Opinião
- 08 de outubro de 2014
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A PNPS e a histeria da “Irmandade Evangélica”
Em outubro de 1692, a pequena comunidade de Salem (Massachusetts, EUA), predominantemente evangélica, foi acometida por um surto coletivo de pavor de bruxaria, que durou cerca de um ano. Mais 150 pessoas foram presas, julgadas e cerca de 20 condenadas à morte, a maioria mulheres, por causa de superstição e credulidade.
Em 1938, Orson Wells provocou pânico em milhares de ouvintes crédulos, enquanto narrava em estilo jornalístico, numa transmissão radiofônica, a peça de ficção “A Guerra dos Mundos”, contando a história de uma suposta invasão da Terra por um exército marciano.
Em 2014 uma onda de histeria alcançou alguns cidadãos brasileiros, muitos evangélicos crédulos, depois que foram publicadas pela imprensa mórbida do país, informações distorcidas a respeito da estabilidade democrática da nação brasileira, frente ao decreto 8243 (23.05.2014) que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS). Muitos sequer leram a norma legal e deram vazão à mania de conspiração.
Ocorre, entretanto, que Constituição Federal, em vigor desde de 1988, é profundamente democrática, e estabelece já no seu primeiro artigo, sob o título “Dos Princípios Fundamentais”, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O decreto 8243/14 apenas articula e sistematiza (decretos não criam...), nos termos da Constituição, a legislação referente quanto ao modo como se dá o exercício do poder do povo em sua forma direta. Visa, então, consolidar e enraizar o senso e prática da democracia, indicando para o cidadão quais os instrumentos de que dispõe para expressar as suas opiniões e vontades por canais diretos – e que já estão em vigor! - bem como, dá oportunidades aos governantes e legisladores de auscultarem melhor as expectativas dos cidadãos.
Quem teria receio de ouvir mais e melhor o povo, do qual emana todo poder, povo este que não tem se sentido representado por parlamentares arredios e desconectados dos anseios populares?
Lendo e relendo o decreto 8243/14, verifica-se que a Política Nacional de Participação Social (PNPS), é intrinsecamente democrática e visa robustecer o sistema democrático brasileiro. A PNPS empodera a sociedade civil e reflete valores que são caríssimos ao pensamento e à tradição protestante, historicamente comprometida com a democracia. O decreto propugna, entre outros valores igualitários, o reconhecimento do indivíduo, a autonomia das organizações da sociedade civil, a necessidade de cooperação entre os diferentes entes estatais e a sociedade civil, o respeito à diversidade dos cidadãos, o direito à informação e o dever de transparência por parte dos órgãos públicos, a valorização da educação e da cidadania participativa, a participação social como metodologia governamental e a solidariedade e a cooperação. Ratifica também a participação das organização e movimentos da sociedade, que tem plena liberdade para se associar e fazer-se representar.
São, portanto, inverídicas as críticas levianas e espúrias atribuídas ao documento legal. Faltou leitura do PNPS e entendimento do Estado de Direito.
Claro que a manipulação ideológica do decreto, movida por setores mórbidos da grande imprensa, vinculados a segmentos parlamentares que tentam dominar por meio de aterrorizar o ideário da população ou aqueles que buscam controlar economicamente a sociedade - e aos quais não interessa a mínima ampliação e o aprofundamento da democracia – era esperado. O que causa surpresa, entretanto, é que organizações eclesiais (que aglutinam milhões de seguidores, beneficiários diretos do decreto), formulassem declarações contestatórias ao PNPS, com textos que em nada contribuem para o aperfeiçoamento da prática democrática – sendo apenas eco do discurso de grupos notoriamente reacionários - mostrando-se, assim, subservientes e contrapostas a interesses da sociedade que dizem representar.
Declarações e pronunciamentos, em geral frágeis e superficiais, eivados de erros, tanto na análise como na avaliação do texto do decreto 8243/14, foram elaborados e emitidos ao arrepio do corpo social dos que representam, produzidos sem levar em conta o arcabouço jurídico e garantias da Constituição Federal, invocando a ameaça de fantasmas e imaginando um cenário político fantasioso. Distorções grosseiras de termos, conceitos retirados do seu contexto legal, omissão de informação e deformação de afirmações, entre outras falhas elementares quanto a regras básicas de leitura (hermenêutica), estão presentes nas notas formulados para sustentar compromissos ideológicos e, talvez, até eleitorais.
Teria havido novamente uma instrumentalização de instituições eclesiásticas, por causa de interesses políticos específicos, ideológicos e partidários?
O temor alegado, de eventuais pretensões de extrapolação do poder, precisa ser visto em relação a todos os que almejam qualquer poder político, sem seletividade partidária. Historicamente as igrejas evangélicas brasileiras sempre estiveram envolvidas com questões políticas, tombadas à direita – a maioria, infelizmente, na contramão da democracia, distantes da identidade protestante reformada comprometida com a liberdade e a atenção social aos necessitados. O PNPS é importante por explicitar ao povo como fazer bom uso do poder a favor da coletividade. A chiadeira reverberada pela mídia vem da parte dos círculos sociais que mantêm o monopólio das comunicações e as vantagens derivadas da forma ainda primitiva e limitada de democracia praticada no Brasil. Democracia só o é quando para todos e em todas as dimensões da realidade.
Há benefícios evidentes para a sociedade em ter claros e organizados os mecanismos e ferramentas de diálogo democráticos entre os governantes e a sociedade que os elegeu, inclusive para os conglomerados religiosos, que poderão indicar dentre seus quadros elementos competentes para servir à sociedade.
