Opinião
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Abraham Kuyper – “um dom de Deus para nossa época”
Uma Igreja reformada e democrática, livre do domínio do Estado e organizada conforme o ensino da ortodoxia
Por Anderson Paz
Por Anderson Paz
Em 1866, Abraham Kuyper publicou uma obra de aproximadamente mil páginas sobre a vida e obra de Laski. E, em 1867, Kuyper publicou um texto traduzido como “o que devemos fazer: exercer nós mesmos a eleição de pastores ou autorizar o concílio eclesiástico? Uma discussão sobre a implementação do Artigo 23” em que discutia o fundamento e limitações da autoridade da Igreja por parte do Estado. O texto de trinta e quatro páginas foi bem recebido devido à sua erudição.
No mesmo ano, Kuyper foi convidado para uma igreja maior em Utrecht, uma cidade universitária. E, em 1870, foi para Amsterdã “para se tornar pastor da Nieuwe Kerk, sendo responsável por outras dez igrejas locais, com vinte e oito ministros, além de presbíteros e diáconos”. Expressava, a essa época, que queria uma Igreja reformada e democrática, livre do domínio do Estado e organizada conforme o ensino da ortodoxia.
Kuyper pastoreara uma Igreja local da cidade de Beesd (1963-67) e da cidade de Utrecht (1867-70), e pastoreava uma Igreja de Amsterdã (1870-74) quando seu desejo de atuar na esfera pública se intensificou. Em 1874, Kuyper se afastou do ministério pastoral e se tornou membro da Casa Baixa do Parlamento, casa legislativa semelhante à Câmara dos Deputados. Permaneceu nessa função até 1877. Nesse período, em 1876, Kuyper teve um colapso nervoso devido à sua vida agitada e ao estresse ocasionado pelos ataques de seus oponentes.
Ao longo de sua vida, Kuyper publicou vários trabalhos acadêmicos, panfletos, sermões, discursos, e produziu uma ampla correspondência pessoal. Atuava em várias frentes ao mesmo tempo. Em 1867, Kuyper formou uma associação para estudo da Reforma nos Países Baixos. Trabalhou pela liberdade de educação confessional na União das Escolas Nacionais Cristãs. Assumiu, em 1870, a função de editor do De Heraut, “O Arauto”, um jornal cristão semanal.
Em 1872, Kuyper assumiu o De Standaard, “O Estandarte”, um jornal diário, como Editor Chefe. E “por mais de quarenta e cinco anos, ocupou ambas exigentes posições com extraordinário poder e vigor”. Quando Kuyper deixou o pastorado e se tornou político, ele continuou editando e escrevendo textos em jornais a partir de uma perspectiva cristã, ao mesmo tempo em que participava da igreja local de Amsterdã enquanto ancião e membro do consistório.
Kuyper se associou ao movimento antirrevolucionário holandês liderado pelo historiador neerlandês, Guillaume Groen van Prinsterer. Esse historiador inspirou a criação do “Partido Antirrevolucionário” que seria fundado por Kuyper. Esse Partido “foi o primeiro partido político moderno da Holanda, e adversário dos princípios da Revolução Francesa e do liberalismo político”. O termo “antirrevolucionário” indicava uma oposição ao “modernismo” capitaneado pela Revolução Francesa que excluía Deus da esfera pública.
Após a morte de Prinsterer, Kuyper assumiu a liderança do movimento antirrevolucionário e, em 1879, lançou o programa do Partido que originou o primeiro partido político de abrangência nacional na Holanda. O Partido Antirrevolucionário tinha por principais pautas “a separação da igreja e do Estado, a revisão das leis eleitorais e educacionais, a questão social e a questão do trabalhador” e passou a lutar por liberdade para as escolas confessionais privadas.
Em 1888, a coalizão entre antirrevolucionários protestantes e católicos romanos alcançou significativo número de cadeiras no Parlamento. E, em 1889, foi publicada a Lei da Educação pela qual as escolas confessionais obtiveram mais liberdade para desenvolver seu ensino. Em 1897, Kuyper reorganizou o Partido Antirrevolucionário, que era caracteristicamente conservador e aristocrático, em um sentido mais democrático. E buscou combinar o calvinismo com uma política de inclusão dos mais vulneráveis, aqueles excluídos da participação ativa no corpo político.
Em 1880, Kuyper ajudou na fundação de uma universidade livre, a “Universidade Livre de Amsterdã”, cuja proposta era estruturar o conhecimento de uma perspectiva cristã reformada. Essa universidade foi criada com o intuito de construir um conhecimento não imposto pelo Estado ou pela Igreja, sendo livre para desenvolver, sobre fundamentos cristãos, todas as potencialidades das diversas áreas da ciência.
Ademais, Kuyper buscou desvincular a Igreja de sua ligação com o Estado. Ele entendia que a estreita relação entre Estado e Igreja levava a uma acomodação da Igreja ao espírito moderno, como também a uma burocratização contraproducente e a uma desarmonia entre a institucionalidade e organicidade da Igreja. Por isso, depois de vários embates com a oposição, Kuyper liderou a segunda maior secessão da igreja estatal (1886) contribuindo para a organização das Igrejas Reformadas na Holanda.
Os membros que saíram da Igreja nacional lamentaram a ruptura (por isso, chamavam-se “lamentadores” ou aqueles que se entristecem) e formaram as Igrejas Reformadas na Holanda. Os que não se aliaram ao rompimento ficaram na Igreja Reformada Cristã. Kuyper também publicou e organizou o “Congresso Social Cristão”, em 1891, para lidar com o problema da pobreza. Em 1901, Kuyper foi chamado pela Rainha Wilhelmina para atuar como Primeiro Ministro holandês. Cargo que ocupou até 1905.
Kuyper buscou estabelecer mais igualdade de direitos e defendeu a liberdade de consciência, de religião e de ensino, dando mais liberdade às escolas e igrejas para suas atividades. Em 1913, tornou-se membro do Senado. A partir de seus 75 anos, Kuyper passou a escrever vários artigos semanais, totalizando 306 em seis anos. Aos 82 anos, planejava escrever uma obra sobre o Messias, mas faleceu em 8 de novembro de 1920. A produção teórica de Kuyper foi extensa de forma que “seus escritos contam mais de duzentas obras, muitas das quais de três e quatro volumes cada, e cobrem uma série extraordinária de assuntos”.
Kuyper buscava reestruturar o Estado e a sociedade conforme uma visão pluralista das estruturas sociais fundamentada no conceito de “soberania divina”. Nenhuma instituição ou grupo poderia controlar o Estado, mas cada grupo e instituição deveria ter igualdade de oportunidades para influenciar o Estado. Isso ampliaria a liberdade de expressão e o respeito entre as esferas sociais. Assim, Kuyper se preocupava em recristianizar o país e revitalizar a Igreja. Seus opositores reconheciam que Kuyper era “um oponente de dez cabeças e umas cem mãos”, ao passo que seus amigos o viam como “um dom de Deus para nossa época”.
>> Conheça Calvinismo para uma Era Secular – Uma leitura contemporânea de Abraham Kuyper (editora Ultimato)
- Anderson Paz é membro da Igreja do Betel Brasileiro em João Pessoa, PB. Advogado, é doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.
Saiba mais:
» Sou Eu, Calvino: conversas com o Reformador - Uma Biografia, Elben Magalhães Lenz César
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