Opinião
- 16 de maio de 2012
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A outra mesma história
“Não nos enganemos: o papel histórico de Constantino não será pôr fim às perseguições (...), mas fazer o cristianismo, a religião que adotara, uma religião favorecida de todas as maneiras, ao contrário do paganismo”.
Esta afirmação pertence ao historiador francês Paul Veyne que procurou responder a questão de “quando o nosso mundo se tornou cristão”. Para ele, foi “na data de 29 de outubro de 312 (e não no pretenso ‘édito de Milão’ em 313) que se pode situar o marco-fronteira entre antiguidade pagã e a época cristã”.
Neste dia, os escudos dos soldados romanos levaram a inscrição do símbolo cristão, a cruz. A “conversão” do imperador Constantino se deu a partir de um sonho “no qual o Deus dos cristãos lhe prometeu a vitória, se ele proclamasse a sua nova religião”, antes da batalha vitoriosa contra o general Maxêncio que dominava a Itália. A ambiguidade marcou as ações de Constantino, bem como os demais imperadores que lhe sucederam.
No quarto século, os cristãos eram 1/10 da população do antigo império romano. Templos e prédios públicos passaram a ser financiados pelo Estado. Instituiu-se uma tolerância com os pagãos, porquanto ainda eram a maioria da população, e suas práticas foram limitadas pela força de decretos públicos. A “conquista” cristã se deu pelo cansaço de uma religiosidade exaurida e coibida de se manifestar. Este processo não significou, necessariamente, a adesão convicta à fé cristã. Agostinho pensou que o reino de Deus milenar havia chegado com um império convertido, embora decadente.
No alvorecer deste século, o cristianismo era um movimento religioso minoritário, teologicamente plural na sua base, marcantemente feminino, periférico e perseguido. Tornar-se-ia uma religião majoritária, institucionalizada, uniformizada, controlada pelos homens, elitizada e conquistadora. Assimilou a estrutura política e administrativa do decadente império e “romanizou-se”, impondo esta configuração à totalidade dos fiéis.
A religião cristã institucionalizada conquistou espaço, reconhecimento e privilégios. Começou a moldar o mundo com a sua cultura e os seus valores. Dois ou três séculos depois o mundo se tornaria “cristão”, superando o paganismo. No entanto, este nunca se extinguiu, inclusive dentro das próprias práticas cristãs. No chamado período medieval tais reminiscências afloraram na Europa central, contradizendo o sucesso da cristianização dos “bárbaros” e ameaçando a cristandade.
Este mundo se tornou “cristão” por meio da conquista de territórios, da imposição religiosa, de alianças políticas e do uso de diferentes formas de violência simbólica contra inimigos da fé.
Por outro lado, mais do que uma data ou um sonho supersticioso, o mundo se tornou cristão não por causa de um imperador e de um império. Antes, foi por um seguimento do Senhor Jesus Cristo a partir de um movimento de baixo para cima e permeado no cotidiano da vida comum. Ele alcançou todos os estratos sociais por meio do testemunho, do martírio, da solidariedade com os pobres e desvalidos, das práticas de justiça, de misericórdia, de retidão e de uma evangelização baseada na humanização dos relacionamentos pessoais. Esta é a outra mesma história.
Na abertura do Congresso Mundial de Evangelização Lausanne 3, na Cidade do Cabo, África do Sul, em outubro de 2010, foi projetado um vídeo discorrendo sobre a história do cristianismo. As imagens e a narrativa foram de uma perspectiva ocidental: a da conquista, do conflito, das guerras, dos embates teológicos e de muito sangue derramado, não somente dos mártires cristãos, mas de judeus, de islâmicos, de hereges de inimigos da fé verdadeira.
Esta não foi a totalidade da história religiosa do cristianismo. Pois nem uma antiguidade pagã foi superada e muito menos uma época cristã foi estabelecida em sua plenitude. Por sua vez, a outra mesma história é mais coerente com o Evangelho do Reino.
Fonte:
VEYNE, Paul. Quando o nosso mundo se tornou cristão. Trad. Artur Mourão. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2009.
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Lyndon de Araújo Santos é historiador, professor universitário e pastor da Igreja Evangélica Congregacional em São Luís, MA. Faz parte da Fraternidade Teológica Latino-americana - Setor Brasil (FTL-Br).
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