção apenas da Nigéria. Foi um dos inúmeros países que resistiu contra o término do tráfico de pessoas e o último a abolir o cativeiro, através da Lei Áurea de 1888. A abolição da escravatura não representou um rompimento com o sistema escravagista.
O racismo ambiental é uma expressão deste sistema, pois é a exposição de pessoas marginalizadas e/ou de minorias étnicas a danos ambientais. Isso acontece porque essas pessoas são mais propensas a viver em áreas com altos níveis de poluição, falta de saneamento básico e outros problemas ambientais. O conceito de racismo ambiental explica e denuncia o quanto os moradores de Jardim Gramacho aguardam pela manifestação integral do Reino de Deus. Este chão se tornou o meu mundo e tem influenciado profundamente a minha práxis pastoral e minha compreensão sobre a pessoa de Jesus de Nazaré, e o quanto somos chamados a amar aqueles a quem nós servimos.
Da Galileia para Jardim Gramacho, tendo a pessoa de Jesus, como referência do amor encarnado, percebo três grandes movimentos no seu ministério em favor dos condenados da terra.
Quem ama é acessível
Certa feita, um leproso se aproximou de Jesus (Mc 1.40-45), ajoelhou-se e implorou por cura. O fato de um excluído chegar até o Rabi de Nazaré revela que Jesus não criava barreiras. O leproso era considerado impuro e o que o impedia de participar de atos religiosos ou de conviver com outras pessoas. O desejo do leproso era ser curado, para que ele pudesse ser reintegrado à sociedade como um cidadão com plenos direitos civis e religiosos restaurados. Assim como o leproso, os moradores de Jardim Gramacho anseiam pelos direitos mais básicos e fundamentais, para serem vistos como cidadãos de pleno direito. Crianças com cáries, alta evasão escolar, analfabetismo e convivência com ratos e insetos são apenas alguns dos muitos problemas enfrentados pelos cerca de 45 mil habitantes. Qualquer iniciativa cristã responsável não deve se limitar a curar a alma dessas pessoas exclusivamente, mas também deve trabalhar para erradicação de todos os indicadores sociais que perpetuam a exclusão e a pobreza extrema desta gente tão sofrida e esquecida pelo poder público.
Quem ama se coloca no lugar do outro
Na língua inglesa, isso é expresso pela frase "Try walking in my shoes", que significa "Tente caminhar nos meus sapatos" ou, em uma tradução mais humanitária, "Tente se colocar no meu lugar". Jesus sempre se colocava no lugar dos outros. Quando o leproso se aproximou dele, Jesus estendeu a mão, tocou-o e o curou. Ele entendeu o sofrimento do leproso e se solidarizou com ele. Da mesma forma, devemos nos colocar no lugar das pessoas que vivem em condições precárias. É comum entre os moradores de Jardim Gramacho a percepção de que os políticos locais a cada quatro anos, calçam as sandálias esfarrapadas. Se nos colocarmos no lugar destas pessoas de maneira compassiva (e não eleitoreiras ou proselitistas), podemos entender melhor suas necessidades e trabalhar para melhorar suas condições de vida e manifestar de maneira mais assertiva o Reino de Deus, que é paz, justiça, igualdade e comensalidade.
Quem ama não controla
Logo depois de ter curado o leproso, Jesus despediu o homem e disse: “Não diga nada a ninguém. Apenas se apresente ao sacerdote e leve a oferta de purificação, como Moisés prescreveu, para validar a cura diante da comunidade”. Mas, assim que o homem se despediu de Jesus, ele saiu correndo pela cidade, contando a todos sobre a cura que havia recebido. A notícia se espalhou rapidamente, e logo todos sabiam que Jesus havia curado um leproso. Jesus respeitou a liberdade de escolha do homem e não o forçou a segui-lo ou professar sua fé.
Como seguidores de Jesus, precisamos de um novo paradigma que salienta as potências e as qualidades que estas pessoas possuem, sem torná-las reféns do nosso discurso. Precisamos de novas lentes e ferramentas que nos auxiliem a encontrar soluções e inovações que promovam a emancipação real destas pessoas, e que deixem o Espírito Santo cumprir a sua função precípua: convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo vindouro.
