Opinião
- 26 de fevereiro de 2020
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A necessária oração aos jovens pastores
Por Fernando Coêlho Costa
Artigo em memória de Edward Robinson de Barros Cavalcanti e Miriam Nunes Machado Cotias Cavalcanti, falecidos em 26.02.2012.
Artigo em memória de Edward Robinson de Barros Cavalcanti e Miriam Nunes Machado Cotias Cavalcanti, falecidos em 26.02.2012.
Há oito anos, nestes dias de fevereiro, surge uma lembrança no coração e mente de todos aqueles que tiveram suas vidas e ministérios influenciados por alguma leitura, conversa ou convívio com o Bispo Robinson Cavalcanti. A relação entre religião e política foi um tema constante nos escritos de Robinson. Mas muito mais que isso, ele falou sobre Igreja, fé e devoção. Pode-se dizer que seu pensamento foi orientado pela convergência entre o que é cristianismo (tradição e credos) e de como os cristãos deveriam viver (engajamento sócio-político).
Robinson Cavalcanti era um irmão em Cristo disposto a ver a Igreja brasileira firme em suas bases doutrinárias e tradicionais e atuante em suas demandas de evangelização e serviço à sociedade. Para ilustrar essa afirmação, recordo uma de suas falas na formatura de uma turma de Teologia, publicada na Revista Ultimato, com o título Oração aos jovens pastores (Edição 245, março de 1997).1
Sua fala àquele grupo de formandos foi uma espécie de prece ao encorajamento de lideranças à função pastoral e teve os seguintes tópicos: um rito de passagem, uma crise de identidade, uma missão integral, uma natureza humana, uma rica herança e uma gratidão. Concordando com a afirmação de Maurice Halbwachs de que a memória coletiva contém as memórias individuais, mas não se confunde com elas, cabe agora ouvirmos sua oração aos jovens pastores, tentando ser parte da resposta de Deus para esse momento da Igreja no Brasil.2
Um rito de passagem
Ao comentar que a conclusão de um curso de nível superior, em Teologia, em “um país habitado por milhões de sem-escola e sem vez [...] pressupõe uma resposta ao chamado divino para conhecê-lo mais, para conhecer mais de sua criação, e para uma vida comprometida de serviço ao Rei e ao reino”, ele trouxe à tona três reflexões necessárias.
A primeira foi a dimensão histórica, chamando os novos ministros do evangelho à necessidade de consciência dos “desacertos e erros do Povo da Nova Aliança ao curso da sua rica trajetória” e um chamamento à valorização da herança, segundo ele, “nem sempre assumidas em um tempo sem memória, sem raízes e sem legados”, que cada vez mais fragiliza a identidade de ministros cristãos.
A segunda reflexão foi sobre a dimensão católica daquele evento. A oração pedia que aquele grupo escutasse a voz do Espírito, que “soprava entre os diversos povos e culturas, manifestando a multiforme graça de Deus”, o que faria com que fossem minadas as tentações do sectarismo e do etnocentrismo.
A última atenção mencionada na oração foi quanto ao ensino-aprendizagem dos novos ministros. Os currículos e práticas dos cursos de formação pastoral, missionária, musical e de educação religiosa tinham de lidar com a “tarefa nada fácil de conciliar excelência intelectual, maturidade espiritual e capacitação profissional, a partir do barro de cada um e sob pressões variadas e nada sutis de todos os lados”. Sua preocupação era a de refletir se os currículos e filosofias pedagógicas estavam atendendo às necessidades regionais e brasileira.
Uma crise de identidade
Quem são os ministros cristãos no Brasil? Segundo Robinson Cavalcanti, essa resposta viria da conciliação entre “o que eles e a igreja e o país” entendiam sobre quem são (ou deveriam ser) e o que fazem (ou deveriam fazer). Cabe aos ministros do evangelho ficarem restritos aos seus círculos religiosos e não dialogar com os diversos setores da sociedade civil e Estado? Por outro lado, cabe a eles o desfile carnavalesco com um ‘Jesus’ de várias faces, em nome de uma hermenêutica das minorias? É necessário o reconhecimento de certa crise de identidade entre igrejas (espaço público), ministros (lideranças formais) e de presença (manifestações não institucionais).
