Opinião
- 09 de outubro de 2017
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A radicalização islâmica e a influência saudita na Indonésia
Análise publicada originalmente por Lausanne Movement
Por Paul Marshall
As eleições deste ano para governador de Jacarta, capital da Indonésia, chamaram a atenção do mundo todo e resultaram na pior divisão do país desde os anos após a queda do último ditador, Soeharto, em 1998. A campanha envolveu as famílias de quatro ex-presidentes e gerou protestos de até meio milhão de pessoas, difamação difundida sobre religião, etnia e múltiplas investigações policiais de políticos e líderes religiosos bem estabelecidos.
O processo culminou em maio com a prisão do governador em exercício por acusações de blasfêmia. Isso pode sinalizar que a terceira maior democracia do mundo está passando para o domínio autoritário ou islamista.
A controvérsia de Ahok
O governador preso é o Basuki Tjahaja Purnama, conhecido como “Ahok”. Ele é etnicamente chinês em uma sociedade onde os sentimentos anti-China ainda são fortes, e Ahok é um cristão em um país onde 88% da população é muçulmana. No entanto, ele foi disposto e eficiente, o que gerou 70% de aprovação bem cedo, que o tornou favorito para vencer as eleições.
Durante a campanha política em setembro do ano passado, Ahok comentou que o verso do Corão al-Maidah 51, que aconselha os muçulmanos sobre não fazer aliados judeus ou cristãos. O ocorrido está sendo usado indevidamente por alguns clérigos para argumentar que muçulmanos não devem votar por um cristão. Após alguns dias, um vídeo enganoso editado de seus comentários viralizou na internet. O semioficial Conselho de Ulema publicou uma fátua acusando o Ahok de blasfêmia e a Frente Defensora do Islamismo (FPI), que atacou minorias muçulmanas, igrejas e boates, convocou protestos que exigissem o julgamento e prisão de Ahok.
Depois disso, Ahok foi preso e julgado por blasfêmia. Ele continuou sua campanha, mas em 19 de abril ele perdeu com 42% dos votos (contra 58%). O ministério público recomendou uma sentença muito leve de liberdade condicional e um ano de prisão em pena suspensa. No entanto, no dia 9 de maio, os cinco juízes ignoraram esta recomendação e sentenciaram Ahok a 2 anos de prisão. No dia seguinte, três dos juízes que determinaram a sentença foram promovidos ao Supremo Tribunal indonésio.
O veredito dividiu o país de uma forma não vista há décadas. Houve vários protestos em favor de Ahok, no entanto, diversos dos seus simpatizantes têm medo de pronunciar-se. A polícia está em discordância dos militares.
Em famílias divididas pela política, muitos se recusam a estar no mesmo cômodo que seus parentes ou até participar de casamentos dos familiares.
Radicalização
A eleição e julgamento expuseram a radicalização crescente na Indonésia, especialmente entre os mais jovens. Há diversas fontes desta radicalização, inclusive domésticas, mas o maior fator tem sido a rede bem financiada saudita de escolas, bolsas de estudo, imames e mesquitas que tentam substituir a interpretação local do islamismo, que geralmente encoraja a democracia e relacionamento pacífico entre as religiões, com o wahabismo saudita. Tamanha influência saudita tem reaparecido em diversos momentos decisivos na história da Indonésia.
Reações histórias à influência saudita
No século 18, Muhammad ibn Abd al-Wahhab, cujo o nome foi emprestado à interpretação extrema do islamismo “Wahhabi”, em aliança com a tribo Al-Saud, capturou as regiões centrais da Península Arábica, incluindo as cidades santas de Meca e Medina. Isto provocou reações e discussões no mundo muçulmano, inclusive na Indonésia.
No entanto, os primeiros grandes conflitos surgiram no começo do século 19 nos planaltos de Minangkabau na Sumatra Ocidental.[1] Em 1803, os Wahhabis tinham, novamente, assumido o controle dos lugares santos na Arábia. Em seguida, influenciaram muitos estudantes e acadêmicos indonésios que, ao retornar à Indonésia após um período de estudo ou hajj, denunciaram que o islamismo predominante em seu país de origem era sincrético, até pagão ou apóstata.