-- Christian Gillis é pastor da Igreja Batista da Redenção em Belo Horizonte, MG, e membro do Núcleo de Belo Horizonte (MG) da FTL (Fraternidade Teológica Latino-Americana - Setor Brasil. Twitter: @prgillis
Em 1938, Orson Wells provocou pânico em milhares de ouvintes crédulos, enquanto narrava em estilo jornalístico, numa transmissão radiofônica, a peça de ficção “A Guerra dos Mundos”, contando a história de uma suposta invasão da Terra por um exército marciano.
Em 2014 uma onda de histeria alcançou alguns cidadãos brasileiros, muitos evangélicos crédulos, depois que foram publicadas pela imprensa mórbida do país, informações distorcidas a respeito da estabilidade democrática da nação brasileira, frente ao decreto 8243 (23.05.2014) que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS). Muitos sequer leram a norma legal e deram vazão à mania de conspiração.
Ocorre, entretanto, que Constituição Federal, em vigor desde de 1988, é profundamente democrática, e estabelece já no seu primeiro artigo, sob o título “Dos Princípios Fundamentais”, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O decreto 8243/14 apenas articula e sistematiza (decretos não criam...), nos termos da Constituição, a legislação referente quanto ao modo como se dá o exercício do poder do povo em sua forma direta. Visa, então, consolidar e enraizar o senso e prática da democracia, indicando para o cidadão quais os instrumentos de que dispõe para expressar as suas opiniões e vontades por canais diretos – e que já estão em vigor! - bem como, dá oportunidades aos governantes e legisladores de auscultarem melhor as expectativas dos cidadãos.
Quem teria receio de ouvir mais e melhor o povo, do qual emana todo poder, povo este que não tem se sentido representado por parlamentares arredios e desconectados dos anseios populares?
Lendo e relendo o decreto 8243/14, verifica-se que a Política Nacional de Participação Social (PNPS), é intrinsecamente democrática e visa robustecer o sistema democrático brasileiro. A PNPS empodera a sociedade civil e reflete valores que são caríssimos ao pensamento e à tradição protestante, historicamente comprometida com a democracia. O decreto propugna, entre outros valores igualitários, o reconhecimento do indivíduo, a autonomia das organizações da sociedade civil, a necessidade de cooperação entre os diferentes entes estatais e a sociedade civil, o respeito à diversidade dos cidadãos, o direito à informação e o dever de transparência por parte dos órgãos públicos, a valorização da educação e da cidadania participativa, a participação social como metodologia governamental e a solidariedade e a cooperação. Ratifica também a participação das organização e movimentos da sociedade, que tem plena liberdade para se associar e fazer-se representar.
São, portanto, inverídicas as críticas levianas e espúrias atribuídas ao documento legal. Faltou leitura do PNPS e entendimento do Estado de Direito.
Claro que a manipulação ideológica do decreto, movida por setores mórbidos da grande imprensa, vinculados a segmentos parlamentares que tentam dominar por meio de aterrorizar o ideário da população ou aqueles que buscam controlar economicamente a sociedade - e aos quais não interessa a mínima ampliação e o aprofundamento da democracia – era esperado. O que causa surpresa, entretanto, é que organizações eclesiais (que aglutinam milhões de seguidores, beneficiários diretos do decreto), formulassem declarações contestatórias ao PNPS, com textos que em nada contribuem para o aperfeiçoamento da prática democrática – sendo apenas eco do discurso de grupos notoriamente reacionários - mostrando-se, assim, subservientes e contrapostas a interesses da sociedade que dizem representar.
Declarações e pronunciamentos, em geral frágeis e superficiais, eivados de erros, tanto na análise como na avaliação do texto do decreto 8243/14, foram elaborados e emitidos ao arrepio do corpo social dos que representam, produzidos sem levar em conta o arcabouço jurídico e garantias da Constituição Federal, invocando a ameaça de fantasmas e imaginando um cenário político fantasioso. Distorções grosseiras de termos, conceitos retirados do seu contexto legal, omissão de informação e deformação de afirmações, entre outras falhas elementares quanto a regras básicas de leitura (hermenêutica), estão presentes nas notas formulados para sustentar compromissos ideológicos e, talvez, até eleitorais.
Teria havido novamente uma instrumentalização de instituições eclesiásticas, por causa de interesses políticos específicos, ideológicos e partidários?
O temor alegado, de eventuais pretensões de extrapolação do poder, precisa ser visto em relação a todos os que almejam qualquer poder político, sem seletividade partidária. Historicamente as igrejas evangélicas brasileiras sempre estiveram envolvidas com questões políticas, tombadas à direita – a maioria, infelizmente, na contramão da democracia, distantes da identidade protestante reformada comprometida com a liberdade e a atenção social aos necessitados. O PNPS é importante por explicitar ao povo como fazer bom uso do poder a favor da coletividade. A chiadeira reverberada pela mídia vem da parte dos círculos sociais que mantêm o monopólio das comunicações e as vantagens derivadas da forma ainda primitiva e limitada de democracia praticada no Brasil. Democracia só o é quando para todos e em todas as dimensões da realidade.
Há benefícios evidentes para a sociedade em ter claros e organizados os mecanismos e ferramentas de diálogo democráticos entre os governantes e a sociedade que os elegeu, inclusive para os conglomerados religiosos, que poderão indicar dentre seus quadros elementos competentes para servir à sociedade.
-- Christian Gillis é pastor da Igreja Batista da Redenção em Belo Horizonte, MG, e membro do Núcleo de Belo Horizonte (MG) da FTL (Fraternidade Teológica Latino-Americana - Setor Brasil. Twitter: @prgillis
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