A minha oração é que o nosso amor atue a partir deste chão, o chão da transformação de pessoas, territórios em nome da libertação integral e da emancipação do ser humano, onde a compaixão seja o nosso princípio de atuação; a dignidade dos últimos a meta; e o Reino de Deus como horizonte utópico realizável.
Artigo escrito a partir de palestra feita no 14º Encontro Renas, São Paulo, SP, 24 a 26/8/2023.
REVISTA ULTIMATO | ENVELHECEMOS: A ARTE DE CONTINUAR
Não são todos os que alcançam a longevidade. Precisamos assimilar que a velhice é uma estação tão natural quanto às estações do ano e que cada fase da vida tem suas especificidades e belezas próprias. Ao publicar esta matéria de capa, Ultimato deseja encorajar um novo olhar para a velhice: um novo olhar dos idosos para eles mesmos e um novo olhar para os idosos por parte da igreja e da sociedade.
É disso que trata a matéria de capa da edição 404 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.
Saiba mais:
» Unidade da Igreja e Cooperação na Missão, Vários autores
» A Igreja – Uma teologia bíblica da missão toda, John Stott e Tim Chester
» O Deus da Justiça e a Justiça de Deus, Valdir Steuernagel [editor]
» O que é Missão Integral?, C. René Padilla
» O Amor em Movimento: RENAS anuncia seu 14˚ Encontro Nacional
Jardim Gramacho é um bairro do município de Duque de Caxias, RJ, composto majoritariamente por negros e pardos que foram forçados a conviver com um aterro sanitário instalado em sua comunidade, sem o seu consentimento. Até hoje eles aguardam o cumprimento de inúmeras promessas. Uma dessas era o oferecimento de cursos profissionalizantes e novas fontes de renda. É neste lugar que Deus me chamou para amar esse povo e caminhar com eles. Este território se tornou a minha Galileia.
Após a prisão de João Batista, Jesus foi para a Galileia, onde permaneceu até pouco antes da sua crucificação. A Galileia era o lugar ideal para Jesus anunciar sua mensagem, pois ele não queria se dirigir à capital, Jerusalém. Em vez disso, foi para uma região remota e habitada por pobres, camponeses, pescadores e pessoas de moral duvidosa. Jesus sabia que esse era o lugar onde ele poderia alcançar as pessoas que mais precisavam de sua mensagem. Nos últimos anos, tenho servido e cooperado com pessoas em Jardim Gramacho, um território com as mesmas características da Galileia.
O bairro abrigou o maior lixão da América Latina por três décadas. Ele foi fechado em 2012, mas os seus moradores continuam no local e vivem com menos três reais por dia. O bairro tem inúmeros trechos sem acesso à água e saneamento básico. A eletricidade é fornecida por “gatos”, e picos de energia estragam os eletrodomésticos. As casas são feitas de portas de armário e chapas de madeira, e não são resistentes à chuva. Esse cenário distópico está a trinta quilômetros de Copacabana.
O Brasil foi colonizado por Portugal por mais de 300 anos. Durante esse período, os portugueses subjugaram os povos indígenas e africanos, criando um sistema de exploração e discriminação que ainda existe hoje. O país tem hoje a maior população negra do planeta, com exceção apenas da Nigéria. Foi um dos inúmeros países que resistiu contra o término do tráfico de pessoas e o último a abolir o cativeiro, através da Lei Áurea de 1888. A abolição da escravatura não representou um rompimento com o sistema escravagista.
O racismo ambiental é uma expressão deste sistema, pois é a exposição de pessoas marginalizadas e/ou de minorias étnicas a danos ambientais. Isso acontece porque essas pessoas são mais propensas a viver em áreas com altos níveis de poluição, falta de saneamento básico e outros problemas ambientais. O conceito de racismo ambiental explica e denuncia o quanto os moradores de Jardim Gramacho aguardam pela manifestação integral do Reino de Deus. Este chão se tornou o meu mundo e tem influenciado profundamente a minha práxis pastoral e minha compreensão sobre a pessoa de Jesus de Nazaré, e o quanto somos chamados a amar aqueles a quem nós servimos.