Muitos locais, que tinham costumes como sucessão matrilinear, rejeitaram fortemente tais noções pretensiosas. Este conflito levou à uma guerra propriamente dita. Em 1815, os que retornavam da Arábia e seus seguidores, conhecidos como Padris, mataram a maioria da família real de Minangkabau. Seus oponentes buscaram ajuda das autoridades coloniais locais, os holandeses, que viram tanto uma ameaça quanto uma oportunidade. Em 1821, os holandeses tomaram o controle da área, contudo enfrentaram uma longa luta que durou até a derrota dos Padris, e o fim da guerra em 1838.
Certamente houve diversos outros fatores importantes além das interpretações rivais do islamismo.[2] Em uma economia em evolução, os comerciantes locais acreditaram que teriam mais oportunidades sob a lei sharia dos Padri do que sob as regulamentações das famílias que estavam no poder. Após a intervenção holandesa, houve também oposição dos anticolonialistas. No entanto, o conflito foi desencadeado pelo lado que queria impor uma forma mais austera do islamismo aos muçulmanos que estavam confortáveis em sua integração com a cultura local.
Reações do século 20 à influência wahhabista
Um século mais tarde, em 1924, o presidente turco Kemal Ataturk, aboliu o califado e os Al-Sauds, em aliança com os Wahhabis, mais uma vez capturaram Meca e Medina. Muçulmanos no mundo todo pensavam em como reagir a estas mudanças e ao novo bloco de poder espiritual que surgia. Diversas conferências foram feitas em Meca e no Cairo sobre o futuro do islamismo, atraindo líderes muçulmanos de todo o mundo e, sob pressão dos Wahhabis, muitos acadêmicos tradicionais, incluindo indonésios, deixaram o que se tornou a Arábia Saudita.
As principais organizações muçulmanas da Indonésia, Muhammadiyah e Nahdlatul Ulama (NU), com cerca de 40 milhões e 50 milhões de seguidores, respectivamente, responderam de forma diferente, mas com pontos em comum:
Muhammadiyah, fundado em 1912, é uma organização reformadora que quer um islamismo mais puro, livre de acréscimos culturais. No entanto, seus membros geralmente querem um islamismo reformado e moderno ao mesmo tempo, diferente do Wahhabismo. Em vez disso, olham para Mohammad Abduh e outros reformadores muçulmanos em busca de alternativas.
A organização tradicionalista NU foi fundada em 1926, em parte como resposta à destruição pelos sauditas de túmulos e outros locais sagrados em Meca e Medina, e aos rumores de que os sauditas pretendiam destruir o túmulo do Profeta. Os fundadores da NU viram isso como ameaça ao verdadeiro islamismo incorporado nas crenças e práticas mais tolerantes, especialmente na Java Oriental[3]. Quando participei do Congresso quinquenal da NU em 2015, fui impactado pela venda de reimpressões da obra Menolak Wahhabi (Wahhabismo rejeitado) de 1922, de Muhammad Faqih Maskumambang, um dos fundadores da NU.
Financiamento e organizações sauditas
Especialmente desde 1975, quando os radicais tomaram a Grande Mesquita em Meca e os aiatolás xiitas subiram ao poder no Irã, a Arábia Saudita tem investido bilhões de dólares exportando seu islamismo no mundo muçulmano. Na Indonésia, estabeleceu mais de 150 mesquitas, forneceu livros para escolas, estabeleceu professores e pregadores próprios, além de distribuir milhares de bolsas de estudo de nível superior para estudos na Arábia Saudita.[4]
No centro deste programa está o Instituto de estudo do islamismo e árabe (LIPIA), uma universidade totalmente financiada pelos sauditas no sul de Jacarta. O LIPIA foi inaugurado em 1980, com o propósito ostensivo de espalhar o conhecimento da língua árabe – indonésio não é permitido no campus. O LIPIA é gratuito, e música, televisão e dar risada alta são proibidos. Homens e mulheres são segregados. O ministério de questões religiosas reconheceu o LIPIA em 2015, mas expressou suas preocupações sobre se o Instituto deveria manter os padrões moderados do islamismo e a filosofia estatal da Indonésia de Pancasila, que consagra a tolerância religiosa. Após a visita do rei saudita Salman a Indonésia em março de 2017, os sauditas expressaram sua vontade de abrir dois ou três outros institutos similares.
