Opinião
- 22 de novembro de 2016
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A relação de C. S. Lewis com a morte
Hoje, dia 22 de novembro, “comemoramos” 53 anos da morte de C.S. Lewis. E vou explicar por que temos razão para comemorar de verdade.
Como se sabe, Lewis foi confrontado com a morte muito cedo, por ocasião do falecimento de sua mãe – vítima de câncer –, quando tinha nove anos de idade, em 1908. Isso o deixou muito revoltado com Deus, pois ele, que havia aprendido a fazer suas preces desde cedo no seu lar cristão protestante, havia orado para que Deus a curasse miraculosamente.
Mais tarde, um amigo de guerra também morreu no front da Primeira Guerra Mundial. Depois foi a vez do seu pai, quando ele tinha 31 anos de idade e, finalmente, sua amada Joy, que foi a morte mais dolorosa de todas, cujo luto é retratado com todas as cores em Anatomia de uma Dor.
Em O Problema do Sofrimento Lewis não escreve diretamente sobre a morte, mas sobre o sofrimento. E o faz sempre numa perspectiva de que haja um sentido maior por trás do sofrimento e que, embora ele seja um mistério intransponível para nós, um dia vamos compreendê-lo, quando estivermos na eternidade, de onde poderemos olhar para a morte, a partir do outro lado.
Mas ele escreve indiretamente sobre a morte, através da linguagem da imaginação, em pelo menos dois momentos das Crônicas de Nárnia. A primeira é quando Aslam é sacrificado e morto em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Depois de ressuscitar, ele explica às meninas Lúcia e Susana, que haviam testemunhado a sua morte:
[...] a feiticeira pode conhecer a Magia Profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás [...]
Ou seja, a morte é algo circunstancial, que está envolta em um profundo mistério e se submete a uma lei inexorável, que a torna a única certeza que se pode ter, do ponto de vista da razão humana. Mas do ponto de vista da fé, há um outro regime, que extrapola o da magia profunda e que é anterior a ela, a chamada “magia ainda mais profunda de antes da aura dos tempos”, que é magia legítima de Aslam.
A outra cena é a do final de A Última Batalha, em que Aslam informa que as crianças morreriam em um acidente de trem. E explica:
– Aconteceu mesmo um acidente com o trem – explicou Aslam. – Seu pai, sua mãe e todos vocês estão mortos, como se costuma dizer nas Terras Sombrias. Acabaram-se as aulas: chegaram as férias! Acabou-se o sonho: rompeu a manhã!
Em outras palavras, a magia de Deus, que vence a morte não é apenas mais profunda e anterior à magia da Queda e da morte, mas ela é mais real e festiva. Trata-se da verdadeira magia, entendida como o sobrenatural. Todo o resto são imitações baratas e distorções. Todo o resto da vida são sombras da glória do que há por vir. E por isso é que a perspectiva cristã da morte é tão luminosa e esperançosa: porque, paradoxalmente, ela anuncia a verdadeira vida.
E Lewis parecia prever a própria morte quando escreveu em uma de suas últimas cartas a respeito do seu estado de saúde:
“Imagine-se como sementinha pacientemente hibernando enterrada no solo; à espera do afloramento no tempo que o jardineiro achar melhor, para o mundo real, para o verdadeiro despertamento. Suponho que toda a nossa vida presente, quando olharmos para trás, a partir daí, não parecerá mais, do que um devaneio sonolento. Este é o mundo dos sonhos. Mas o galo está para cantar. E está mais próximo agora, do que quando eu comecei a escrever esta carta.”
O galo cantou para Lewis e sua carta de despedida resume o sentimento que toda a sua obra desperta em nós: uma profunda saudade não apenas do autor, mas da vida verdadeira que ele está vivendo na eternidade nesse momento. Essa é a verdadeira esperança que nos motiva a continuar nossa peregrinação pelo vale da sombra da morte.
Leia mais
Leituras Diárias das Crônicas de Nárnia
Um Ano com C. S. Lewis
Surpreendido Pela Alegria
Lendo os Salmos
Deus em Questão – C. S. Lewis e Freud
Como se sabe, Lewis foi confrontado com a morte muito cedo, por ocasião do falecimento de sua mãe – vítima de câncer –, quando tinha nove anos de idade, em 1908. Isso o deixou muito revoltado com Deus, pois ele, que havia aprendido a fazer suas preces desde cedo no seu lar cristão protestante, havia orado para que Deus a curasse miraculosamente.