A reflexão proposta por Robinson aos jovens pastores pode ser instigada pela pergunta: “O que é ser ministro da Palavra e dos Sacramentos segundo o coração de Deus e para o coração do povo deste tempo e lugar?” Para ele, o conteúdo da própria missão da igreja era a chave para a compreensão de como seria possível construir ou reconstruir o perfil bíblico da identidade de cada ministro. A missão deveria deixar de ser “parcializada ou unilateralizada”. A origem dessa postura tinha relação com “nossos medos e preconceitos”, derivava de “nossas leituras apressadas ou superficiais, pelos interesses institucionais ou de classe”.
Uma Missão Integral
“Toda missão da igreja para toda necessidade do povo, a partir de todo o conselho de Deus, sob todo o poder de Deus”. Esta é a mensagem que os cristãos devem ter em mente quando estudam para ser ministros do evangelho. Essa integralidade, na visão de Robinson Cavalcanti, sinalizava:
a) “a proclamação das boas novas, o ensino do depósito apostólico, a integração terapêutica à comunidade de fé, o serviço misericordioso ao carente do corpo e da alma, a corajosa denúncia profética às iniquidades dos poderes e sistemas deste mundo e o compromisso inquestionável com a vida e a natureza”.
b) em nível pessoal, “cada um deverá se comprometer na diversidade das suas vocações, talentos e dons na diversidade de suas necessidades e possibilidades”. Assim, ministros especializados e trabalho em equipe seriam imprescindíveis na missão, já que ninguém sozinho teria a totalidade dos dons.
c) esses novos ministros deveriam aprender a lidar com o caráter pluralista das religiões no Brasil, o que demandava ministros corajosos e sensíveis para tornar o Evangelho relevante a esta geração.
Uma natureza humana
“Cada jovem formado deverá buscar a força e a paz interior para resistir à pressão à produtividade, aos números que, em nossa sociedade secularizada e neoliberal, terminam por ser constituir, tiranicamente, nos únicos indicadores de sucesso”.
O apelo de Robinson Cavalcanti era para que os vocacionados atentassem para a relação entre vocação e produtividade. Já que algumas instituições religiosas atuam na perspectiva empresarial da religião, eles (os ministros) deveriam se lembrar se sua fragilidade, vulnerabilidade e chamado. Isso tinha a ver com “assumir a natureza humana de Jesus, a própria natureza e a natureza humana dos irmãos” como o caminho para mais saúde emocional e menos neurose entre o povo de Deus. Afinal, o “pequenino rebanho, o rebanho dos mártires, não é, nunca foi, e nunca será uma empresa”.
Uma rica herança e uma gratidão
No último tópico do texto, Robinson exalta os ricos recursos teológicos da herança reformada com seus credos e confissões e também os recursos de sabedoria e poder do Espírito. Isso seria possível se os ministros do evangelho acreditassem, como ele acreditava, “na contemporaneidade de todo o ministério e toda manifestação do Espírito Santo”.
Ele encerra sua oração aos jovens pastores agradecendo pela honra do convite e desejando que os formandos exercessem seus respectivos ministérios de forma “mais protestantes e menos afavorantes, mais brasileiros e menos exóticos, comprometidos com o Cristo da cruz e com a cruz do Cristo”.
Que esta oração continue sendo ouvida por Cristo e pelos ministros cristãos brasileiros. Amém!
Notas
1. CAVALCANTI, Robinson. Oração aos jovens pastores. Ultimato, Viçosa, ed. 245, mar. 1997.
2. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003, p.72.
>> Conheça o livro Reflexões de uma vida: memórias de um ministério, de Robinson Cavalcanti
Fernando Coêlho Costa é historiador, teólogo, cientista das religiões e pesquisador do Protestantismo Brasileiro. Atuou como Assessor da ABUB, como pastor e hoje está envolvido na Geração de Líderes Jovens do Movimento Lausanne. É autor de Política, Religião e Sociedade: a contribuição protestante de Robinson Cavalcanti (Ed.CRV). Siga no Instagram: @fernandocoelhocosta. Conheça o Instituto Robinson Cavalcanti.
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