Opinião
- 24 de agosto de 2018
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Alta conectividade, baixa interatividade
Tempos e modos de convivência em um mundo líquido
Por Erlo Saul Aurich
É fato! Percorra um espaço público, uma praça, transite uma rua. Ainda, restaurantes, salas e quartos em casa. Ali estão, onipresentes, superpotentes, aparelhos, aplicativos sem fim, mundos nas palmas das mãos. Sim, tudo a um toque. Seres humanos, homens e mulheres, crianças e jovens e mesmo bebês com seus celulares e tablets grudados em seus carrinhos e bebês-conforto. Conexões sem relações. Falo de relações verdadeiras, humanas, no olho, de pele, mãos dadas, colo. Aquilo que de fato aquece corações, aproxima mundos e significa a vida.
Hiperconectividade, paradoxalmente, gerando distantes relações! Como enxergar nosso próximo, quando cada vez mais próximo estão de nossos olhos imagens e movimentos arrebatadores de nossos brinquedos eletrônicos? Fomos cooptados da realidade de cores, cheiros e sabores naturais e mergulhados em um mundo de brilho fascinante e interações líquidas, superficiais.
Sejamos honestos: os smartphones e o universo de aplicativos e acessos roubaram-nos muito da simplicidade, mistério e afetividade fluida entre homens e mulheres nas relações de descoberta e sequência de encontros e tempos de enamoramento, amizade e relações conjugais e familiares significativos. O volume de possibilidades cresceu. Ao mesmo tempo, a profundidade, o cultivo, a permanência perderam espaço. O descartável e a obsolescência de coisas transferiram-se para as relações e as distâncias aumentaram. A comunicação cada vez mais passou a ser indireta. Até mesmo dentro das casas. Ou lado a lado, nos leitos.
Como viver e agir/reagir em um mundo de hiperconexão e baixíssima interatividade? Sugiro movimentos sinalizados pelo Mestre dos mestres quando indagado de quem seria nosso próximo nas oportunidades da vida. Se amar a Deus com todo ser (coração, razão e força) e ao próximo como a nós mesmos traz a síntese das relações para vivermos na perspectiva da eternidade e conectividade de relevância, como identificar nosso próximo numa relação que vá além de meros “likes” e curtas frases e símbolos de relações virtuais?
O personagem principal de uma das parábolas mais conhecidas de Jesus, creio, nos aponta caminhos. Falo do Bom Samaritano. Quando provocado pelo mestre da lei a despeito da vida eterna e consequente conquista da mesma na relação com Deus e o próximo, o Mestre conta a estória. Um assalto, um homem ferido deixado pelo caminho, três homens cruzando a cena e suas reações. Dois deles, profissionais da religião veem a vítima e passam de largo. Suas obrigações ou motivações eram outras. Um deles, o Samaritano, o inimigo étnico vê, toca e envolve-se. Vejamos possibilidades a partir destas ações de percepção, interesse e solidariedade efetiva e transportemos para nossa realidade.
Visão – Os dois religiosos da parábola enxergaram, mas não viram. Podemos perceber muito ao nosso redor e hoje se “ouve muito com os olhos”! Mas o quanto? Nossa seletividade trai possibilidades que estão gritando diante de nós. Uma esposa que sofre a ausência emocional de seu marido que segue resolvendo o mundo em seu silêncio, acomodação e impotência. O marido que vê sua esposa correndo com os filhos, casa, trabalho e não lhe oferece tempo. Observadores cegos de movimentos rotineiros sem fim, sem sentido, estranhos no ninho. Filhos e irmãos querendo sempre mais, distraídos, mimados, sem limites apaziguados por pais dando o que querem, distanciando-se, desinteressando-se uns dos outros, cada um em seu mundo, virando-se para suas telas, evitando olhares.
O Samaritano enxergou e viu. Alguém caído. Ferido, vitimizado. E movimentou-se na direção.
Temos enxergado como ele? O quanto temos visto além das aparências? Importamo-nos?
