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A proximidade entre a compulsão e a pecaminosidade latente

Compulsão é o tema principal da edição janeiro-fevereiro da revista Ultimato. Como você provavelmente já sabe, o acesso ao conteúdo da revista corrente é restrito aos assinantes. Mas o Portal Ultimato disponibiliza a todos um dos artigos desta edição. Leia a seguir “A proximidade entre a compulsão e a pecaminosidade latente”, escrito pela redação de Ultimato.

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A proximidade entre a compulsão e a pecaminosidade latente

São duas forças que agem de dentro para fora: a compulsão e a pecaminosidade latente. Às vezes, elas andam de mãos dadas. A diferença entre uma e outra é muito pequena. Os psicólogos tratam mais do primeiro problema, e os pastores, do segundo.

Para a psicóloga clínica Esly Carvalho, de Brasília, compulsão “é uma situação traumática que se manifesta por meio de um comportamento prejudicial à saúde”.

E a pecaminosidade latente? O que é?

É um problema interno, constante, confuso e prejudicial tanto quanto a compulsão. O ser humano se queixa mais dela do que da compulsão.

O lamento mais conhecido é o de Paulo. Em sua carta aos Romanos (capítulo 8), o apóstolo “rasga o verbo”:

Sou um ser “humano e fraco”, pois “fui vendido como escravo ao pecado” (v. 14).

Sou uma pessoa “contraditória”, pois “não faço o de que desejo, mas o que odeio” (v. 15).

Sou um “inveterado pecador”, pois “o pecado habita em mim” (v. 7).

Sou uma “pessoa difícil”, pois “o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer” (v. 19).

Sou uma “pessoa dividida”, pois “no íntimo de meu ser tenho prazer na lei de Deus, mas vejo outra lei atuando nos membros do meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei do pecado que atua nos meus membros” (v. 22-23).

Entre os outros muitos queixosos citados no livro Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero? (Editora Ultimato, 2011), destacamos estes três:

Sêneca: “Somos todos perversos. O que um reprova no outro, ele acha em seu próprio peito. Vivemos entre perversos, sendo nós mesmos perversos”.

Lutero: “O pecado é um hóspede indesejado, e não obstante, habita em nós, em nossa terra, em nosso território”.

Dostoiévski:
“Em todo homem, naturalmente, há um demônio escondido”.

A presença universal da pecaminosidade latente é sentida não apenas por esses vultos do passado nem apenas por religiosos. A questão preocupa todo mundo, inclusive os profissionais da saúde mental, como se pode ver a seguir.

Nas palavras de Freud, “o homem é um barco a deriva num mar de pulsões autodestrutivas”. O criador da psicanálise “nos mostra que o ser humano é inclinado ao mal e que atos perversos são próprios da nossa organização” – explica a psicanalista Maria Rita Kehl. Ela mesmo aconselha: “É melhor admitirmos, humildemente, o mal que nos habita. É a chance de aprendermos a lidar com ele. Pois parece que, quanto mais ignoramos a violência do desejo, mais somos vítimas de suas manifestações”.

Outro psicanalista, Contardo Calligaris, escreve: “Há, às vezes (mais vezes do que parece), escondidas no nosso âmago, ambições envergonhadas ou vergonhosas, que não confessamos nem a nós mesmos”.

Prem Baba, o psicólogo brasileiro que virou guru e que há doze anos vive na Índia, mas viaja pelo mundo inteiro, afirmou numa entrevista: “Todos temos o que chamo de matrizes do eu inferior: gula, preguiça, avareza, inveja, ira, orgulho, luxúria, medo e mentira. São pontos escuros que fazem parte da estrutura psíquica. São como entidades que agem à revelia da vontade consciente. Quanto maior a inconsciência a respeito dos pontos escuros dessa estrutura, menos domínio temos sobre a atuação deles”.

A afirmação de outro psicanalista brasileiro, Francisco Daudt, é chocante: “Há milênios que nossa espécie se acha grande coisa, mas é duro admitir que não estamos com essa bola toda. O último milênio foi cruel com nossa vaidade. Copérnico mostrou que não éramos o centro do universo. Freud mostrou que não mandávamos nem em nosso próprio quintal, que forças ocultas nos manipulam”.

As vozes que denunciam a força da pecaminosidade latente partem de todo canto. Desde o erudito Luis Felipe Pondé até Francisco de Assis Pereira, conhecido como o “Maníaco do Parque”, por ter estuprado e matado, em 1998, seis mulheres no Parque do Estado, na zona sul da capital paulista. O primeiro explica: “Somos seres do desejo e não da razão. Com isso não quero dizer que não sejamos racionais, mas sim que o desejo se impõe à razão. Freud e Lacan bem sabem disso. Schopenhauer e Nietzsche também. Devoramos tudo à nossa volta por conta dessa força irracional chamada desejo”. O segundo confessa: “Eu tenho um lado bom e um ruim, que se sobrepõe ao bom”.

O ex-padre e hoje psicanalista João Batista Ferreira, em entrevista à revista “Época”, pôs o dedo na ferida ao dizer que “o desejo é uma cárie que não pode ser obturada, um buraco que não se preenche”. Há poucos dias o pastor batista Júlio Oliveira Sanches nos humilhou mais uma vez: “Nascemos ruins, crescemos ruins e, com o passar do tempo, aprimoramos a maldade inoculada pelo pecado no coração humano”.

Em 2013, um ano antes de morrer, Dom Aloísio Roque Opperman, arcebispo emérito de Uberaba, deu uma injeção de ânimo: “Cremos que a graça divina pode sublimar nossas tendências – essa é a verdadeira transformação, porque muda o ser humano por dentro”.

Que o leitor avalie qual das duas forças internas – a compulsão ou a pecaminosidade latente – faz mais estragos e é mais difícil de dominar. É bom lembrar que as Súplicas ardentes de um compulsivo humilde [exclusivo a assinantes] podem e devem ser também súplicas ardentes de uma pessoa habitada pelo pecado. Que todos alimentem a esperança da ressurreição, quando teremos corpos novos despidos completamente de qualquer compulsão ou desejo ruim! É a plenitude da salvação, que todos os cristãos aguardam.

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