Ex-alunos das universidades sauditas têm influência nos círculos extremistas. Incluindo o Habib Rizieq, fundador da Frente Defensora Islâmica, e Jafar Umar Thalib, que fundou a milícia anticristã Laskar Jihad. Em 1972, o dinheiro saudita ajudou a fundar a escola Al-Mukmin em Ngruki, na Java Central, que se tornou ninho de radicais, incluindo alguns que foram parte dos bombardeios em Bali, em 2002. No começo dos anos 2000, o grupo terrorista Jemaaj Islamiyah também recebeu financiamento de caridades sauditas. Agora, muitos destes grupos radicais são autossustentáveis.
Reagindo
Um efeito positivo surgindo do julgamento e encarceramento de Ahok é que muitos indonésios agora percebem que eles têm sido muito complacentes com a disseminação do extremismo, e isso levou à uma campanha mais agressiva para confrontar o radicalismo islâmico. Parte desta reação tem sido a nível de segurança e policiamento.
Após sua campanha para encarcerar outros por blasfêmia, o líder do FPI Rizieq Shihab está sendo investigado por blasfêmia após denúncias de que ele denegriu a Santa Trindade. Ele foi interrogado sobre alegações de ter insultado o Pancasila, o Sukarno (o primeiro presidente reverenciado da Indonésia), e a moeda da Indonésia (ao dizer que as novas notas tinham símbolos comunistas). No dia 30 de maio ele foi acusado sob a lei contra pornografia de ter alegadamente enviado conteúdo sexual explícito à Firza Husein, que foi presa por traição, sob a suspeita de que ela estava tentando orquestrar um golpe. No entanto, a polícia ainda não pode interrogar o Shihab já que ele fugiu para a Arábia Saudita. O governo também anunciou que irá banir o grupo radical Hizb ut-Tahrir uma vez que ele defende a restauração do califado, violando o Pancasila. Além disso, o governo está introduzindo novos regulamentos para evitar a disseminação de pontos de vista radicais em suas universidades.[5]
Implicações globais
A recente revelação da extensão de radicalização na Indonésia é importante não somente para os indonésios, mas para o resto do mundo também. É vinte vezes menos provável que muçulmanos da Indonésia tentem se juntar ao EI do que muçulmanos dos EUA, e 50 vezes menos provável do que muçulmanos do Reino Unido ou de outras partes da Europa. É importante para a igreja por causa da ameaça mundial de muçulmanos radicalizados, além disso, metade dos cristãos do mundo todo que vivem em um país com maioria muçulmana vivem na Indonésia.
O futuro do país é incerto. As esferas religiosas, sociais e políticas estão na tensão máxima, prestes a romper, especialmente se as táticas usadas nas eleições para governador forem repetidas em escala nacional durante a próxima eleição presidencial em 2019. A Indonésia é a terceira maior democracia do mundo e o único país com maioria muçulmana entre as dez maiores economias no mundo. Se o país sucumbir ao radicalismo islâmico ou a governança autoritária, então o futuro do mundo muçulmano, e do restante dele também, parece turbulento.
Como podemos reagir?
Frequentemente, quando não-muçulmanos pensam sobre o islamismo pensam em imagens do Oriente Médio e de árabes, apesar deles formarem somente um quinto dos muçulmanos no mundo todo. Precisamos prestar mais atenção ao grande número de países com maioria muçulmana na Ásia e África, e suas dificuldades com ideais extremistas que surgem especialmente no Oriente Médio. Os sauditas recentemente começaram a argumentar fortemente que querem combater o radicalismo, mas poucas ações acompanham suas palavras. Precisamos pressionar nossos governos para que eles estimulem os sauditas a encerrarem sua propagação mundial do extremismo.