Toque – Além de ver e enxergar, o Samaritano importa-se e movimenta-se na direção do homem roubado. Abaixa-se, chega perto, toca-o. Esteriliza a pele, limpa as feridas, o coloca sobre o seu animal e o leva até um abrigo para recuperação. O que poderia ser feito ele fez para salvar aquele homem jogado no caminho. E o que está em nossas mãos, nas oportunidades de cada proximidade humana? Olhos, mãos e pés vão ao encontro? Mais do que o corpo, nossos afetos ainda são tocados pela dor, solidão, abandono de quem está mais próximo? Ter compaixão dos meninos perdidos em cavernas ou famintos na Somália parece mais simples. Compadecer-se da esposa, filho, familiar, vizinho mais próximo num pequeno gesto de escuta, empatia e abraço nos desafia mais.
Envolvimento – Por fim, o preço do importar-se: tempo. Nenhuma relação se torna significativa se não houver horas e dias de comprometimento. O Samaritano não só fez o básico, que talvez seria, enfaixar o vitimado. Tirou de seu tempo, viagem, e trabalho para levá-lo a um abrigo. E mais, voltaria e investiria mais recursos para completar sua plena recuperação. Não ficou a distância. Ou melhor, ficou a uma curta distância, importando-se até o fim! “Voltarei” disse ele!
E conosco, quais movimentos fazemos nas relações com os mais próximos? Quanto tempo temos investido em relações de qualidade? Quantas distrações nos permitimos desperdiçando oportunidades de um convívio que tornaria o tempo eterno naquela fração de afeto compartilhado?
Uma antiga estória de presentes verdades!
Em tempos de hiperconectividade onde distâncias são vencidas e fascinantes oportunidades de aprendizagem e conhecimento são geradas, não percamos de vista a beleza e riqueza que se escondem atrás de nossas pequenas telas. Gente de carne e osso, feita à imagem e semelhança do Deus criador, pedindo um toque, uma presença, um valor. Está ao alcance das mãos! Levantes seus olhos, deslize seus dedos em novas direções e retorne para o mundo da conexão real. Primeiro ao alto. Depois diante de você em cada próximo mais próximo! Sinta o abraço do Pai! Sinta o calor do humano!
Deus o abençoe ricamente!
• Erlo Saul Aurich é pastor da Aliança Bíblica de Gramado e especialista em terapia de famílias. Casado com Juliana Koehler, é pai de Priscila e Lucca.
Por Erlo Saul Aurich
É fato! Percorra um espaço público, uma praça, transite uma rua. Ainda, restaurantes, salas e quartos em casa. Ali estão, onipresentes, superpotentes, aparelhos, aplicativos sem fim, mundos nas palmas das mãos. Sim, tudo a um toque. Seres humanos, homens e mulheres, crianças e jovens e mesmo bebês com seus celulares e tablets grudados em seus carrinhos e bebês-conforto. Conexões sem relações. Falo de relações verdadeiras, humanas, no olho, de pele, mãos dadas, colo. Aquilo que de fato aquece corações, aproxima mundos e significa a vida.
Hiperconectividade, paradoxalmente, gerando distantes relações! Como enxergar nosso próximo, quando cada vez mais próximo estão de nossos olhos imagens e movimentos arrebatadores de nossos brinquedos eletrônicos? Fomos cooptados da realidade de cores, cheiros e sabores naturais e mergulhados em um mundo de brilho fascinante e interações líquidas, superficiais.
Sejamos honestos: os smartphones e o universo de aplicativos e acessos roubaram-nos muito da simplicidade, mistério e afetividade fluida entre homens e mulheres nas relações de descoberta e sequência de encontros e tempos de enamoramento, amizade e relações conjugais e familiares significativos. O volume de possibilidades cresceu. Ao mesmo tempo, a profundidade, o cultivo, a permanência perderam espaço. O descartável e a obsolescência de coisas transferiram-se para as relações e as distâncias aumentaram. A comunicação cada vez mais passou a ser indireta. Até mesmo dentro das casas. Ou lado a lado, nos leitos.
Como viver e agir/reagir em um mundo de hiperconexão e baixíssima interatividade? Sugiro movimentos sinalizados pelo Mestre dos mestres quando indagado de quem seria nosso próximo nas oportunidades da vida. Se amar a Deus com todo ser (coração, razão e força) e ao próximo como a nós mesmos traz a síntese das relações para vivermos na perspectiva da eternidade e conectividade de relevância, como identificar nosso próximo numa relação que vá além de meros “likes” e curtas frases e símbolos de relações virtuais?
