Opinião
- 15 de novembro de 2024
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A sucessão na liderança e o futuro da missão
Permitindo que a geração seguinte assuma o comando
Por Allen Yeh
Há dois anos, morreu a rainha Elizabeth II. Sua morte significou o fim de uma era e quebrou muitos recordes. Ela ocupou o trono por mais de 71 anos, tornando-se a monarca com reinado mais duradouro da história do Reino Unido. Mesmo assim, em seus últimos anos, houve contínuos apelos para que ela voluntariamente renunciasse à coroa em favor de seu filho. Trata-se de algo compreensível: se a geração anterior não solta as rédeas do poder, é possível que o tempo da geração seguinte nunca chegue. Quando Charles finalmente subiu ao trono, ele também quebrou um recorde, embora desfavorável. Aos 73 anos, ele foi o mais velho monarca britânico a ser coroado.
Sucessão geracional
Como parte da Geração X (nascida entre 1965 e 1980), eu me solidarizo com ele. A geração anterior à minha, os Baby Boomers, foi assim nomeada em decorrência da alta taxa de natalidade global entre os anos de 1946 a 1964, consequência do maior otimismo global que marcou o período pós-guerra. Foi um contraste com a geração seguinte, a chamada “Geração X”, sendo que, na verdade, o X não representa nada! Como éramos em menor número e considerados pouco importantes, fomos ofuscados por nossos antecessores – e ainda somos. Os Baby Boomers têm maior expectativa de vida graças aos avanços na medicina, mas, por outro lado, estão se aposentando mais tarde, o que faz com que a Geração X se sinta como o Príncipe Charles, questionando se seu tempo chegará. Os Baby Boomers tornaram-se líderes na sociedade numa idade muito mais jovem do que a Geração X. Muitos de nós ainda esperamos a nossa vez.
Essa situação, contudo, criou um efeito dominó. Os Millennials ou Geração Y (nascidos entre 1981 e 1995) e a Geração Z (nascidos entre 1996 e 2015) também tiveram seu caminho para a ascensão profissional postergado. A Geração Z tem o fardo adicional de enfrentar um mundo de recursos escassos (sejam recursos naturais, empregos ou dinheiro). Eles querem evitar a faculdade porque o privilégio de levar quatro anos para fazer um curso de artes liberais (e assumir uma grande dívida) lhes parece exagerado – quem pode culpá-los? Acabam optando por um curso profissionalizante de um ano para aprender uma habilidade específica e entrar diretamente no mercado de trabalho. Ou, então, operam numa mentalidade de “economia gig”. Em vez de ficar no mesmo emprego por toda a vida, como os Baby Boomers, ou pelo menos realizar um trabalho de cada vez como a Geração X, eles têm várias atividades simultâneas (motorista do Uber, barista da Starbucks, criador de conteúdo do YouTube, babá) e assim compõem seus ganhos.
A influência da forma como somos criados
As telas, obviamente, também são uma grande influência, porém de forma mais evidente na Geração Z do que nos Millenials, pois o iPhone foi inventado em 2007 e a Geração Z cresceu com smartphones. Isto fez com que toda uma geração fosse educada por telas. A Geração X é constituída pelas “crianças que ficavam sozinhas em casa”, (uma forma independente de criação), os Millenials tiveram “pais helicóptero” (que pairavam sobre os ombros dos filhos) e a Geração Z tem “pais que aparam a grama ou removem a neve” (livrando o caminho dos filhos de todos os obstáculos, para que eles não precisem aprender a superá-los). Embora Jean Twenge cite em seu livro iGen1 que as telas são a principal influência na Geração Z, Jason Dorsey, do Center for Generational Kinetics, afirma que a maior influência é na verdade a forma como os filhos foram criados. A Geração Z2 tornou-se a “geração ansiosa”, pois experimenta tanto a ação dos pais que facilitam seu caminho, como o tempo excessivo diante das telas. Eles estão mais protegidos do mundo físico, porém mais expostos ao conteúdo da Internet, o que leva a uma existência virtual. O resultado é um atraso de até cinco anos no desenvolvimento. A Geração X, por exemplo, costumava tirar a carteira de motorista no aniversário de 16 anos. Os GenZs não precisam aprender a dirigir porque os “pais cortadores de grama” os protegem levando-os de carro (ou eles podem simplesmente chamar um Uber usando o smartphone), por isso geralmente aprendem a dirigir somente por volta dos 20 anos. A mentalidade independente da Geração X, do tipo “faça você mesmo”, resultado da ausência dos pais, contrasta nitidamente com os pais da Geração Z, que fazem tudo pelos filhos. A primeira não é necessariamente melhor do que a última, porque acarreta o seu próprio conjunto de riscos, como um índice maior de acidentes de carro, gravidez na adolescência e abuso de álcool/drogas. No entanto, não é de admirar que os estudantes universitários de hoje experimentem tanta ansiedade e depressão (apesar de terem mais segurança em comparação a todas as gerações anteriores); por terem um atraso de desenvolvimento que corresponde a cinco anos, ainda não têm o conjunto de habilidades pessoais para ir para a faculdade por conta própria. Vem à mente o velho provérbio: “Dê um peixe a um homem, e ele terá alimento por um dia; ensine um homem a pescar, e ele terá alimento por toda a vida”. Precisamos equilibrar a proteção que oferecemos a eles com o ensino da independência.
