Opinião
- 13 de novembro de 2014
- Visualizações: 5743
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
A República que ainda não foi
Uma grande expectativa foi criada em torno da Proclamação a República no dia 15 de novembro de 1889. O novo regime imposto por meio de um golpe político prometia fazer do Brasil uma nação de cidadãos. O exército, a maçonaria, o Partido Republicano, o positivismo e segmentos políticos dirigentes foram alguns dos agentes e forças que deflagraram a mudança do regime numa combalida monarquia.
Até então muito popular, a monarquia tropeçava em si mesma com a idade e a enfermidade do imperador D. Pedro II, além das dúvidas quanto à sucessão do trono. A sua base política ancorada nos latifundiários do nordeste e na Igreja Católica pelo padroado enfrentava aguda crise expressa na questão religiosa e na instabilidade dos gabinetes. O escravismo se tornava cada vez mais inconciliável às demandas econômicas e sociais em curso. A única monarquia escravista do continente americano caminhava para o seu fim depois de quase sete décadas.
Se “o povo assistiu bestializado” a marcha do marechal Deodoro da Fonseca em direção ao paço imperial isto não significou a sua passividade. A frase do jornalista Aristides Lobo projetou a ideia da ignorância e da aceitação sem resistências do jogo que as forças políticas e econômicas estabeleciam naquele momento. No entanto, o que parecia ser uma mera parada militar seria um acontecimento que liberaria tensões e conflitos nos anos seguintes. Na verdade, este povo tinha outras percepções do jogo a partir do lugar de excluídos políticos a que estavam sujeitos.
A cidadania da letra não se transformara em mais igualdade, distribuição de renda e participação universal nos processos de decisão política. A exclusão como herança colonial e imperial permaneceu como a lógica na mentalidade das elites, até os nossos dias. A massa dos libertos em 1888 experimentou mais outro processo da diáspora africana concentrando-se nas periferias e nos morros das favelas em formação, abandonados à própria sorte nos novos quilombos urbanos.
A instabilidade política foi a norma dos primeiros anos do novo regime, temeroso com a volta da monarquia, do jacobinismo dos setores médios e das pressões populares. O estado de sítio imposto pelo marechal Floriano representou o autoritarismo que se impôs pela força e pela violência do estado sobre a população. Deu-se o fracasso econômico do encilhamento e, depois, o maior endividamento do estado, num cenário internacional de declínio do café que culminou na crise de 1929.
Uma sucessão de revoltas e de movimentos sociais expressou as tensões, os conflitos e a não passividade da população diante da frustração da república proclamada: a revolta da armada, os messianismos de Canudos na Bahia e de Contestado em Santa Catarina, a revolta da Vacina no Rio de Janeiro (1904) e as ondas grevistas de 1903 a 1917. Inauguraram-se os tempos do coronelismo, da política do café-com-leite, da marginalização das populações empobrecidas e dos baixos salários da insurgente classe operária das fábricas.
Os poucos protestantes existentes no Brasil em 1889 saudaram a república junto com os maçons e os liberais, pois partilhavam as mesmas aspirações quanto ao estado laico e a crítica anti-clerical ao domínio político e religioso da Igreja Católica. Lideranças pastorais, entidades civis e jornais protestantes anteviram tempos de avanço da pregação evangélica. Miguel Vieira Ferreira, pastor da Igreja Evangélica Brasileira, participou ativamente dos círculos republicanos e positivistas.
Com a república, os protestantes ansiavam por um país mais moderno, liberal, progressista e que tivesse no protestantismo a religião coparticipante deste processo, a exemplo dos países mais prósperos como Inglaterra e Estados Unidos. O catolicismo mostrou-se, segundo pensavam, historicamente incapaz de promover a modernidade, pois agora era a hora e a vez do protestantismo mostrar a que veio.
Este projeto civilizacional seria realizado por meio das suas escolas, da distribuição maciça de Bíblias, da disseminação da mensagem evangélica pelos missionários e colportores, das associações de moços e de moças para formar uma juventude saudável na mente e no corpo, da imprensa, da alfabetização dos convertidos e das denominações com seus templos e seminários. No entanto, os protestantes não fizeram críticas ao modelo político em suas contradições responsáveis pela reprodução das desigualdades sociais.
Por um lado, foram 125 anos de república marcada pelas tentativas de controle e supressão das liberdades e da cidadania plena, a exemplo do golpe civil e militar de 1964. Por outro, foram anos de lutas por conquistas sociais e políticas, justiça social e democracia. Hoje, há protestantes evangélicos que se envolvem na construção de uma sociedade mais justa e não reproduzem os discursos antidemocráticos e de medo das mudanças que transformem as pessoas em cidadãs, ou seja, que, de fato, façam a república ainda acontecer.
