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- 29 de outubro de 2021
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Alice Clapp: jovem, abolicionista e cristã no Rio de Janeiro no século 19
Por Miriam Zanutti
Pouco conhecida no cenário historiográfico nacional, Alice Clapp é a figura feminina que simboliza a dedicação das mulheres no evento mais importante do século 19 no Brasil: o movimento abolicionista. Sua trajetória está entrelaçada com a do pai, João Fernandes Clapp, um dos maiores nomes do abolicionismo brasileiro. Ele conseguiu envolver sua esposa Joanna e os sete filhos na luta contra escravidão, dando fôlego ao movimento e intercambiando com pessoas de várias nacionalidades.
Alice nasceu no dia 8 de dezembro de 1863 no Rio de Janeiro, filha primogênita. A primeira vez que João Clapp foi mencionado nos periódicos, em 1864, Alice tinha um ano de vida. Quando mencionado em seus primeiros momentos nas atividades abolicionistas, Alice tinha 10 anos. Aos 13 anos de idade, ela foi citada no periódico O Globo sobre a tradução do Catechismo do Bom Republicano, sua primeira referência pública.
Ao fundar a Confederação Abolicionista em 1883, João Clapp apoiava a resistência escrava e encaminhava os negros para locais de proteção designados quilombos abolicionistas. Um documento especial, o diário de André Rebouças escrito em 1888, onze dias após a abolição, descreve o movimento abolicionista e os quilombos fluminenses. Os quilombos eram marcados por grande ousadia, a começar pelo espaço ocupado: casas de famílias, escritórios comerciais, redações de jornais, hotéis, padarias, fábricas, quarteis, tipografias. Destacamos o quilombo Clapp, situado na residência de João Clapp no bairro São Domingos, em Niterói. Alice e seus irmãos mantinham convivência com os escravos de uma forma diferenciada de muitas outras famílias, pois sua residência servia de abrigo e acolhimento. Não existia tronco e não se ouvia os gritos dos escravos recebendo chibatadas. Tal contexto familiar moldou seu caráter antiescravista e a ajudou a compreender o negro ou negra escravizados como seres humanos como ela.
Trecho publicado no jornal A Pátria de 17 de março de 1878 traz a seguinte nota: “Alice Clapp. – Já não é desconhecido este nome: os democratas que acompanham as glórias dos seus, sabem que esta inteligente jovem é uma promessa auspiciosa e esperança brilhante”. Um ano após a publicação do livreto Cathecismo do Bom Republicano, de autoria do jornalista francês Elphège Boursin, de 29 páginas, e traduzido por Alice, a nota do periódico a enalteceu por sua primorosa dedicação. Não é possível afirmar se o labor de Alice tenha sido iniciativa própria, se atendeu alguma solicitação de seu pai pelo desejo de acentuar em seus discursos os ideais republicanos para o Brasil ou se seria Alice tão politizada a ponto de propor um escrito confrontando o modelo monárquico. Diante do quadro familiar à época é plausível Alice ter atendido a um desejo do pai e por causa desta tradução iniciar sua caminhada no movimento abolicionista. A tradução bem-sucedida e publicada em março de 1877, contou com cinco mil exemplares distribuídos gratuitamente.
Outro livro, La Suisse Contemporaine, do historiador inglês William Hepworth Dixon, de 236 páginas, contou com o esmero da tradução de Alice. A obra relata as memórias de William em viagem pela Suíça em 1871. Rico em detalhes geográficos, vida dos aldeões, festas religiosas e a política republicana, o livro dialoga com o leitor das belezas e durezas dos suíços no século 19 e como organizaram um dos sistemas de vida mais desejados nos tempos atuais.
Alice continuou sua jornada abolicionista participando das conferências promovidas pela Associação Central Emancipadora nos teatros do centro do Rio de Janeiro, em 1880 e 1881, tocando piano e declamando poesias. Exerceu a diretoria do Clube das Senhoras Abolicionistas. Em quermesses, doava prendas com um pequeno cartão assinado com o lema da Confederação: “A escravidão é um roubo”. Convidada para fazer parte do periódico O Sorriso, de circulação no Rio de Janeiro direcionado para o público feminino, foi a única mulher colaboradora efetiva.