A criação é tudo (e as telas são o sintoma, não o problema). Por que algumas gerações mais jovens acreditam ter direito a tudo? Porque os pais lhes ensinaram que merecem. Por que algumas gerações mais jovens precisam receber medalhas apenas por terem participado? Porque é o que seus pais sempre lhes deram. Por que algumas gerações mais jovens podem ficar viciadas nas telas? Porque seus pais permitiram que passassem um tempo excessivo diante das telas. Por que algumas gerações mais jovens se sentem ansiosas com o que acontece no mundo? Porque os seus pais lhes deixaram um legado de mudanças climáticas, desigualdade racial, falta de acesso ao ensino universitário, polarização política, obsessão pelo dinheiro e incerteza sobre sua capacidade de agir por conta própria. Por que algumas gerações mais jovens podem ser consideradas frágeis? Porque observam a mesma fragilidade nas gerações mais velhas (por exemplo, na argumentação defensiva nas redes sociais ou na cultura do cancelamento de ambos os lados do espectro político).
Lausanne e os líderes jovens
O que isto nos sinaliza sobre a “troca da guarda” no que diz respeito à liderança missionária? O Movimento de Lausanne sempre valorizou os líderes jovens, começando em Singapura 1987, em seu primeiro encontro YLG. Eu mesmo estive presente no YLG 2006, na Malásia, e desde então, já houve um YLG 2016 na Indonésia,3 e outro acontecerá em 2026 (em algum lugar da América Latina). Cada um desses encontros serviu a diferentes gerações de líderes jovens em ascensão. Mas se a Geração Z preocupa-se mais com o dinheiro do que as gerações anteriores – e por uma boa razão, visto que são a primeira geração a ganhar menos do que seus pais – o trabalho missionário não seria algo para o qual eles naturalmente gravitariam, mesmo crendo que seja algo necessário para o mundo. A sua preocupação com o ROI (retorno sobre o investimento) vai levá-los à especialização em Negócios ou áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), e não às artes liberais ou áreas de humanas que não trazem grande compensação financeira, e menos ainda em missões, pois isso exige captação de recursos. A conferência missionária trienal Urbana (patrocinada pela InterVarsity) observa uma queda de 18 mil para 5 mil no número de participantes.
Sabedoria para uma sucessão geracional eficaz
Os Baby Boomers não estarão por aí para sempre, e se não cultivarmos hoje a próxima geração de líderes missionários, logo será tarde demais. À luz de tudo o que foi dito acima, aqui estão algumas sugestões para a sucessão da liderança missionária hoje:
Compartilhar espaço e confiar nas gerações mais jovens
Um dos princípios básicos da boa liderança é a prática de delegar. Mas o ato de delegar não pode fluir de uma mentalidade paternalista (“Eu ainda estou no comando e você pode pegar o café”), mas com a oferta de uma responsabilidade partilhada significativa que tenha valor. Defina como objetivo passar as rédeas do poder e começar a afastar-se gradualmente.4 Paulo fez isso com Timóteo, alertando-o de que a juventude não é uma deficiência (1Tm 4.1). Há muitas coisas que as gerações mais jovens podem fazer melhor do que as mais velhas, como, por exemplo, ser nativo digital e compreender e apreciar a diversidade. Permita que eles nos ensinem, mesmo enquanto lhes ensinamos. Em Colossenses 3.21, Paulo instrui os pais a não irritar (ou seja, provocar/exasperar) a geração mais nova. Malcolm Gladwell afirma que são necessárias 10 mil horas para se tornar verdadeiramente um especialista em algo.5 Vamos permitir que as gerações mais jovens dediquem as suas horas.