Da Galileia para Jardim Gramacho, tendo a pessoa de Jesus, como referência do amor encarnado, percebo três grandes movimentos no seu ministério em favor dos condenados da terra.
Quem ama é acessível
Certa feita, um leproso se aproximou de Jesus (Mc 1.40-45), ajoelhou-se e implorou por cura. O fato de um excluído chegar até o Rabi de Nazaré revela que Jesus não criava barreiras. O leproso era considerado impuro e o que o impedia de participar de atos religiosos ou de conviver com outras pessoas. O desejo do leproso era ser curado, para que ele pudesse ser reintegrado à sociedade como um cidadão com plenos direitos civis e religiosos restaurados. Assim como o leproso, os moradores de Jardim Gramacho anseiam pelos direitos mais básicos e fundamentais, para serem vistos como cidadãos de pleno direito. Crianças com cáries, alta evasão escolar, analfabetismo e convivência com ratos e insetos são apenas alguns dos muitos problemas enfrentados pelos cerca de 45 mil habitantes. Qualquer iniciativa cristã responsável não deve se limitar a curar a alma dessas pessoas exclusivamente, mas também deve trabalhar para erradicação de todos os indicadores sociais que perpetuam a exclusão e a pobreza extrema desta gente tão sofrida e esquecida pelo poder público.
Quem ama se coloca no lugar do outro
Na língua inglesa, isso é expresso pela frase "Try walking in my shoes", que significa "Tente caminhar nos meus sapatos" ou, em uma tradução mais humanitária, "Tente se colocar no meu lugar". Jesus sempre se colocava no lugar dos outros. Quando o leproso se aproximou dele, Jesus estendeu a mão, tocou-o e o curou. Ele entendeu o sofrimento do leproso e se solidarizou com ele. Da mesma forma, devemos nos colocar no lugar das pessoas que vivem em condições precárias. É comum entre os moradores de Jardim Gramacho a percepção de que os políticos locais a cada quatro anos, calçam as sandálias esfarrapadas. Se nos colocarmos no lugar destas pessoas de maneira compassiva (e não eleitoreiras ou proselitistas), podemos entender melhor suas necessidades e trabalhar para melhorar suas condições de vida e manifestar de maneira mais assertiva o Reino de Deus, que é paz, justiça, igualdade e comensalidade.
Quem ama não controla
Logo depois de ter curado o leproso, Jesus despediu o homem e disse: “Não diga nada a ninguém. Apenas se apresente ao sacerdote e leve a oferta de purificação, como Moisés prescreveu, para validar a cura diante da comunidade”. Mas, assim que o homem se despediu de Jesus, ele saiu correndo pela cidade, contando a todos sobre a cura que havia recebido. A notícia se espalhou rapidamente, e logo todos sabiam que Jesus havia curado um leproso. Jesus respeitou a liberdade de escolha do homem e não o forçou a segui-lo ou professar sua fé.
Como seguidores de Jesus, precisamos de um novo paradigma que salienta as potências e as qualidades que estas pessoas possuem, sem torná-las reféns do nosso discurso. Precisamos de novas lentes e ferramentas que nos auxiliem a encontrar soluções e inovações que promovam a emancipação real destas pessoas, e que deixem o Espírito Santo cumprir a sua função precípua: convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo vindouro.
A minha oração é que o nosso amor atue a partir deste chão, o chão da transformação de pessoas, territórios em nome da libertação integral e da emancipação do ser humano, onde a compaixão seja o nosso princípio de atuação; a dignidade dos últimos a meta; e o Reino de Deus como horizonte utópico realizável.
- Vladimir de Oliveira (Vlad) é pastor na Igreja Cristã Redenção Baixada e Coordenador Pedagógico e Articulador Social na Baixada Lab, uma iniciativa de formação antirracista para adolescentes/jovens de Jardim Gramacho. Nos últimos anos tem desenvolvido uma proposta de igreja na Baixada Fluminense que seja simples, orgânica e também focada em direitos humanos, e na construção de projetos de intervenção pedagógica/social em territórios periféricos.
Artigo escrito a partir de palestra feita no 14º Encontro Renas, São Paulo, SP, 24 a 26/8/2023.
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