Opinião
- 20 de maio de 2014
- Visualizações: 5812
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
A mulher dominada e oprimida na igreja
O androcentrismo eclesiástico faz parte da dubiedade e duplicidade de pesos e medidas a que nos acostumamos. Afirmações sobre o homem como ser humano padrão não levam em conta um pensamento libertador “ginocêntrico” (gnecos = mulher, no grego). Pergunta-se, com justiça, por que só os contextos de vida e as experiências masculinas são levados em conta, dando-lhes “validade universal”. Nem é preciso imaginar muito para ver como demora à mulher oprimida a chegada dos direitos humanos universais (o sufrágio universal, entre os direitos mínimos numa democracia androcêntrica, chegou para a mulher brasileira alfabetizada somente em 1930). Nenhuma novidade dentro da igreja, para todos, uma vez que outras questões afins aos direitos humanos, como racismo, homofobia, direitos sociais, direitos cidadãos, socialização da economia e dos bens essenciais, também são ignoradas, no mais das vezes.
Questões que se referem ao “todo” da sociedade humana também não entram na maioria das comunidades cristãs. Direitos dos pobres, dos explorados e marginalizados, relação de justiça com a natureza e o mundo criado, violência estrutural, fazem parte do círculo vicioso onde está inserida a mulher e suas responsabilidades. Aqui, tantas vezes, com a mulher fazendo parte, ou, pervertida, sendo solidária com o explorador e dominador. Mulheres vestindo a pele do predador não constituem novidade, a exemplo daquela pesquisa recente sobre o consentimento do estupro1. Consequência da contaminação cultural da qual não se isenta a igreja. Nem a mulher na sociedade autoritária.
É duríssimo para a mulher libertária que o preconceito androcêntrico onipresente a exclua da velocidade necessária, e só lhe conceda o alcance gota a gota dos direitos fundamentais, no trabalho, na transmissão cultural, nas lutas por direitos humanos e sociais, por exemplo. Dentro da Igreja, é preciso tirar as máscaras da objetividade masculina contra a subjetividade feminina, aparentemente harmonizadas no culto e no serviço. Principalmente quando se evidencia a presença do divino sem exclusivismo de gênero. A presença visível perceptível, “teofania”, comunicação de Deus em Jesus Cristo, clama por justiça através de relações recíprocas de justiça entre homens e mulheres. Nada mais forte, nessa teologia, que a medida do humano alcançando o homem e a mulher nas dimensões mais profundas do ser libertário, na luta contra o sofrimento da humanidade. Isso é mais e maior que tudo.
Perigos de guerra, comoções, riscos sociais, violência e opressão, perseguição por causa da busca da liberdade, ocasionam sofrimento a homens e mulheres, de igual modo. Por que os gastos exorbitantes com a Copa do Mundo, a distribuição de renda entre os famintos e miseráveis, as questões que envolvem o trabalho, a urbanização humanizada e mobilidade urbana, não interessariam à mulher? Indistintamente. Não há sentido algum na discriminação da mulher, não há isenção feminina nestas situações, especialmente porque seu sofrimento é ainda maior que o do homem, nestes cenários.
É preciso dizer que o Novo Testamento incorporou a ideologia patriarcal herdada do judaísmo e da cultura greco-romana nos chamados códigos de conduta doméstica (Col 3.18-19; Ef 5.22-24; 1Pe 2.13). Na Primeira Carta aos Coríntios (14.34-35), há o intento de calar as mulheres reduzindo-as ao direito de apenas profetizar. As proibições para as mulheres, relativas a ensinar, batizar, dirigir a Ceia do Senhor, continuaram em documentos posteriores. No período pós-apostólico, ou na segunda geração da igreja inicial, as mulheres, no oficialato eclesiástico, tinham funções consideravelmente diminuídas em importância2. O bispo eliminava até a autorização de profetizar. A igreja se institucionalizara.