Ouvir com atenção
Não menospreze as dificuldades de ninguém. Entenda que o outro enfrenta lutas que não enfrentamos. Cada geração precisa parar e tentar entender o que a outra geração passou, e demonstrar graça com os erros de todos. Jonathan Haidt6 propõe um cessar-fogo entre o pensamento dicotômico e o tribalismo a que todos somos inclinados. Aleksandr Solzhenitsyn expressa desta forma: “A linha que separa o bem e o mal passa… bem no meio de cada coração humano”.7 Em outras palavras, a ideia de que “nós somos bons e o outro lado é mau” não é bíblica. Em vez disso, Deus é bom e todos os seres humanos estão destituídos da glória divina. Demonstrar graça com a simultaneidade do bem e do mal nas pessoas possibilita o aprendizado – precisamos abrir espaço para que todos falhem – e essas lições permitem que eles se desenvolvam para êxitos futuros. Cooperação intergeracional 8 não se trata apenas de mentoria (que pode ser outra forma de criação), mas realmente de permitir que outras pessoas contribuam em questões importantes. Paulo fala da analogia com o corpo, em que ninguém pode dizer ao outro “Não preciso de você” (1Co 12).
Não isolar a cooperação intergeracional de outras interações
Ela deveria ser um elemento presente em toda discussão. Não é apenas mais um tijolo, é a argamassa entre os tijolos. De 31 de maio a 2 de junho de 2023, participei da Equipe de Programação para sediar a Conversa entre Gerações de Lausanne (LGC23)9 na Universidade Biola. Os cinco princípios que derivaram dessa conversa foram moldados como uma pirâmide: “Visão bíblica e vocação missional” são os tijolos fundamentais; no meio estão “Amizade e mutualidade”; e no topo, a “Colaboração”.10 Durante o Quarto Congresso de Lausanne (L4) realizado em Seul, de 22 a 28 de setembro de 2024, o foco foram as Equipes de Ação Colaborativa.
Oferecer às gerações mais jovens uma visão cativante da missão
Os jovens amam a diversidade e odeiam o colonialismo. Apocalipse 7.9 diz que “todas as nações, tribos, povos e línguas” estão adorando o Senhor e rendendo glórias a Deus, o que se alinha à visão de diversidade. Quando apresentamos a missão aos jovens como “o Ocidente está certo e todos os outros estão errados”, não estamos levando em conta que as missões hoje são policêntricas, “de todos para todos os lugares”.11 O evangelho também precisa ser reformulado em três dimensões: não apenas a inocência acima da culpa (salvar almas), mas também a honra acima da vergonha (salvar a reputação) e o poder acima do medo (salvar corpos).12 Isso acrescenta mais uma dimensão ao Pacto de Lausanne, que, em sua elaboração original, tinha apenas duas dimensões de missão holística (evangelismo e justiça social).13
Quando refletimos sobre a sucessão de liderança nas missões hoje, Lausanne está no caminho certo. Precisamos passar o bastão de forma adequada aos próximos líderes missionais, para que o nome de Deus continue a ser glorificado em toda a Terra e por todas as gerações.
Notas
1. Jean M. Twenge, iGen: Why Today’s Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy—and Completely Unprepared for Adulthood (New York: Atria, 2017).
2. Jason Dorsey and Denise Villa, Zconomy: How Gen Z Will Change the Future of Business—and What to Do About It (New York: Harper Business, 2020).