Referências:
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
_________________________. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
_________________________. Dom Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Até então muito popular, a monarquia tropeçava em si mesma com a idade e a enfermidade do imperador D. Pedro II, além das dúvidas quanto à sucessão do trono. A sua base política ancorada nos latifundiários do nordeste e na Igreja Católica pelo padroado enfrentava aguda crise expressa na questão religiosa e na instabilidade dos gabinetes. O escravismo se tornava cada vez mais inconciliável às demandas econômicas e sociais em curso. A única monarquia escravista do continente americano caminhava para o seu fim depois de quase sete décadas.
Se “o povo assistiu bestializado” a marcha do marechal Deodoro da Fonseca em direção ao paço imperial isto não significou a sua passividade. A frase do jornalista Aristides Lobo projetou a ideia da ignorância e da aceitação sem resistências do jogo que as forças políticas e econômicas estabeleciam naquele momento. No entanto, o que parecia ser uma mera parada militar seria um acontecimento que liberaria tensões e conflitos nos anos seguintes. Na verdade, este povo tinha outras percepções do jogo a partir do lugar de excluídos políticos a que estavam sujeitos.
A cidadania da letra não se transformara em mais igualdade, distribuição de renda e participação universal nos processos de decisão política. A exclusão como herança colonial e imperial permaneceu como a lógica na mentalidade das elites, até os nossos dias. A massa dos libertos em 1888 experimentou mais outro processo da diáspora africana concentrando-se nas periferias e nos morros das favelas em formação, abandonados à própria sorte nos novos quilombos urbanos.
A instabilidade política foi a norma dos primeiros anos do novo regime, temeroso com a volta da monarquia, do jacobinismo dos setores médios e das pressões populares. O estado de sítio imposto pelo marechal Floriano representou o autoritarismo que se impôs pela força e pela violência do estado sobre a população. Deu-se o fracasso econômico do encilhamento e, depois, o maior endividamento do estado, num cenário internacional de declínio do café que culminou na crise de 1929.
Uma sucessão de revoltas e de movimentos sociais expressou as tensões, os conflitos e a não passividade da população diante da frustração da república proclamada: a revolta da armada, os messianismos de Canudos na Bahia e de Contestado em Santa Catarina, a revolta da Vacina no Rio de Janeiro (1904) e as ondas grevistas de 1903 a 1917. Inauguraram-se os tempos do coronelismo, da política do café-com-leite, da marginalização das populações empobrecidas e dos baixos salários da insurgente classe operária das fábricas.
Os poucos protestantes existentes no Brasil em 1889 saudaram a república junto com os maçons e os liberais, pois partilhavam as mesmas aspirações quanto ao estado laico e a crítica anti-clerical ao domínio político e religioso da Igreja Católica. Lideranças pastorais, entidades civis e jornais protestantes anteviram tempos de avanço da pregação evangélica. Miguel Vieira Ferreira, pastor da Igreja Evangélica Brasileira, participou ativamente dos círculos republicanos e positivistas.
Com a república, os protestantes ansiavam por um país mais moderno, liberal, progressista e que tivesse no protestantismo a religião coparticipante deste processo, a exemplo dos países mais prósperos como Inglaterra e Estados Unidos. O catolicismo mostrou-se, segundo pensavam, historicamente incapaz de promover a modernidade, pois agora era a hora e a vez do protestantismo mostrar a que veio.
Este projeto civilizacional seria realizado por meio das suas escolas, da distribuição maciça de Bíblias, da disseminação da mensagem evangélica pelos missionários e colportores, das associações de moços e de moças para formar uma juventude saudável na mente e no corpo, da imprensa, da alfabetização dos convertidos e das denominações com seus templos e seminários. No entanto, os protestantes não fizeram críticas ao modelo político em suas contradições responsáveis pela reprodução das desigualdades sociais.
Por um lado, foram 125 anos de república marcada pelas tentativas de controle e supressão das liberdades e da cidadania plena, a exemplo do golpe civil e militar de 1964. Por outro, foram anos de lutas por conquistas sociais e políticas, justiça social e democracia. Hoje, há protestantes evangélicos que se envolvem na construção de uma sociedade mais justa e não reproduzem os discursos antidemocráticos e de medo das mudanças que transformem as pessoas em cidadãs, ou seja, que, de fato, façam a república ainda acontecer.
Referências:
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
_________________________. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
_________________________. Dom Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
- Textos publicados: 35 [ver]
- 13 de novembro de 2014
- Visualizações: 5743
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Descobrindo o potencial da diáspora: um chamado à igreja brasileira
- Jesus [não] tem mais graça
- Bonhoeffer, O Filme — Uma ideia boa, com alguns problemas...
- Onde estão as crianças?
- Não confunda o Natal com Papai Noel — Para celebrar o verdadeiro Natal
- Exalte o Altíssimo!
- Pare, olhe, pergunte e siga
- Uma cidade sitiada - Uma abordagem literária do Salmo 31
- Ultimato recebe prêmio Areté 2024
- C. S. Lewis, 126 anos