Opinião
- 24 de março de 2009
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A subversão está no sangue
Bráulia Ribeiro
Fui criada no sopé de uma favela belorizontina. Meu pai e minha mãe se conheceram na Escola Guignard como alunos do mestre. A paixão em comum, que era a arte, depois se transformou em muitas mais; os pobres, a esquerda política, a literatura, a imprensa e, claro, os sete filhos que geraram juntos. Minha infância se pareceu com a da família descrita por Orígenes Lessa em “O Feijão e o Sonho”, só que sem o feijão. O Sonho e o Sonho viviam pelos ideais que acreditavam em plena subversão ao sistema.
Em nossa vida um dia nunca era igual ao outro. Meu pai escapou por pouco de ser preso e exilado pela ditadura, viu os jornais em que trabalhou serem submetidos à censura prévia e depois depredados pela repressão policial, viu seus amigos desaparecerem e até adoeceu de desespero existencial. Minha mãe, extraída da carreira de pintora expressionista pelas demandas da maternidade, conseguiu ser mais prática; abrigava pobres em casa, escolarizava crianças da favela, além de escrever, pintar e cuidar que meu pai se mantivesse próximo da realidade.
Aos 16 anos tive um encontro emocional e sobrenatural com a realidade do evangelho. Este encontro me conduziu a terríveis conflitos existenciais. A sementinha nova da fé parecia não resistir às investidas cruéis da razão. Era frágil demais, “des-argumentada”, “des-científica” e, infelizmente, reacionária demais. Aos 17, no entanto, encontrei um grupo que vivia uma utopia próxima da que meus pais haviam sonhado, só que movido à fé cristã. Foi aí que minha alma se encontrou com minha razão e a fé me pôde se tornar concreta. Desde então vivi na JOCUM (Jovens com uma Missão), ou pelo menos pensei viver, bem perto do radicalismo socialista de meus pais. Anos demais, quem sabe; alguns extremamente distantes de qualquer realidade, alienados demais pela utopia gospel da sociedade alternativa, outros anos oprimidos pela realidade inexorável do sistema.
Aprendi nesta jornada que o verdadeiro cristianismo é mais subversivo que qualquer revolução política. Meus pais queriam mudança. Não se conformavam com os problemas e os erros de seus pais, queriam uma sociedade mais justa, queriam liberdade e igualdade para todos. Não pensavam eles na época que o próprio humanismo que os consumiu trabalharia contra os ideais humanos.
Não caberia no coração de meu pai a frieza de se descartar embriões sem uso e fetos inconvenientes ou com defeito. Ainda estava fresco na memória de sua geração o horror que a eugenia produziu durante a Segunda Guerra. Apesar de agora ser quase senso comum, não fazia parte de suas convicções a ideia de que a consciência social nos obriga a ter menos filhos, ou de que a liberação do aborto pudesse ser uma solução para os problemas socioeconômicos atuais ou, eufemisticamente, um mero problema de saúde pública. Por sua origem católica, meu pai e minha mãe acreditavam que a vida humana tinha valor. Favelados, classe média, crianças pobres ou ricas, todos teriam de ter direito aos mesmos direitos, afinal este é o ideal humanista supremo. Vida humana é sempre bem-vinda e deve ser protegida.
Mesmo durante o Iluminismo, quando os valores cristãos começavam a ser mal-afamados e perseguidos, ainda a noção do valor intrínseco do ser humano tinha de ser apoiada em uma metafísica superior à ciência, a qualquer arrazoamento meramente humanista. O ser humano tem valor em si mesmo porque algo superior a ele lhe atribui valor. A linguagem permaneceu religiosa. A noção que chamamos de “Imago Dei”, (somos todos, não importa a cor, o credo ou a condição social, feitos à imagem de Deus) é indispensável para estabelecer igualdade entre os seres humanos. Qualquer coisa fora dela deixaria dúvidas quanto à profundidade e à amplitude desta declaração.