3. Nota da Editora: Veja “Seis Lições de Liderança do ELJ2016 “, de Sarah Breuel e Dave Benson, na Análise Global de Lausanne, novembro/2016, https://lausanne.org/pt-br/global-analysis/seis-licoes-de-lideranca-do-elj2016.
4. Este foi o princípio por trás do conceito da “igreja dos três autos” concebido pelos missiólogos do século 19 Rufus Anderson e Henry Venn: Onde quer que forem os missionários ocidentais, eles devem “iniciar o próprio afastamento do trabalho”, encorajando as missões locais a governar, sustentar e propagar a si mesmas. Isso realmente contribui para mitigar o paternalismo
5. Malcolm Gladwell, Outliers: The Story of Success (New York: Back Bay, 2011).
6. Jonathan Haidt, The Coddling of the American Mind: How Good Intentions and Bad Ideas Are Setting Up a Generation for Failure (New York: Penguin, 2019).
7. Aleksandr Solzhenitsyn, The Gulag Archipelago 1918–1956 (New York: Harper & Row, 1973).
8. Sobre liderança intergeracional, veja Micaela Braithwaite, “O propósito de Deus na liderança intergeracional: Por que a igreja global precisa de amizades intergeracionais“, blog de Lausanne, 5 de julho de 2023.
9. Intencionalmente, escolhemos não chamar de “conferência” a Conversa entre Gerações de Lausanne, pois não queríamos apenas que os mais velhos falassem para os mais jovens; queríamos grupos de discussão que possibilitassem conversas reais entre diferentes gerações.
10. Para detalhar os nove princípios da LGC23 derivados dos cinco blocos da pirâmide:
I) Visão bíblica e vocação missional (At 7.54-9.31): Líderes experientes podem abençoar líderes emergentes encorajando, capacitando e abrindo portas para eles.
II) Visão bíblica e vocação missional (At 14.8-16.5): A missão global de Deus é alcançada com mais eficiência por meio de parcerias intergeracionais, pois a missão se beneficia do que cada um tem a oferecer.
III) Amizade intergeracional: As amizades missionais caminham lado a lado e voltadas para fora: desenvolvendo intencionalmente relações e envolvendo interesses comuns para objetivos comuns.
IV) Mutualidade intergeracional: A mutualidade torna-se possível quando há confiança, respeito, empatia e reconciliação.
V) Liderança colaborativa: Os líderes reconhecem os dons de outros e abrem espaço para o seu desenvolvimento.
VI) Liderança colaborativa: Os líderes capacitam outros delegando-lhes a responsabilidade com a autoridade correspondente.
VII) Liderança colaborativa: Os líderes capacitadores confiam em Deus naqueles que lideram.
VIII) Comunicação na colaboração: Apreciar o que as diferentes gerações têm a oferecer fortalece a colaboração.
IX) Comunicação na colaboração: A escuta ativa é fundamental para uma colaboração eficaz.
11. Allen Yeh, Polycentric Missiology: 21st-Century Mission from Everyone to Everywhere (Downers Grove: IVP Academic, 2016).
12. Jayson Georges, The 3D Gospel: Ministry in Guilt, Shame, and Fear Cultures (Timē Press, 2017).
13. Mark Matlock, o diretor da conferência missionária trienal Urbana, me incumbiu de formar uma equipe de nove missiólogos para redigir três documentos técnicos: Reformular as missões para além dos legados coloniais; Redefinir o envio missionário numa era conectada; Articular uma teologia do evangelho e das missões para o mundo de hoje. Estes três documentos técnicos serão cruciais para atrair as gerações mais jovens para a missão.
Artigo publicado originalmente no site Lausanne. Reproduzido com permissão.