Durante a primavera tive sorte de viajar extensivamente com anciãos indonésios. Um deles, Alwi Shihab, ex-ministro de relações exteriores, e agora representante do presidente indonésio no Oriente Médio e da Organização para Cooperação Islâmica, disse:
Há quinze anos, vocês estavam lutando contra o Al-Qaeda. Agora vocês, e nós, estamos lutando contra o EI. Daqui a 15 anos vocês estarão lutando contra outra organização. Mas é sempre a mesma guerra, sempre a mesma ideologia. Vocês precisam de nós, e nós de vocês. Podemos ser amigos lutando contra um inimigo em comum.
Precisamos de amizades mais profundas com muçulmanos assim.
Notas:
1 For a succinct overview, see M. C. Ricklefs, A History of Modern Indonesia Since C. 1200 (Stanford: Stanford University Press, 2008), 172-175.
2 For caution as to how much Wahhabism was a factor, see Carool Kersten, A History of Islam in Indonesia: Unity in Diversity (Edinburgh: Edinburgh University Press, 2017) 56-57.
3 For an overview, see Jeremy Menchik, Islam and Democracy in Indonesia: Tolerance Without Liberalism (New York: Cambridge University Press, 2016) 48-51.
4 See Krithika Varagur, ‘Saudi Arabia Is Redefining Islam for the World’s Largest Muslim Nation’, Atlantic, March 2, 2017, https://www.theatlantic.com/international/archive/2017/03/saudi-arabia-salman-visit-indonesia/518310/
5 Suherdjoko, ‘New regulation to prevent spread of radicalism on campus’, Jakarta Post, May 6, 2017, http://www.thejakartapost.com/news/2017/05/06/new-regulation-to-prevent-spread-of-radicalism-on-campus.html
• Paul Marshall é professor emérito de liberdade religiosa na Baylor University, e membro sênior no Instituto Leimena em Jacarta e do Instituto Hudson. Ele é autor e editor de vinte livros sobre religião e política, especialmente sobre liberdade religiosa. Suas obras foram traduzidas para albanês, árabe, chinês, tcheco, dinamarquês, persa, francês, alemão, grego, indonésio, italiano, japonês, coreano, malaio, norueguês, polonês, português, russo, espanhol, sueco e ucraniano.
Leia mais
Desafiando o islamismo radical
De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina [Colin Chapman]
Os Cristãos e os Desafios Contemporâneos [John Stott]
Imagem: From ‘free ahok free ahok‘ by izzy (CC BY-NC 2.0).
Por Paul Marshall
As eleições deste ano para governador de Jacarta, capital da Indonésia, chamaram a atenção do mundo todo e resultaram na pior divisão do país desde os anos após a queda do último ditador, Soeharto, em 1998. A campanha envolveu as famílias de quatro ex-presidentes e gerou protestos de até meio milhão de pessoas, difamação difundida sobre religião, etnia e múltiplas investigações policiais de políticos e líderes religiosos bem estabelecidos.
O processo culminou em maio com a prisão do governador em exercício por acusações de blasfêmia. Isso pode sinalizar que a terceira maior democracia do mundo está passando para o domínio autoritário ou islamista.
A controvérsia de Ahok
O governador preso é o Basuki Tjahaja Purnama, conhecido como “Ahok”. Ele é etnicamente chinês em uma sociedade onde os sentimentos anti-China ainda são fortes, e Ahok é um cristão em um país onde 88% da população é muçulmana. No entanto, ele foi disposto e eficiente, o que gerou 70% de aprovação bem cedo, que o tornou favorito para vencer as eleições.
Durante a campanha política em setembro do ano passado, Ahok comentou que o verso do Corão al-Maidah 51, que aconselha os muçulmanos sobre não fazer aliados judeus ou cristãos. O ocorrido está sendo usado indevidamente por alguns clérigos para argumentar que muçulmanos não devem votar por um cristão. Após alguns dias, um vídeo enganoso editado de seus comentários viralizou na internet. O semioficial Conselho de Ulema publicou uma fátua acusando o Ahok de blasfêmia e a Frente Defensora do Islamismo (FPI), que atacou minorias muçulmanas, igrejas e boates, convocou protestos que exigissem o julgamento e prisão de Ahok.
