Opinião
- 09 de abril de 2020
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A "Via Crucis" e a via dolorosa – chorar cada morte e clamar pelo livramento do Calvário
Por Luiz Fernando dos Santos
“Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de tristeza e familiarizado com o sofrimento.” (Isaías 53.3)
Estamos vivendo a semana da paixão, também conhecida como a semana das dores de Jesus Cristo, cujo ponto alto das celebrações litúrgicas é a sexta-feira da paixão. Existe dentro dos muros da cidade velha de Jerusalém um conjunto de vias e vielas denominado “Via Crucis”. Os historiadores não são exatamente unânimes em crer na veracidade do caminho por onde Jesus teria passado, rumo ao Calvário, contudo, a força da tradição se impôs aqui. Com quatorze estações, o percurso marca toda a trajetória de sofrimento e dor de Jesus Cristo, dos flagelos à crucificação. Cristãos católicos, ortodoxos, anglicanos, luteranos, alguns reformados e também evangélicos costumam meditar nos sofrimentos de Jesus ao percorrer essa “Via Dolorosa”.
Esta sexta-feira da paixão será muito diferente para muitas igrejas (as mais litúrgicas, pelo menos), pois não haverá a liturgia da paixão e o ‘tradicional’ sermão das sete palavras. Entretanto, talvez nossa geração não tenha visto uma sexta-feira tão dolorosa como essa em todo o mundo. Porque, mesmo durante as guerras, em dias assim, muitos ‘fronts’ de batalha se abstiveram do combate e observaram, a seu modo, esse dia, se não especial, pelo menos diferente para um grande contingente de cristãos. Desta vez, não será assim. O vírus continuará fazendo vítimas fatais pelo mundo e muitas famílias perderão os seus entes queridos, sem poderem dar o último adeus e entregá-los à terra com a devida dignidade. Muitos lares e, para falar a verdade, países atingirão o ápice da dor e do sofrimento, justamente nesta semana e nesta sexta-feira. Será uma semana verdadeiramente crucificada!
E como os cristãos deverão celebrar essa paixão? Como deverão meditar nessa paixão? E como responderão a essa paixão mundial? Não há outro jeito, a não ser, a de assumir Cristo como nossa paixão pessoal, como a nossa cruz pessoal e seguir oferecendo a Cristo o nosso corpo como sacrifício vivo, santo e agradável (Rm 12.2). Devemos declarar como Paulo: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2:20), e ainda: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja” (Colossenses 1:24), porque “Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo” (2 Coríntios 4:10).
Esta vida ‘cruciforme’ nos leva a um profundo sentimento de solidariedade com toda a ‘família humana’. Não somos expectadores, mas consortes dos dramas e das dores de todos e de cada um. Por isso, a melhor maneira de viver a liturgia da sexta-feira da paixão é fazer a passagem da memória dos feitos do passado para o efetivo engajamento com o calvário planetário dessa pandemia. Nosso engajamento é o de levar em nossos corações a dor de cada vida perdida, o dilema ético vivido por cada médico que escolhe quem vive e quem morre nos saturados sistemas de saúde mundo afora. Ter em mente o aviltamento sofrido por cada família que não consegue dignamente sepultar os seus. É nosso dever trazer em nosso peito a desesperança de quem perdeu o seu emprego ou a sua fonte de renda e os temores em relação ao presente e os medos quanto ao futuro, quando a nova normalidade se instalar. Não podemos, ainda, nos esquecer dos bolsões de miséria nas periferias dos grandes centros e a tragédia humanitária iminente, por falta de saneamento básico etc.
O nosso serviço litúrgico, nesta sexta-feira da paixão, talvez seja menos numinoso, todavia, será mais existencial. Recordaremos o Cristo que sofre em cada homem, que padece em cada dor... e choraremos cada morte, intercederemos por cada vida, suplicaremos pela perseverança dos que estão na lida diária nos hospitais, nas ruas, nos campos, nos mais variados postos de serviço para aliviar a crise. Rogaremos pelo livramento do mundo e que este Calvário logo passe, que a noite avance e esteja próxima a radiosa manhã da ressurreição.
Ele ressuscitou mesmo?
Antes disso: Ele morreu? Foi sepultado?
Os Últimos Dias de Jesus trata desses três elementos essenciais, que resumem grande parte das declarações mais antigas da fé cristã: a morte, o sepultamento e a ressurreição de Jesus.
Luiz Fernando dos Santos (1970-2022), foi ministro presbiteriano e era casado com Regina, pai da Talita e professor de teologia no Seminário Presbiteriano do Sul e no Seminário Teológico Servo de Cristo.
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