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Saiba mais:
» Intergeracionalidade - Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre, edição 379 de Ultimato
» A urgência da reconciliação: Reflexões a partir do 4º Congresso de Lausanne, um ano após o 7 de outubro, Rula Khoury Mansour
» Box John Stott - O Cristão Contemporâneo (A Bíblia, O Discípulo, O Evangelho, A Igreja, O Mundo), John Stott e Tim Chester
» Cristo, Nosso Reconciliador – Evangelho, Igreja, Mundo, Terceiro Congresso Lausanne
» Diálogos de Esperança: nova temporada conversa sobre a Igreja e Lausanne 4, Notícia
Por Allen Yeh
Há dois anos, morreu a rainha Elizabeth II. Sua morte significou o fim de uma era e quebrou muitos recordes. Ela ocupou o trono por mais de 71 anos, tornando-se a monarca com reinado mais duradouro da história do Reino Unido. Mesmo assim, em seus últimos anos, houve contínuos apelos para que ela voluntariamente renunciasse à coroa em favor de seu filho. Trata-se de algo compreensível: se a geração anterior não solta as rédeas do poder, é possível que o tempo da geração seguinte nunca chegue. Quando Charles finalmente subiu ao trono, ele também quebrou um recorde, embora desfavorável. Aos 73 anos, ele foi o mais velho monarca britânico a ser coroado.
Sucessão geracional
Como parte da Geração X (nascida entre 1965 e 1980), eu me solidarizo com ele. A geração anterior à minha, os Baby Boomers, foi assim nomeada em decorrência da alta taxa de natalidade global entre os anos de 1946 a 1964, consequência do maior otimismo global que marcou o período pós-guerra. Foi um contraste com a geração seguinte, a chamada “Geração X”, sendo que, na verdade, o X não representa nada! Como éramos em menor número e considerados pouco importantes, fomos ofuscados por nossos antecessores – e ainda somos. Os Baby Boomers têm maior expectativa de vida graças aos avanços na medicina, mas, por outro lado, estão se aposentando mais tarde, o que faz com que a Geração X se sinta como o Príncipe Charles, questionando se seu tempo chegará. Os Baby Boomers tornaram-se líderes na sociedade numa idade muito mais jovem do que a Geração X. Muitos de nós ainda esperamos a nossa vez.
Essa situação, contudo, criou um efeito dominó. Os Millennials ou Geração Y (nascidos entre 1981 e 1995) e a Geração Z (nascidos entre 1996 e 2015) também tiveram seu caminho para a ascensão profissional postergado. A Geração Z tem o fardo adicional de enfrentar um mundo de recursos escassos (sejam recursos naturais, empregos ou dinheiro). Eles querem evitar a faculdade porque o privilégio de levar quatro anos para fazer um curso de artes liberais (e assumir uma grande dívida) lhes parece exagerado – quem pode culpá-los? Acabam optando por um curso profissionalizante de um ano para aprender uma habilidade específica e entrar diretamente no mercado de trabalho. Ou, então, operam numa mentalidade de “economia gig”. Em vez de ficar no mesmo emprego por toda a vida, como os Baby Boomers, ou pelo menos realizar um trabalho de cada vez como a Geração X, eles têm várias atividades simultâneas (motorista do Uber, barista da Starbucks, criador de conteúdo do YouTube, babá) e assim compõem seus ganhos.
A influência da forma como somos criados
As telas, obviamente, também são uma grande influência, porém de forma mais evidente na Geração Z do que nos Millenials, pois o iPhone foi inventado em 2007 e a Geração Z cresceu com smartphones. Isto fez com que toda uma geração fosse educada por telas. A Geração X é constituída pelas “crianças que ficavam sozinhas em casa”, (uma forma independente de criação), os Millenials tiveram “pais helicóptero” (que pairavam sobre os ombros dos filhos) e a Geração Z tem “pais que aparam a grama ou removem a neve” (livrando o caminho dos filhos de todos os obstáculos, para que eles não precisem aprender a superá-los). Embora Jean Twenge cite em seu livro iGen1 que as telas são a principal influência na Geração Z, Jason Dorsey, do Center for Generational Kinetics, afirma que a maior influência é na verdade a forma como os filhos foram criados. A Geração Z2 tornou-se a “geração ansiosa”, pois experimenta tanto a ação dos pais que facilitam seu caminho, como o tempo excessivo diante das telas. Eles estão mais protegidos do mundo físico, porém mais expostos ao conteúdo da Internet, o que leva a uma existência virtual. O resultado é um atraso de até cinco anos no desenvolvimento. A Geração X, por exemplo, costumava tirar a carteira de motorista no aniversário de 16 anos. Os GenZs não precisam aprender a dirigir porque os “pais cortadores de grama” os protegem levando-os de carro (ou eles podem simplesmente chamar um Uber usando o smartphone), por isso geralmente aprendem a dirigir somente por volta dos 20 anos. A mentalidade independente da Geração X, do tipo “faça você mesmo”, resultado da ausência dos pais, contrasta nitidamente com os pais da Geração Z, que fazem tudo pelos filhos. A primeira não é necessariamente melhor do que a última, porque acarreta o seu próprio conjunto de riscos, como um índice maior de acidentes de carro, gravidez na adolescência e abuso de álcool/drogas. No entanto, não é de admirar que os estudantes universitários de hoje experimentem tanta ansiedade e depressão (apesar de terem mais segurança em comparação a todas as gerações anteriores); por terem um atraso de desenvolvimento que corresponde a cinco anos, ainda não têm o conjunto de habilidades pessoais para ir para a faculdade por conta própria. Vem à mente o velho provérbio: “Dê um peixe a um homem, e ele terá alimento por um dia; ensine um homem a pescar, e ele terá alimento por toda a vida”. Precisamos equilibrar a proteção que oferecemos a eles com o ensino da independência.