Depois disso, Ahok foi preso e julgado por blasfêmia. Ele continuou sua campanha, mas em 19 de abril ele perdeu com 42% dos votos (contra 58%). O ministério público recomendou uma sentença muito leve de liberdade condicional e um ano de prisão em pena suspensa. No entanto, no dia 9 de maio, os cinco juízes ignoraram esta recomendação e sentenciaram Ahok a 2 anos de prisão. No dia seguinte, três dos juízes que determinaram a sentença foram promovidos ao Supremo Tribunal indonésio.
O veredito dividiu o país de uma forma não vista há décadas. Houve vários protestos em favor de Ahok, no entanto, diversos dos seus simpatizantes têm medo de pronunciar-se. A polícia está em discordância dos militares.
Em famílias divididas pela política, muitos se recusam a estar no mesmo cômodo que seus parentes ou até participar de casamentos dos familiares.
Radicalização
A eleição e julgamento expuseram a radicalização crescente na Indonésia, especialmente entre os mais jovens. Há diversas fontes desta radicalização, inclusive domésticas, mas o maior fator tem sido a rede bem financiada saudita de escolas, bolsas de estudo, imames e mesquitas que tentam substituir a interpretação local do islamismo, que geralmente encoraja a democracia e relacionamento pacífico entre as religiões, com o wahabismo saudita. Tamanha influência saudita tem reaparecido em diversos momentos decisivos na história da Indonésia.
Reações histórias à influência saudita
No século 18, Muhammad ibn Abd al-Wahhab, cujo o nome foi emprestado à interpretação extrema do islamismo “Wahhabi”, em aliança com a tribo Al-Saud, capturou as regiões centrais da Península Arábica, incluindo as cidades santas de Meca e Medina. Isto provocou reações e discussões no mundo muçulmano, inclusive na Indonésia.
No entanto, os primeiros grandes conflitos surgiram no começo do século 19 nos planaltos de Minangkabau na Sumatra Ocidental.[1] Em 1803, os Wahhabis tinham, novamente, assumido o controle dos lugares santos na Arábia. Em seguida, influenciaram muitos estudantes e acadêmicos indonésios que, ao retornar à Indonésia após um período de estudo ou hajj, denunciaram que o islamismo predominante em seu país de origem era sincrético, até pagão ou apóstata.
Muitos locais, que tinham costumes como sucessão matrilinear, rejeitaram fortemente tais noções pretensiosas. Este conflito levou à uma guerra propriamente dita. Em 1815, os que retornavam da Arábia e seus seguidores, conhecidos como Padris, mataram a maioria da família real de Minangkabau. Seus oponentes buscaram ajuda das autoridades coloniais locais, os holandeses, que viram tanto uma ameaça quanto uma oportunidade. Em 1821, os holandeses tomaram o controle da área, contudo enfrentaram uma longa luta que durou até a derrota dos Padris, e o fim da guerra em 1838.
Certamente houve diversos outros fatores importantes além das interpretações rivais do islamismo.[2] Em uma economia em evolução, os comerciantes locais acreditaram que teriam mais oportunidades sob a lei sharia dos Padri do que sob as regulamentações das famílias que estavam no poder. Após a intervenção holandesa, houve também oposição dos anticolonialistas. No entanto, o conflito foi desencadeado pelo lado que queria impor uma forma mais austera do islamismo aos muçulmanos que estavam confortáveis em sua integração com a cultura local.
Reações do século 20 à influência wahhabista
Um século mais tarde, em 1924, o presidente turco Kemal Ataturk, aboliu o califado e os Al-Sauds, em aliança com os Wahhabis, mais uma vez capturaram Meca e Medina. Muçulmanos no mundo todo pensavam em como reagir a estas mudanças e ao novo bloco de poder espiritual que surgia. Diversas conferências foram feitas em Meca e no Cairo sobre o futuro do islamismo, atraindo líderes muçulmanos de todo o mundo e, sob pressão dos Wahhabis, muitos acadêmicos tradicionais, incluindo indonésios, deixaram o que se tornou a Arábia Saudita.
As principais organizações muçulmanas da Indonésia, Muhammadiyah e Nahdlatul Ulama (NU), com cerca de 40 milhões e 50 milhões de seguidores, respectivamente, responderam de forma diferente, mas com pontos em comum:
Muhammadiyah, fundado em 1912, é uma organização reformadora que quer um islamismo mais puro, livre de acréscimos culturais. No entanto, seus membros geralmente querem um islamismo reformado e moderno ao mesmo tempo, diferente do Wahhabismo. Em vez disso, olham para Mohammad Abduh e outros reformadores muçulmanos em busca de alternativas.