Fui criada no sopé de uma favela belorizontina. Meu pai e minha mãe se conheceram na Escola Guignard como alunos do mestre. A paixão em comum, que era a arte, depois se transformou em muitas mais; os pobres, a esquerda política, a literatura, a imprensa e, claro, os sete filhos que geraram juntos. Minha infância se pareceu com a da família descrita por Orígenes Lessa em “O Feijão e o Sonho”, só que sem o feijão. O Sonho e o Sonho viviam pelos ideais que acreditavam em plena subversão ao sistema.
Em nossa vida um dia nunca era igual ao outro. Meu pai escapou por pouco de ser preso e exilado pela ditadura, viu os jornais em que trabalhou serem submetidos à censura prévia e depois depredados pela repressão policial, viu seus amigos desaparecerem e até adoeceu de desespero existencial. Minha mãe, extraída da carreira de pintora expressionista pelas demandas da maternidade, conseguiu ser mais prática; abrigava pobres em casa, escolarizava crianças da favela, além de escrever, pintar e cuidar que meu pai se mantivesse próximo da realidade.
Aos 16 anos tive um encontro emocional e sobrenatural com a realidade do evangelho. Este encontro me conduziu a terríveis conflitos existenciais. A sementinha nova da fé parecia não resistir às investidas cruéis da razão. Era frágil demais, “des-argumentada”, “des-científica” e, infelizmente, reacionária demais. Aos 17, no entanto, encontrei um grupo que vivia uma utopia próxima da que meus pais haviam sonhado, só que movido à fé cristã. Foi aí que minha alma se encontrou com minha razão e a fé me pôde se tornar concreta. Desde então vivi na JOCUM (Jovens com uma Missão), ou pelo menos pensei viver, bem perto do radicalismo socialista de meus pais. Anos demais, quem sabe; alguns extremamente distantes de qualquer realidade, alienados demais pela utopia gospel da sociedade alternativa, outros anos oprimidos pela realidade inexorável do sistema.
Aprendi nesta jornada que o verdadeiro cristianismo é mais subversivo que qualquer revolução política. Meus pais queriam mudança. Não se conformavam com os problemas e os erros de seus pais, queriam uma sociedade mais justa, queriam liberdade e igualdade para todos. Não pensavam eles na época que o próprio humanismo que os consumiu trabalharia contra os ideais humanos.
Não caberia no coração de meu pai a frieza de se descartar embriões sem uso e fetos inconvenientes ou com defeito. Ainda estava fresco na memória de sua geração o horror que a eugenia produziu durante a Segunda Guerra. Apesar de agora ser quase senso comum, não fazia parte de suas convicções a ideia de que a consciência social nos obriga a ter menos filhos, ou de que a liberação do aborto pudesse ser uma solução para os problemas socioeconômicos atuais ou, eufemisticamente, um mero problema de saúde pública. Por sua origem católica, meu pai e minha mãe acreditavam que a vida humana tinha valor. Favelados, classe média, crianças pobres ou ricas, todos teriam de ter direito aos mesmos direitos, afinal este é o ideal humanista supremo. Vida humana é sempre bem-vinda e deve ser protegida.
Mesmo durante o Iluminismo, quando os valores cristãos começavam a ser mal-afamados e perseguidos, ainda a noção do valor intrínseco do ser humano tinha de ser apoiada em uma metafísica superior à ciência, a qualquer arrazoamento meramente humanista. O ser humano tem valor em si mesmo porque algo superior a ele lhe atribui valor. A linguagem permaneceu religiosa. A noção que chamamos de “Imago Dei”, (somos todos, não importa a cor, o credo ou a condição social, feitos à imagem de Deus) é indispensável para estabelecer igualdade entre os seres humanos. Qualquer coisa fora dela deixaria dúvidas quanto à profundidade e à amplitude desta declaração.
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