A criação é tudo (e as telas são o sintoma, não o problema). Por que algumas gerações mais jovens acreditam ter direito a tudo? Porque os pais lhes ensinaram que merecem. Por que algumas gerações mais jovens precisam receber medalhas apenas por terem participado? Porque é o que seus pais sempre lhes deram. Por que algumas gerações mais jovens podem ficar viciadas nas telas? Porque seus pais permitiram que passassem um tempo excessivo diante das telas. Por que algumas gerações mais jovens se sentem ansiosas com o que acontece no mundo? Porque os seus pais lhes deixaram um legado de mudanças climáticas, desigualdade racial, falta de acesso ao ensino universitário, polarização política, obsessão pelo dinheiro e incerteza sobre sua capacidade de agir por conta própria. Por que algumas gerações mais jovens podem ser consideradas frágeis? Porque observam a mesma fragilidade nas gerações mais velhas (por exemplo, na argumentação defensiva nas redes sociais ou na cultura do cancelamento de ambos os lados do espectro político).
Lausanne e os líderes jovens
O que isto nos sinaliza sobre a “troca da guarda” no que diz respeito à liderança missionária? O Movimento de Lausanne sempre valorizou os líderes jovens, começando em Singapura 1987, em seu primeiro encontro YLG. Eu mesmo estive presente no YLG 2006, na Malásia, e desde então, já houve um YLG 2016 na Indonésia,3 e outro acontecerá em 2026 (em algum lugar da América Latina). Cada um desses encontros serviu a diferentes gerações de líderes jovens em ascensão. Mas se a Geração Z preocupa-se mais com o dinheiro do que as gerações anteriores – e por uma boa razão, visto que são a primeira geração a ganhar menos do que seus pais – o trabalho missionário não seria algo para o qual eles naturalmente gravitariam, mesmo crendo que seja algo necessário para o mundo. A sua preocupação com o ROI (retorno sobre o investimento) vai levá-los à especialização em Negócios ou áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), e não às artes liberais ou áreas de humanas que não trazem grande compensação financeira, e menos ainda em missões, pois isso exige captação de recursos. A conferência missionária trienal Urbana (patrocinada pela InterVarsity) observa uma queda de 18 mil para 5 mil no número de participantes.
Sabedoria para uma sucessão geracional eficaz
Os Baby Boomers não estarão por aí para sempre, e se não cultivarmos hoje a próxima geração de líderes missionários, logo será tarde demais. À luz de tudo o que foi dito acima, aqui estão algumas sugestões para a sucessão da liderança missionária hoje:
Compartilhar espaço e confiar nas gerações mais jovens
Um dos princípios básicos da boa liderança é a prática de delegar. Mas o ato de delegar não pode fluir de uma mentalidade paternalista (“Eu ainda estou no comando e você pode pegar o café”), mas com a oferta de uma responsabilidade partilhada significativa que tenha valor. Defina como objetivo passar as rédeas do poder e começar a afastar-se gradualmente.4 Paulo fez isso com Timóteo, alertando-o de que a juventude não é uma deficiência (1Tm 4.1). Há muitas coisas que as gerações mais jovens podem fazer melhor do que as mais velhas, como, por exemplo, ser nativo digital e compreender e apreciar a diversidade. Permita que eles nos ensinem, mesmo enquanto lhes ensinamos. Em Colossenses 3.21, Paulo instrui os pais a não irritar (ou seja, provocar/exasperar) a geração mais nova. Malcolm Gladwell afirma que são necessárias 10 mil horas para se tornar verdadeiramente um especialista em algo.5 Vamos permitir que as gerações mais jovens dediquem as suas horas.