A organização tradicionalista NU foi fundada em 1926, em parte como resposta à destruição pelos sauditas de túmulos e outros locais sagrados em Meca e Medina, e aos rumores de que os sauditas pretendiam destruir o túmulo do Profeta. Os fundadores da NU viram isso como ameaça ao verdadeiro islamismo incorporado nas crenças e práticas mais tolerantes, especialmente na Java Oriental[3]. Quando participei do Congresso quinquenal da NU em 2015, fui impactado pela venda de reimpressões da obra Menolak Wahhabi (Wahhabismo rejeitado) de 1922, de Muhammad Faqih Maskumambang, um dos fundadores da NU.
Financiamento e organizações sauditas
Especialmente desde 1975, quando os radicais tomaram a Grande Mesquita em Meca e os aiatolás xiitas subiram ao poder no Irã, a Arábia Saudita tem investido bilhões de dólares exportando seu islamismo no mundo muçulmano. Na Indonésia, estabeleceu mais de 150 mesquitas, forneceu livros para escolas, estabeleceu professores e pregadores próprios, além de distribuir milhares de bolsas de estudo de nível superior para estudos na Arábia Saudita.[4]
No centro deste programa está o Instituto de estudo do islamismo e árabe (LIPIA), uma universidade totalmente financiada pelos sauditas no sul de Jacarta. O LIPIA foi inaugurado em 1980, com o propósito ostensivo de espalhar o conhecimento da língua árabe – indonésio não é permitido no campus. O LIPIA é gratuito, e música, televisão e dar risada alta são proibidos. Homens e mulheres são segregados. O ministério de questões religiosas reconheceu o LIPIA em 2015, mas expressou suas preocupações sobre se o Instituto deveria manter os padrões moderados do islamismo e a filosofia estatal da Indonésia de Pancasila, que consagra a tolerância religiosa. Após a visita do rei saudita Salman a Indonésia em março de 2017, os sauditas expressaram sua vontade de abrir dois ou três outros institutos similares.
Ex-alunos das universidades sauditas têm influência nos círculos extremistas. Incluindo o Habib Rizieq, fundador da Frente Defensora Islâmica, e Jafar Umar Thalib, que fundou a milícia anticristã Laskar Jihad. Em 1972, o dinheiro saudita ajudou a fundar a escola Al-Mukmin em Ngruki, na Java Central, que se tornou ninho de radicais, incluindo alguns que foram parte dos bombardeios em Bali, em 2002. No começo dos anos 2000, o grupo terrorista Jemaaj Islamiyah também recebeu financiamento de caridades sauditas. Agora, muitos destes grupos radicais são autossustentáveis.
Reagindo
Um efeito positivo surgindo do julgamento e encarceramento de Ahok é que muitos indonésios agora percebem que eles têm sido muito complacentes com a disseminação do extremismo, e isso levou à uma campanha mais agressiva para confrontar o radicalismo islâmico. Parte desta reação tem sido a nível de segurança e policiamento.
Após sua campanha para encarcerar outros por blasfêmia, o líder do FPI Rizieq Shihab está sendo investigado por blasfêmia após denúncias de que ele denegriu a Santa Trindade. Ele foi interrogado sobre alegações de ter insultado o Pancasila, o Sukarno (o primeiro presidente reverenciado da Indonésia), e a moeda da Indonésia (ao dizer que as novas notas tinham símbolos comunistas). No dia 30 de maio ele foi acusado sob a lei contra pornografia de ter alegadamente enviado conteúdo sexual explícito à Firza Husein, que foi presa por traição, sob a suspeita de que ela estava tentando orquestrar um golpe. No entanto, a polícia ainda não pode interrogar o Shihab já que ele fugiu para a Arábia Saudita. O governo também anunciou que irá banir o grupo radical Hizb ut-Tahrir uma vez que ele defende a restauração do califado, violando o Pancasila. Além disso, o governo está introduzindo novos regulamentos para evitar a disseminação de pontos de vista radicais em suas universidades.[5]
Implicações globais
A recente revelação da extensão de radicalização na Indonésia é importante não somente para os indonésios, mas para o resto do mundo também. É vinte vezes menos provável que muçulmanos da Indonésia tentem se juntar ao EI do que muçulmanos dos EUA, e 50 vezes menos provável do que muçulmanos do Reino Unido ou de outras partes da Europa. É importante para a igreja por causa da ameaça mundial de muçulmanos radicalizados, além disso, metade dos cristãos do mundo todo que vivem em um país com maioria muçulmana vivem na Indonésia.