Deve-se isso à forte pressão da cultura patriarcal greco-romana. A comunidade local, casa-igreja, é comparável a um aparelho subversivo na igreja patriarcal posterior. Porém, onde estariam as mulheres judias do movimento de Jesus? Inventa-se, depois, uma forma de domínio para submeter a mulher ao que se chamaria “patriarcado amoroso”. Sabiamente, Elza Tamez recusa esse eufemismo sugerindo: “patriarcalismo de amor é uma denominação que não diz nada, porque não deixa de ser patriarcalismo”.
Quando Paulo fala do sofrimento como “synodinei”, “dores de parto” (Rm 8.18-25), refere-se ao “presente” de todos os seres criados, porém, na esperança: “um dia o Universo ficará livre do poder destruidor que o mantém escravo”. A mulher sabe muito bem o que é “dor de parto”3. Talvez só ela saiba. Maria, mulher exemplar no Evangelho, dá à luz uma criança que vem para simbolizar todas as liberdades. Com dor. Sabe que dessas dores não nasce a morte, mas sim a vida diante de Deus. Vida para toda a Criação, pelo parto do Salvador.
Hoje, o desafio é trazer à teologia “ierusalemita” (centrada no judaísmo “cristão”)4 dos ministérios – uma vez que os 15 primeiros capítulos de Atos se apegam aos acontecimentos iniciais da comunidade espiritual de Jerusalém – o que foi incorporado pela teologia paulina das liberdades e dos direitos na comunidade dos fiéis à concepção de inclusão de gênero: “...não há homem ou mulher... pois todos sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-29). Isso sem esquecer que o “sacerdócio real de todos os crentes” não exclui a mulher dos ministérios e da vida de serviço da Igreja de Cristo. Pela Graça de Deus.
Nota:
1. IPEA – Folha de S. Paulo – 2014/04/14.
2. Elza Tamez
3. Helen Shüngel-Straumann
4. Há muitos que ignoram não ser o cristianismo um prolongamento do judaísmo.
Leia também
Ordenação feminina
Caminhos da graça
Deixem que elas mesmas falem
Questões que se referem ao “todo” da sociedade humana também não entram na maioria das comunidades cristãs. Direitos dos pobres, dos explorados e marginalizados, relação de justiça com a natureza e o mundo criado, violência estrutural, fazem parte do círculo vicioso onde está inserida a mulher e suas responsabilidades. Aqui, tantas vezes, com a mulher fazendo parte, ou, pervertida, sendo solidária com o explorador e dominador. Mulheres vestindo a pele do predador não constituem novidade, a exemplo daquela pesquisa recente sobre o consentimento do estupro1. Consequência da contaminação cultural da qual não se isenta a igreja. Nem a mulher na sociedade autoritária.
É duríssimo para a mulher libertária que o preconceito androcêntrico onipresente a exclua da velocidade necessária, e só lhe conceda o alcance gota a gota dos direitos fundamentais, no trabalho, na transmissão cultural, nas lutas por direitos humanos e sociais, por exemplo. Dentro da Igreja, é preciso tirar as máscaras da objetividade masculina contra a subjetividade feminina, aparentemente harmonizadas no culto e no serviço. Principalmente quando se evidencia a presença do divino sem exclusivismo de gênero. A presença visível perceptível, “teofania”, comunicação de Deus em Jesus Cristo, clama por justiça através de relações recíprocas de justiça entre homens e mulheres. Nada mais forte, nessa teologia, que a medida do humano alcançando o homem e a mulher nas dimensões mais profundas do ser libertário, na luta contra o sofrimento da humanidade. Isso é mais e maior que tudo.