Ouvir com atenção
Não menospreze as dificuldades de ninguém. Entenda que o outro enfrenta lutas que não enfrentamos. Cada geração precisa parar e tentar entender o que a outra geração passou, e demonstrar graça com os erros de todos. Jonathan Haidt6 propõe um cessar-fogo entre o pensamento dicotômico e o tribalismo a que todos somos inclinados. Aleksandr Solzhenitsyn expressa desta forma: “A linha que separa o bem e o mal passa… bem no meio de cada coração humano”.7 Em outras palavras, a ideia de que “nós somos bons e o outro lado é mau” não é bíblica. Em vez disso, Deus é bom e todos os seres humanos estão destituídos da glória divina. Demonstrar graça com a simultaneidade do bem e do mal nas pessoas possibilita o aprendizado – precisamos abrir espaço para que todos falhem – e essas lições permitem que eles se desenvolvam para êxitos futuros. Cooperação intergeracional 8 não se trata apenas de mentoria (que pode ser outra forma de criação), mas realmente de permitir que outras pessoas contribuam em questões importantes. Paulo fala da analogia com o corpo, em que ninguém pode dizer ao outro “Não preciso de você” (1Co 12).
Não isolar a cooperação intergeracional de outras interações
Ela deveria ser um elemento presente em toda discussão. Não é apenas mais um tijolo, é a argamassa entre os tijolos. De 31 de maio a 2 de junho de 2023, participei da Equipe de Programação para sediar a Conversa entre Gerações de Lausanne (LGC23)9 na Universidade Biola. Os cinco princípios que derivaram dessa conversa foram moldados como uma pirâmide: “Visão bíblica e vocação missional” são os tijolos fundamentais; no meio estão “Amizade e mutualidade”; e no topo, a “Colaboração”.10 Durante o Quarto Congresso de Lausanne (L4) realizado em Seul, de 22 a 28 de setembro de 2024, o foco foram as Equipes de Ação Colaborativa.
Oferecer às gerações mais jovens uma visão cativante da missão
Os jovens amam a diversidade e odeiam o colonialismo. Apocalipse 7.9 diz que “todas as nações, tribos, povos e línguas” estão adorando o Senhor e rendendo glórias a Deus, o que se alinha à visão de diversidade. Quando apresentamos a missão aos jovens como “o Ocidente está certo e todos os outros estão errados”, não estamos levando em conta que as missões hoje são policêntricas, “de todos para todos os lugares”.11 O evangelho também precisa ser reformulado em três dimensões: não apenas a inocência acima da culpa (salvar almas), mas também a honra acima da vergonha (salvar a reputação) e o poder acima do medo (salvar corpos).12 Isso acrescenta mais uma dimensão ao Pacto de Lausanne, que, em sua elaboração original, tinha apenas duas dimensões de missão holística (evangelismo e justiça social).13
Quando refletimos sobre a sucessão de liderança nas missões hoje, Lausanne está no caminho certo. Precisamos passar o bastão de forma adequada aos próximos líderes missionais, para que o nome de Deus continue a ser glorificado em toda a Terra e por todas as gerações.
Notas
1. Jean M. Twenge, iGen: Why Today’s Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy—and Completely Unprepared for Adulthood (New York: Atria, 2017).
2. Jason Dorsey and Denise Villa, Zconomy: How Gen Z Will Change the Future of Business—and What to Do About It (New York: Harper Business, 2020).
3. Nota da Editora: Veja “Seis Lições de Liderança do ELJ2016 “, de Sarah Breuel e Dave Benson, na Análise Global de Lausanne, novembro/2016, https://lausanne.org/pt-br/global-analysis/seis-licoes-de-lideranca-do-elj2016.