O futuro do país é incerto. As esferas religiosas, sociais e políticas estão na tensão máxima, prestes a romper, especialmente se as táticas usadas nas eleições para governador forem repetidas em escala nacional durante a próxima eleição presidencial em 2019. A Indonésia é a terceira maior democracia do mundo e o único país com maioria muçulmana entre as dez maiores economias no mundo. Se o país sucumbir ao radicalismo islâmico ou a governança autoritária, então o futuro do mundo muçulmano, e do restante dele também, parece turbulento.
Como podemos reagir?
Frequentemente, quando não-muçulmanos pensam sobre o islamismo pensam em imagens do Oriente Médio e de árabes, apesar deles formarem somente um quinto dos muçulmanos no mundo todo. Precisamos prestar mais atenção ao grande número de países com maioria muçulmana na Ásia e África, e suas dificuldades com ideais extremistas que surgem especialmente no Oriente Médio. Os sauditas recentemente começaram a argumentar fortemente que querem combater o radicalismo, mas poucas ações acompanham suas palavras. Precisamos pressionar nossos governos para que eles estimulem os sauditas a encerrarem sua propagação mundial do extremismo.
Durante a primavera tive sorte de viajar extensivamente com anciãos indonésios. Um deles, Alwi Shihab, ex-ministro de relações exteriores, e agora representante do presidente indonésio no Oriente Médio e da Organização para Cooperação Islâmica, disse:
Há quinze anos, vocês estavam lutando contra o Al-Qaeda. Agora vocês, e nós, estamos lutando contra o EI. Daqui a 15 anos vocês estarão lutando contra outra organização. Mas é sempre a mesma guerra, sempre a mesma ideologia. Vocês precisam de nós, e nós de vocês. Podemos ser amigos lutando contra um inimigo em comum.
Precisamos de amizades mais profundas com muçulmanos assim.
Notas:
1 For a succinct overview, see M. C. Ricklefs, A History of Modern Indonesia Since C. 1200 (Stanford: Stanford University Press, 2008), 172-175.
2 For caution as to how much Wahhabism was a factor, see Carool Kersten, A History of Islam in Indonesia: Unity in Diversity (Edinburgh: Edinburgh University Press, 2017) 56-57.
3 For an overview, see Jeremy Menchik, Islam and Democracy in Indonesia: Tolerance Without Liberalism (New York: Cambridge University Press, 2016) 48-51.
4 See Krithika Varagur, ‘Saudi Arabia Is Redefining Islam for the World’s Largest Muslim Nation’, Atlantic, March 2, 2017, https://www.theatlantic.com/international/archive/2017/03/saudi-arabia-salman-visit-indonesia/518310/
5 Suherdjoko, ‘New regulation to prevent spread of radicalism on campus’, Jakarta Post, May 6, 2017, http://www.thejakartapost.com/news/2017/05/06/new-regulation-to-prevent-spread-of-radicalism-on-campus.html
• Paul Marshall é professor emérito de liberdade religiosa na Baylor University, e membro sênior no Instituto Leimena em Jacarta e do Instituto Hudson. Ele é autor e editor de vinte livros sobre religião e política, especialmente sobre liberdade religiosa. Suas obras foram traduzidas para albanês, árabe, chinês, tcheco, dinamarquês, persa, francês, alemão, grego, indonésio, italiano, japonês, coreano, malaio, norueguês, polonês, português, russo, espanhol, sueco e ucraniano.
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Desafiando o islamismo radical
De Quem é a Terra Santa? O contínuo conflito entre Israel e a Palestina [Colin Chapman]
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