Opinião
- 02 de dezembro de 2011
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Advento sitiado
Atualizando a parábola do rico e do pobre, ou o confronto de João Batista com Herodes, banquetes, ceias, e comemorações de fim de ano, uma festa para a massificação do consumo e desperdício está em andamento, e ao mesmo tempo se exibe uma falsa privacidade. Ninguém pode mais concordar com Hegel, filósofo muito interessante. É uma pena! Dizia que “a privacidade nos ajuda a viver num mundo sem compaixão”. Hoje, esse conceito não funciona mais. Para muitos não há mais um mundo privado para reflexão. Agimos “como um cão que volta ao seu vômito” (Lc 16,19-31). De que vale a privacidade num mundo assim? A cultura utilitarista predomina. Como objetos comprados, descartáveis, “use e jogue fora”, os valores de uma ética de partilha e solidariedade são atirados no lixo sem o menor pudor.
O Advento e a Natalidade do Senhor nada significam, hoje. O problema, no entanto, são os valores veiculados em substituição aos tradicionais sobre amor, solidariedade, compaixão e cuidado com o outro. Ideias voyeuristas expõem o ser humano como mercadoria barata, afirmando isoladamente a falta de importância das mesmas. Como diz Jurandyr Freire, vive-se uma cultura sitiada pelo dinheiro nas festas de fim de ano. Uma geração inteira encontra-se dopada, quando se encarrega de adotar e veicular os “novos valores” sem nenhum controle. A compulsão do evangelical business não deve ser desprezada. A juventude evangélica, “diante do trono” gospel, sabe muito bem que estamos falando da cultura do dinheiro. Aderimos ao tema mundial “muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. Fim de papo.
Consumo rápido, fast-food: molho de tomate, hamburguer são alimento e sangue dessa nova cultura. Jovens evangélicos abraçam o gospel como religião emocional salvadora. São inaugurados bares e boates gospel para o compartilhamento cultural do novo jeito de ser “crente moderno”. Jovens de outras tendências, possivelmente não-religiosos, extasiados, adeptos confessos da cultura rock, marcam os costumes das novas gerações com piercings, tatuagens, uso “quase livre” de drogas estimulantes, para vários fins, como os comprimidos de ecstasy e viagra para a inapetência geral. Vale tudo, enquanto são convidados a esquecer a História, as lutas pelas liberdades civis e direitos fundamentais do homem e da mulher. O passado não interessa, o presente justifica tudo. Comamos e bebamos, aproveitemos, porque amanhã... não interessa.
Poucas décadas atrás, o anseio de liberdade devido às ditaduras e a sustentação de totalitarismos em todos os quadrantes, a precarização do ensino, o desemprego, a ausência de liberdades civis, cidadania, direitos humanos, levava os jovens às ruas. Quem imagina jovens apaixonados por festivais gospel, e encontros carismáticos, “marchas-com-jesus”, frequentadores de shoppings, nas ruas reivindicando direitos fundamentais para a sociedade toda? A obsessão consigo mesmos se manifesta menos no ardor do gozo da juventude que no medo da velhice, da doença, na panacéia oferecida como remédio para aproveitar bem o tempo em atividades que dão prazer ao corpo, a qualquer custo, menos que os prazeres da alma e do espírito (Gilles Lipovetsky).
Há inquietações, no entanto. Tudo deveria inquietar e desassossegar. O terrorismo e seus estragos na paz mundial que nunca chega, a fome global, a poluição urbana, a ausência da socialização das riquezas monetárias (nunca tantas pessoas tiveram tanto dinheiro, bens, posses, possibilidades que envolvem o direito à propriedade ilimitada), a violência nas periferias das metrópoles, a fragilidade do corpo diante de enfermidades antigas e recentes (o drogadismo farmacológico, entre outras). A compulsão consumista equivale às demais compulsões pelo álcool, pelas drogas leves ou pesadas, pelo sexo, pelo jogo, pelo trabalho sem repouso.
Entre os etariamente maduros, também, todos ficam felizes. No Natal, nas comemorações com parentes e amigos, falaremos de moral, ciência, religião, política partidária, esportes, amor, filhos, saúde, alimentação saudável, esteira rolante, eletrocardiograma, mamografia, ultrasom, próstata, colunoscopia, medicina de ponta, e mesmo assim chega o dia inevitável em que se vai para o caixão. “E virá a próxima geração de idiotas, que também falará sobre a vida e o que é apropriado para se viver bem. Meu pai se matou, os jornais o deixavam deprimido. E você pode culpá-lo com o horror, a corrupção, a ignorância, a pobreza, o genocídio, o aquecimento global, o terrorismo, os valores morais imbecis e os imbecis armados até os dentes”? (Woody Allen). Levar gol contra acaba cansando... Contudo, urge observar os temas do Advento do Senhor.
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É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
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