O personagem principal de uma das parábolas mais conhecidas de Jesus, creio, nos aponta caminhos. Falo do Bom Samaritano. Quando provocado pelo mestre da lei a despeito da vida eterna e consequente conquista da mesma na relação com Deus e o próximo, o Mestre conta a estória. Um assalto, um homem ferido deixado pelo caminho, três homens cruzando a cena e suas reações. Dois deles, profissionais da religião veem a vítima e passam de largo. Suas obrigações ou motivações eram outras. Um deles, o Samaritano, o inimigo étnico vê, toca e envolve-se. Vejamos possibilidades a partir destas ações de percepção, interesse e solidariedade efetiva e transportemos para nossa realidade.
Visão – Os dois religiosos da parábola enxergaram, mas não viram. Podemos perceber muito ao nosso redor e hoje se “ouve muito com os olhos”! Mas o quanto? Nossa seletividade trai possibilidades que estão gritando diante de nós. Uma esposa que sofre a ausência emocional de seu marido que segue resolvendo o mundo em seu silêncio, acomodação e impotência. O marido que vê sua esposa correndo com os filhos, casa, trabalho e não lhe oferece tempo. Observadores cegos de movimentos rotineiros sem fim, sem sentido, estranhos no ninho. Filhos e irmãos querendo sempre mais, distraídos, mimados, sem limites apaziguados por pais dando o que querem, distanciando-se, desinteressando-se uns dos outros, cada um em seu mundo, virando-se para suas telas, evitando olhares.
O Samaritano enxergou e viu. Alguém caído. Ferido, vitimizado. E movimentou-se na direção.
Temos enxergado como ele? O quanto temos visto além das aparências? Importamo-nos?
Toque – Além de ver e enxergar, o Samaritano importa-se e movimenta-se na direção do homem roubado. Abaixa-se, chega perto, toca-o. Esteriliza a pele, limpa as feridas, o coloca sobre o seu animal e o leva até um abrigo para recuperação. O que poderia ser feito ele fez para salvar aquele homem jogado no caminho. E o que está em nossas mãos, nas oportunidades de cada proximidade humana? Olhos, mãos e pés vão ao encontro? Mais do que o corpo, nossos afetos ainda são tocados pela dor, solidão, abandono de quem está mais próximo? Ter compaixão dos meninos perdidos em cavernas ou famintos na Somália parece mais simples. Compadecer-se da esposa, filho, familiar, vizinho mais próximo num pequeno gesto de escuta, empatia e abraço nos desafia mais.
Envolvimento – Por fim, o preço do importar-se: tempo. Nenhuma relação se torna significativa se não houver horas e dias de comprometimento. O Samaritano não só fez o básico, que talvez seria, enfaixar o vitimado. Tirou de seu tempo, viagem, e trabalho para levá-lo a um abrigo. E mais, voltaria e investiria mais recursos para completar sua plena recuperação. Não ficou a distância. Ou melhor, ficou a uma curta distância, importando-se até o fim! “Voltarei” disse ele!
E conosco, quais movimentos fazemos nas relações com os mais próximos? Quanto tempo temos investido em relações de qualidade? Quantas distrações nos permitimos desperdiçando oportunidades de um convívio que tornaria o tempo eterno naquela fração de afeto compartilhado?
Uma antiga estória de presentes verdades!
Em tempos de hiperconectividade onde distâncias são vencidas e fascinantes oportunidades de aprendizagem e conhecimento são geradas, não percamos de vista a beleza e riqueza que se escondem atrás de nossas pequenas telas. Gente de carne e osso, feita à imagem e semelhança do Deus criador, pedindo um toque, uma presença, um valor. Está ao alcance das mãos! Levantes seus olhos, deslize seus dedos em novas direções e retorne para o mundo da conexão real. Primeiro ao alto. Depois diante de você em cada próximo mais próximo! Sinta o abraço do Pai! Sinta o calor do humano!
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