A criação religiosa de Alice seguia a predominância da época, o cristianismo católico. Seus bisavós paternos eram protestantes americanos atuantes no movimento abolicionista junto com os quakers. Agostinho, pai de João Clapp, chegou ao Brasil como anglicano, mas, ao se casar, adotou o catolicismo. O movimento abolicionista agregou pessoas de vários credos, com predominância de cristãos católicos. Os protestantes faziam parte, em grupo menor, mas o que os uniu foi a leitura teológica de um Deus conciliador e amoroso; em não fazer acepção de pessoas. A escravidão, ao contrário da graça de Deus, se tornou alvo da luta de católicos e protestantes para pôr fim ao cancro e vergonha para o Brasil.
Em 1881, o periódico Gazeta da Tarde, publicou um pequeno texto em francês traduzido por Alice, com o título “Benefícios do Cristianismo”. O texto descrevia:
Entre os inúmeros benefícios do christianismo deve se contar a abolição da escravidão. Jezus veio livrar o mundo deste excesso de deshonra e de mizeria proclamando a igualdade de todos os homens como orçados pelo mesmo Christo. Depois disto infelizmente os povos Christãos restabeleceram a escravidão na America e nas ilhas do novo mundo comprando negros da África como animaes de carga para fazel-os trabalhar a chicotadas, ou na exploração das minas de ouro ou de prata, na cultura do café, do cacáo e da canna. Na epocha presente um grande numero destes infelizes geme na escravidão mas o principio da liberdade universal foi proclamada pelo Evangelho, ha dezoito séculos e desenvolveu se de seculo em seculo. Ha de chegar o tempo em que esta escravidão será completamente abolida, pois que leis muitos severas castigam hoje os homens cruéis que querem vender ou comprar a liberdade ou a vida de seus semelhantes.
Chama atenção expor a ignomínia da escravidão no século 19, pois em séculos anteriores a escravização do negro legitimada pela teologia, pensava cumprir um bem aos africanos. O texto adotado por Alice expressou sua atitude em não compactuar com a escravidão mostrando a discrepância com o cristianismo. É um dos poucos textos publicados em periódicos por uma jovem abolicionista assumindo o lugar de atalaia contra a exploração do outro e acreditar que um dia teria seu fim. Alice, a jovem abolicionista dando voz as dores dos escravos, exerceu o seu papel na história do lado certo. Sigamos o exemplo.
Confira aqui as referências bibliográficas.
• Miriam Zanutti, mestre em história, missionária e mestre em missiologia. Membro da Presbiteriana do Grajaú, RJ.
Leia mais:
» História das mulheres cristãs: percursos e testemunhos no período da igreja primitiva
Pouco conhecida no cenário historiográfico nacional, Alice Clapp é a figura feminina que simboliza a dedicação das mulheres no evento mais importante do século 19 no Brasil: o movimento abolicionista. Sua trajetória está entrelaçada com a do pai, João Fernandes Clapp, um dos maiores nomes do abolicionismo brasileiro. Ele conseguiu envolver sua esposa Joanna e os sete filhos na luta contra escravidão, dando fôlego ao movimento e intercambiando com pessoas de várias nacionalidades.
Alice nasceu no dia 8 de dezembro de 1863 no Rio de Janeiro, filha primogênita. A primeira vez que João Clapp foi mencionado nos periódicos, em 1864, Alice tinha um ano de vida. Quando mencionado em seus primeiros momentos nas atividades abolicionistas, Alice tinha 10 anos. Aos 13 anos de idade, ela foi citada no periódico O Globo sobre a tradução do Catechismo do Bom Republicano, sua primeira referência pública.
Ao fundar a Confederação Abolicionista em 1883, João Clapp apoiava a resistência escrava e encaminhava os negros para locais de proteção designados quilombos abolicionistas. Um documento especial, o diário de André Rebouças escrito em 1888, onze dias após a abolição, descreve o movimento abolicionista e os quilombos fluminenses. Os quilombos eram marcados por grande ousadia, a começar pelo espaço ocupado: casas de famílias, escritórios comerciais, redações de jornais, hotéis, padarias, fábricas, quarteis, tipografias. Destacamos o quilombo Clapp, situado na residência de João Clapp no bairro São Domingos, em Niterói. Alice e seus irmãos mantinham convivência com os escravos de uma forma diferenciada de muitas outras famílias, pois sua residência servia de abrigo e acolhimento. Não existia tronco e não se ouvia os gritos dos escravos recebendo chibatadas. Tal contexto familiar moldou seu caráter antiescravista e a ajudou a compreender o negro ou negra escravizados como seres humanos como ela.
