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Opinião

A música na Bíblia e a Bíblia na música

Por Paulo Roberto Teixeira
 
Há poucas semanas, o oboé do meu filho passou por uma revisão. Aproveitei para levar também minha flauta transversal, que já me acompanha há quase 40 anos. No ateliê, tocava uma música familiar. Perguntei ao técnico se era o “Va pensiero”, coro da ópera Nabucco, que Verdi compôs em meados do século 19. Ele confirmou e complementou: “Bela ópera, não?!”. “Sim”, assenti, “uma bela história bíblica”. O homem olhou-me com certo espanto. “Bíblica? Arrisco falar de música; de Bíblia, muito pouco. Mas sei que a Bíblia e a música têm muito a ver uma com a outra.” Acontece que, não muito tempo antes, minha família e eu assistimos à ópera Nabucco, no Teatro Municipal de São Paulo, sob a batuta do grande maestro Roberto Minczuk, e, por isso, com a lembrança vívida do libreto e da performance, não foi tão difícil encontrar no roteiro ecos do Salmo 137 e dos livros dos profetas Jeremias, Daniel e Ezequiel. Seguiu-se um bate-papo bastante envolvente, movido à curiosidade pelo conhecimento histórico e à paixão pela Bíblia e pela música.
 
A Bíblia e a música têm realmente muito a ver uma com a outra. Primeiramente, a Bíblia fala da música. Como sumarizei em outro artigo recentemente publicado pela Ultimato (O que a Bíblia fala sobre a arte), há na Bíblia muitas manifestações e alusões à música e à poesia, remetendo a um mundo de sons, tons, ritmos e harmonias. Jubal é reputado como “o pai de todos os que tocam harpa e flauta” (Gn 4.21). Jacó abençoa seus filhos com belos versos, cujas rimas estão nos pensamentos, e não nos sons (Gn 49). Moisés e Miriã celebram a libertação do Egito com cânticos (Êx 15.1-21). As vitórias de Davi são festejadas com música e dança (1Sm 18.7). Salmos são entoados pelo povo de Deus ao som de instrumentos e corais. Jesus e seus discípulos mais chegados cantam um hino, possivelmente um dos salmos, após a instituição da Santa Ceia (Mt 26.30). Paulo e Silas entoam hinos na prisão (At 16.25). Estudiosos do Novo Testamento creem que Filipenses 2.5-11 poderia ser um dos hinos entoados pela Igreja Primitiva. Paulo conclama os cristãos a que “louvem a Deus com salmos, hinos e cânticos espirituais” (Cl 3.16). E o Apocalipse está repleto de hinos de vitória e louvor ao Cordeiro vencedor (Ap 5; 11; 14; 15).
 
Mas a Bíblia não apenas fala de música. Sua mensagem é expressa em música. O próprio texto do Antigo Testamento, por exemplo, pode ser cantado. Escribas judeus, conhecidos como massoretas, colocaram marcas no texto hebraico de modo a facilitar e a embelezar a leitura e o canto dos textos. E, passando o tempo, encontramos as leituras bíblicas do Antigo e do Novo Testamentos – agora já traduzidas para o latim – também sendo entoadas ipsis litteris, de forma recitativa, no canto gregoriano, parte essencial da liturgia cristã medieval. Também Calvino, no despontar da Reforma, adotará o Saltério bíblico – o mesmíssimo texto dos salmos – como o hinário dos cultos em Genebra. A perda ou o desconhecimento das melodias originais nunca foi impedimento para que novas melodias servissem de suporte para que o texto da Bíblia continuasse sendo transmitido de geração em geração.
 
E por falar em gerações, cada uma sempre terá os seus hinos e estilos prediletos. Não há como, nem por que, lutar contra isso. A Palavra permanece; a forma de compartilhá-la, especialmente quando aliada à música, muda constantemente. E as Escrituras que motivaram um Giuseppe Verdi a compor “Nabucco” continuam inspirando talentosos músicos a plasmarem novas e belas canções que aplicam a Palavra à vida e enlevam o ser. Logo, todo músico cristão vive plantado nas Escrituras (Sl 1.3), deixando-se ser lido e moldado e inspirado por elas para compor e tocar e impactar o mundo com um novo cântico (Sl 98.1).
 
Lutero costumava colocar a música ao lado da teologia. Em certa ocasião, ele disse: “A música é o melhor remédio para quem está triste, pois devolve a paz ao coração, renova e refrigera. A música é um belo e glorioso presente de Deus, muito semelhante à teologia. Eu não trocaria meus poucos dons de música por nada neste mundo!”.
 
Concordo com o reformador. Eu também não trocaria. Por graça de Deus, tenho a honra de devotar minha vida ao estudo e ao ensino das Escrituras Sagradas. Por bondade divina, também a música me acompanha desde a infância. Minha flauta continua soando e, enquanto tiver voz, a elevarei ao meu Criador e Redentor. E, como a Bíblia e a música têm tudo a ver uma com a outra, assim vou caminhando, tendo as Escrituras e a música por companheiras.
 
• Paulo Roberto Teixeira é secretário de Tradução e Publicações da Sociedade Bíblica do Brasil. Bacharel em Teologia e em Letras (Linguística, Hebraico e Português), é especialista em Língua e Literatura Hebraica pela USP e em Tradutologia e Administração Editorial pelo Summer Institute of Linguistics/University of Texas.



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