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Opinião

A primavera: tempo de trocar a convivência com o vírus pelo encontro com os irmãos

Por Luiz Fernando dos Santos
 
‘Ó povo de Sião, alegre-se e regozije-se no Senhor, no seu Deus, pois ele lhe dá as chuvas de outono, conforme a sua justiça. Ele lhe envia muitas chuvas, as de outono e as de primavera, como antes fazia’ (Joel 2.23).
 
(...) ‘vejam, nos campos a neve derrete, as cores vivas das flores estão de volta com o seu doce perfume no ar, ouvi, o canto da pomba rola anuncia, os dias de longa escuridão dão lugar às alegrias da luz. Cristo, nossa luz, brilha nas trevas dos nossos corações, passou o inverno, foi-se o frio, a vida voltou depois da morte’ (citação livre de um sermão de Bernardo de Claraval). Esse belíssimo trecho de um sermão do ‘Doctor Mellifluus’ retrata a brutal mudança entre as estações no hemisfério norte, a passagem do inclemente inverno para a mais amena das estações, a primavera. Bernardo vê na natureza uma parábola da vida que encontra Cristo, o coração gelado e insensível, quase sempre coberto pela escuridão, cede lugar ao calor, à luz e à beleza das cores.

Daqui uns dias também chegará para nós a primavera. Ainda que o nosso inverno não seja tão rigoroso, a primavera não deixa de ser um tempo também especial, é a estação das flores com suas cores e seus perfumes. Este ano, bem que poderíamos seguir o exemplo de Bernardo de Claraval e ler a mudança das estações como um chamado a esperança, de que o estado geral das coisas mude também para as nossas igrejas e para o nosso país. 

Em meio a essa pandemia que cobriu com o manto negro do luto o nosso tempo, fez-se inverno em nossas igrejas. As festivas e espontâneas noites de adoração e comunhão aos domingos foram durante muito tempo impedidas de se realizar. Quando a volta adaptada e controlada foi possível pairou sempre no ar um clima grave e mesmo de tensão em face do real perigo da contaminação. Foram muitas idas e vindas, e não estamos certos se dias ainda duros nos esperam mais à frente. Nesse período muitos irmãos esfriaram em sua participação, pelo menos na participação presencial. Outros, encontraram meios de conviver com o vírus sem ter que conviver com os irmãos e assim ocuparam as manhãs de domingo com outras programações.
 
Não posso deixar de mencionar o inverno que se abateu sobre muitos corações nas trocas de acusações cruéis, descabidas e demoníacas que os discípulos de Cristo passaram a fazer entre si nas redes sociais, por conta de posicionamentos políticos e ideológicos. Tempos de muitas machucaduras. Nunca a “cadeira de Moisés” esteve tão concorrida e tão ocupada com julgamentos sumários. Quantas honras foram destruídas e quantas reputações saíram arranhadas. Muitos crentes cederam a sua primogenitura por um repasto de lentilhas e se autodeterminaram a não participar da “Mesa do Senhor” na companhia dos irmãos. Muitos escolheram para si outros ‘com-panheiros’. De repente, ser cristão ou evangélico tornou-se um motivo para ser o fiador de um projeto político e de poder que nada tem a ver com o evangelho ou com Cristo e o mesmo pode se dizer dos que, em nome do evangelho, se colocam como os seus opositores. Ser ‘conservador’ não é uma marca do evangelho. Ser ‘liberal’, de ‘esquerda’, também não. As questões políticas são importantes, todos nós devemos nos engajar e cada um a seu modo, conforme a sua vocação e inclinação. Entretanto, qualquer que seja o nosso engajamento, não é conveniente que para isso devamos sacrificar a vida em comunidade, o amor e o respeito pelos irmãos, pelos quais Cristo pagou tão alto preço. Não podemos humanizar as nossas convicções no sentido de atacar a pessoa e não enfrentar as ideias. Rotular os irmãos na fé de comunista, nazista, fascista, esquerdopata e não sei mais quantos adjetivos, é uma prova inconteste de que há alguma coisa desarranjada no coração. 

Todavia, a primavera se aproxima, o inverno e seus tons carregados começam a desaparecer e com a chegada da nova estação devemos nos encher de esperança, de vigor, de entusiasmo e como a vida se renova no desabrochar das flores, que renasça em nós um ardoroso amor por Cristo e o culto a ele devido. Que brote em nós um amor fraterno ainda mais intenso por aqueles que Cristo comprou com o seu precioso sangue. Que a ‘parábola da natureza’ nos ensine a deixar para trás uma estação e viver em novidade de vida esta nova oportunidade que se nos apresenta. Que aproveitemos o tempo para servir os irmãos, socorrer os pobres, apoiar e investir em iniciativas missionais e missionárias em nossa ‘Jerusalém’ e até os confins da terra. Que nos encantemos novamente com os domingos, com a alegria do culto, com a convivência pacífica dos irmãos, nos esforçando para carregar os fardos uns dos outros. 

Numa palavra, acolhamos mais uma vez a voz de Jesus: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6.33).
 

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Luiz Fernando dos Santos (1970-2022), foi ministro presbiteriano e era casado com Regina, pai da Talita e professor de teologia no Seminário Presbiteriano do Sul e no Seminário Teológico Servo de Cristo.
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