4. Este foi o princípio por trás do conceito da “igreja dos três autos” concebido pelos missiólogos do século 19 Rufus Anderson e Henry Venn: Onde quer que forem os missionários ocidentais, eles devem “iniciar o próprio afastamento do trabalho”, encorajando as missões locais a governar, sustentar e propagar a si mesmas. Isso realmente contribui para mitigar o paternalismo
5. Malcolm Gladwell, Outliers: The Story of Success (New York: Back Bay, 2011).
6. Jonathan Haidt, The Coddling of the American Mind: How Good Intentions and Bad Ideas Are Setting Up a Generation for Failure (New York: Penguin, 2019).
7. Aleksandr Solzhenitsyn, The Gulag Archipelago 1918–1956 (New York: Harper & Row, 1973).
8. Sobre liderança intergeracional, veja Micaela Braithwaite, “O propósito de Deus na liderança intergeracional: Por que a igreja global precisa de amizades intergeracionais“, blog de Lausanne, 5 de julho de 2023.
9. Intencionalmente, escolhemos não chamar de “conferência” a Conversa entre Gerações de Lausanne, pois não queríamos apenas que os mais velhos falassem para os mais jovens; queríamos grupos de discussão que possibilitassem conversas reais entre diferentes gerações.
10. Para detalhar os nove princípios da LGC23 derivados dos cinco blocos da pirâmide:
I) Visão bíblica e vocação missional (At 7.54-9.31): Líderes experientes podem abençoar líderes emergentes encorajando, capacitando e abrindo portas para eles.
II) Visão bíblica e vocação missional (At 14.8-16.5): A missão global de Deus é alcançada com mais eficiência por meio de parcerias intergeracionais, pois a missão se beneficia do que cada um tem a oferecer.
III) Amizade intergeracional: As amizades missionais caminham lado a lado e voltadas para fora: desenvolvendo intencionalmente relações e envolvendo interesses comuns para objetivos comuns.
IV) Mutualidade intergeracional: A mutualidade torna-se possível quando há confiança, respeito, empatia e reconciliação.
V) Liderança colaborativa: Os líderes reconhecem os dons de outros e abrem espaço para o seu desenvolvimento.
VI) Liderança colaborativa: Os líderes capacitam outros delegando-lhes a responsabilidade com a autoridade correspondente.
VII) Liderança colaborativa: Os líderes capacitadores confiam em Deus naqueles que lideram.
VIII) Comunicação na colaboração: Apreciar o que as diferentes gerações têm a oferecer fortalece a colaboração.
IX) Comunicação na colaboração: A escuta ativa é fundamental para uma colaboração eficaz.
11. Allen Yeh, Polycentric Missiology: 21st-Century Mission from Everyone to Everywhere (Downers Grove: IVP Academic, 2016).
12. Jayson Georges, The 3D Gospel: Ministry in Guilt, Shame, and Fear Cultures (Timē Press, 2017).
13. Mark Matlock, o diretor da conferência missionária trienal Urbana, me incumbiu de formar uma equipe de nove missiólogos para redigir três documentos técnicos: Reformular as missões para além dos legados coloniais; Redefinir o envio missionário numa era conectada; Articular uma teologia do evangelho e das missões para o mundo de hoje. Estes três documentos técnicos serão cruciais para atrair as gerações mais jovens para a missão.
- Allen Yeh é professor associado de estudos interculturais e missiologia da Universidade de Biola, Estados Unidos. É autor de vários artigos e capítulos de obras, bem como coautor, junto com Mark Russell, Chelle Stearns, Dwight Friesen e Michelle Sanchez, do livro Routes and Radishes and Things to Talk About at the Evangelical Crossroads (Zondervan, 2010); coeditor, com Chris Chun, de Expect Great Things, Attempt Great Things: William Carey and Adoniram Judson, Missionary Pioneers (Wipf & Stock, 2013); e autor de Polycentric Missiology: 21st-Century Mission from Everyone to Everywhere (IVP Academic, 2016).
Artigo publicado originalmente no site Lausanne. Reproduzido com permissão.
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- 15 de novembro de 2024
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