Mais tarde, um amigo de guerra também morreu no front da Primeira Guerra Mundial. Depois foi a vez do seu pai, quando ele tinha 31 anos de idade e, finalmente, sua amada Joy, que foi a morte mais dolorosa de todas, cujo luto é retratado com todas as cores em Anatomia de uma Dor.
Em O Problema do Sofrimento Lewis não escreve diretamente sobre a morte, mas sobre o sofrimento. E o faz sempre numa perspectiva de que haja um sentido maior por trás do sofrimento e que, embora ele seja um mistério intransponível para nós, um dia vamos compreendê-lo, quando estivermos na eternidade, de onde poderemos olhar para a morte, a partir do outro lado.
Mas ele escreve indiretamente sobre a morte, através da linguagem da imaginação, em pelo menos dois momentos das Crônicas de Nárnia. A primeira é quando Aslam é sacrificado e morto em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Depois de ressuscitar, ele explica às meninas Lúcia e Susana, que haviam testemunhado a sua morte:
[...] a feiticeira pode conhecer a Magia Profunda, mas não sabe que há outra magia ainda mais profunda. O que ela sabe não vai além da aurora do tempo. Mas, se tivesse sido capaz de ver um pouco mais longe, de penetrar na escuridão e no silêncio que reinam antes da aurora do tempo, teria aprendido outro sortilégio. Saberia que, se uma vítima voluntária, inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a mesa estalaria e a própria morte começaria a andar para trás [...]
Ou seja, a morte é algo circunstancial, que está envolta em um profundo mistério e se submete a uma lei inexorável, que a torna a única certeza que se pode ter, do ponto de vista da razão humana. Mas do ponto de vista da fé, há um outro regime, que extrapola o da magia profunda e que é anterior a ela, a chamada “magia ainda mais profunda de antes da aura dos tempos”, que é magia legítima de Aslam.
A outra cena é a do final de A Última Batalha, em que Aslam informa que as crianças morreriam em um acidente de trem. E explica:
– Aconteceu mesmo um acidente com o trem – explicou Aslam. – Seu pai, sua mãe e todos vocês estão mortos, como se costuma dizer nas Terras Sombrias. Acabaram-se as aulas: chegaram as férias! Acabou-se o sonho: rompeu a manhã!
Em outras palavras, a magia de Deus, que vence a morte não é apenas mais profunda e anterior à magia da Queda e da morte, mas ela é mais real e festiva. Trata-se da verdadeira magia, entendida como o sobrenatural. Todo o resto são imitações baratas e distorções. Todo o resto da vida são sombras da glória do que há por vir. E por isso é que a perspectiva cristã da morte é tão luminosa e esperançosa: porque, paradoxalmente, ela anuncia a verdadeira vida.
E Lewis parecia prever a própria morte quando escreveu em uma de suas últimas cartas a respeito do seu estado de saúde:
“Imagine-se como sementinha pacientemente hibernando enterrada no solo; à espera do afloramento no tempo que o jardineiro achar melhor, para o mundo real, para o verdadeiro despertamento. Suponho que toda a nossa vida presente, quando olharmos para trás, a partir daí, não parecerá mais, do que um devaneio sonolento. Este é o mundo dos sonhos. Mas o galo está para cantar. E está mais próximo agora, do que quando eu comecei a escrever esta carta.”
O galo cantou para Lewis e sua carta de despedida resume o sentimento que toda a sua obra desperta em nós: uma profunda saudade não apenas do autor, mas da vida verdadeira que ele está vivendo na eternidade nesse momento. Essa é a verdadeira esperança que nos motiva a continuar nossa peregrinação pelo vale da sombra da morte.
Leia mais
Leituras Diárias das Crônicas de Nárnia
Um Ano com C. S. Lewis
Surpreendido Pela Alegria
Lendo os Salmos
Deus em Questão – C. S. Lewis e Freud
É mestre e doutora em educação (USP) e doutora em estudos da tradução (UFSC). É autora de O Senhor dos Anéis: da fantasia à ética e tradutora de Um Ano com C.S. Lewis e Deus em Questão. Costuma se identificar como missionária no mundo acadêmico. É criadora e editora do site www.cslewis.com.br
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