Trecho publicado no jornal A Pátria de 17 de março de 1878 traz a seguinte nota: “Alice Clapp. – Já não é desconhecido este nome: os democratas que acompanham as glórias dos seus, sabem que esta inteligente jovem é uma promessa auspiciosa e esperança brilhante”. Um ano após a publicação do livreto Cathecismo do Bom Republicano, de autoria do jornalista francês Elphège Boursin, de 29 páginas, e traduzido por Alice, a nota do periódico a enalteceu por sua primorosa dedicação. Não é possível afirmar se o labor de Alice tenha sido iniciativa própria, se atendeu alguma solicitação de seu pai pelo desejo de acentuar em seus discursos os ideais republicanos para o Brasil ou se seria Alice tão politizada a ponto de propor um escrito confrontando o modelo monárquico. Diante do quadro familiar à época é plausível Alice ter atendido a um desejo do pai e por causa desta tradução iniciar sua caminhada no movimento abolicionista. A tradução bem-sucedida e publicada em março de 1877, contou com cinco mil exemplares distribuídos gratuitamente.
Outro livro, La Suisse Contemporaine, do historiador inglês William Hepworth Dixon, de 236 páginas, contou com o esmero da tradução de Alice. A obra relata as memórias de William em viagem pela Suíça em 1871. Rico em detalhes geográficos, vida dos aldeões, festas religiosas e a política republicana, o livro dialoga com o leitor das belezas e durezas dos suíços no século 19 e como organizaram um dos sistemas de vida mais desejados nos tempos atuais.
Alice continuou sua jornada abolicionista participando das conferências promovidas pela Associação Central Emancipadora nos teatros do centro do Rio de Janeiro, em 1880 e 1881, tocando piano e declamando poesias. Exerceu a diretoria do Clube das Senhoras Abolicionistas. Em quermesses, doava prendas com um pequeno cartão assinado com o lema da Confederação: “A escravidão é um roubo”. Convidada para fazer parte do periódico O Sorriso, de circulação no Rio de Janeiro direcionado para o público feminino, foi a única mulher colaboradora efetiva.
A criação religiosa de Alice seguia a predominância da época, o cristianismo católico. Seus bisavós paternos eram protestantes americanos atuantes no movimento abolicionista junto com os quakers. Agostinho, pai de João Clapp, chegou ao Brasil como anglicano, mas, ao se casar, adotou o catolicismo. O movimento abolicionista agregou pessoas de vários credos, com predominância de cristãos católicos. Os protestantes faziam parte, em grupo menor, mas o que os uniu foi a leitura teológica de um Deus conciliador e amoroso; em não fazer acepção de pessoas. A escravidão, ao contrário da graça de Deus, se tornou alvo da luta de católicos e protestantes para pôr fim ao cancro e vergonha para o Brasil.
Em 1881, o periódico Gazeta da Tarde, publicou um pequeno texto em francês traduzido por Alice, com o título “Benefícios do Cristianismo”. O texto descrevia:
Entre os inúmeros benefícios do christianismo deve se contar a abolição da escravidão. Jezus veio livrar o mundo deste excesso de deshonra e de mizeria proclamando a igualdade de todos os homens como orçados pelo mesmo Christo. Depois disto infelizmente os povos Christãos restabeleceram a escravidão na America e nas ilhas do novo mundo comprando negros da África como animaes de carga para fazel-os trabalhar a chicotadas, ou na exploração das minas de ouro ou de prata, na cultura do café, do cacáo e da canna. Na epocha presente um grande numero destes infelizes geme na escravidão mas o principio da liberdade universal foi proclamada pelo Evangelho, ha dezoito séculos e desenvolveu se de seculo em seculo. Ha de chegar o tempo em que esta escravidão será completamente abolida, pois que leis muitos severas castigam hoje os homens cruéis que querem vender ou comprar a liberdade ou a vida de seus semelhantes.
Chama atenção expor a ignomínia da escravidão no século 19, pois em séculos anteriores a escravização do negro legitimada pela teologia, pensava cumprir um bem aos africanos. O texto adotado por Alice expressou sua atitude em não compactuar com a escravidão mostrando a discrepância com o cristianismo. É um dos poucos textos publicados em periódicos por uma jovem abolicionista assumindo o lugar de atalaia contra a exploração do outro e acreditar que um dia teria seu fim. Alice, a jovem abolicionista dando voz as dores dos escravos, exerceu o seu papel na história do lado certo. Sigamos o exemplo.
Confira aqui as referências bibliográficas.
• Miriam Zanutti, mestre em história, missionária e mestre em missiologia. Membro da Presbiteriana do Grajaú, RJ.
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