Perigos de guerra, comoções, riscos sociais, violência e opressão, perseguição por causa da busca da liberdade, ocasionam sofrimento a homens e mulheres, de igual modo. Por que os gastos exorbitantes com a Copa do Mundo, a distribuição de renda entre os famintos e miseráveis, as questões que envolvem o trabalho, a urbanização humanizada e mobilidade urbana, não interessariam à mulher? Indistintamente. Não há sentido algum na discriminação da mulher, não há isenção feminina nestas situações, especialmente porque seu sofrimento é ainda maior que o do homem, nestes cenários.
É preciso dizer que o Novo Testamento incorporou a ideologia patriarcal herdada do judaísmo e da cultura greco-romana nos chamados códigos de conduta doméstica (Col 3.18-19; Ef 5.22-24; 1Pe 2.13). Na Primeira Carta aos Coríntios (14.34-35), há o intento de calar as mulheres reduzindo-as ao direito de apenas profetizar. As proibições para as mulheres, relativas a ensinar, batizar, dirigir a Ceia do Senhor, continuaram em documentos posteriores. No período pós-apostólico, ou na segunda geração da igreja inicial, as mulheres, no oficialato eclesiástico, tinham funções consideravelmente diminuídas em importância2. O bispo eliminava até a autorização de profetizar. A igreja se institucionalizara.
Deve-se isso à forte pressão da cultura patriarcal greco-romana. A comunidade local, casa-igreja, é comparável a um aparelho subversivo na igreja patriarcal posterior. Porém, onde estariam as mulheres judias do movimento de Jesus? Inventa-se, depois, uma forma de domínio para submeter a mulher ao que se chamaria “patriarcado amoroso”. Sabiamente, Elza Tamez recusa esse eufemismo sugerindo: “patriarcalismo de amor é uma denominação que não diz nada, porque não deixa de ser patriarcalismo”.
Quando Paulo fala do sofrimento como “synodinei”, “dores de parto” (Rm 8.18-25), refere-se ao “presente” de todos os seres criados, porém, na esperança: “um dia o Universo ficará livre do poder destruidor que o mantém escravo”. A mulher sabe muito bem o que é “dor de parto”3. Talvez só ela saiba. Maria, mulher exemplar no Evangelho, dá à luz uma criança que vem para simbolizar todas as liberdades. Com dor. Sabe que dessas dores não nasce a morte, mas sim a vida diante de Deus. Vida para toda a Criação, pelo parto do Salvador.
Hoje, o desafio é trazer à teologia “ierusalemita” (centrada no judaísmo “cristão”)4 dos ministérios – uma vez que os 15 primeiros capítulos de Atos se apegam aos acontecimentos iniciais da comunidade espiritual de Jerusalém – o que foi incorporado pela teologia paulina das liberdades e dos direitos na comunidade dos fiéis à concepção de inclusão de gênero: “...não há homem ou mulher... pois todos sois um em Cristo Jesus” (Gl 3.26-29). Isso sem esquecer que o “sacerdócio real de todos os crentes” não exclui a mulher dos ministérios e da vida de serviço da Igreja de Cristo. Pela Graça de Deus.
Nota:
1. IPEA – Folha de S. Paulo – 2014/04/14.
2. Elza Tamez
3. Helen Shüngel-Straumann
4. Há muitos que ignoram não ser o cristianismo um prolongamento do judaísmo.
Leia também
Ordenação feminina
Caminhos da graça
Deixem que elas mesmas falem
É pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e autor de livros como “Pedagogia da Ganância" (2013) e "O Dragão que Habita em Nós” (2010).
- Textos publicados: 94 [ver]
- 20 de maio de 2014
- Visualizações: 5812
- comente!
- +A
- -A
- compartilhar
QUE BOM QUE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI.
Ultimato quer falar com você.
A cada dia, mais de dez mil usuários navegam pelo Portal Ultimato. Leem e compartilham gratuitamente dezenas de blogs e hotsites, além do acervo digital da revista Ultimato, centenas de estudos bíblicos, devocionais diárias de autores como John Stott, Eugene Peterson, C. S. Lewis, entre outros, além de artigos, notícias e serviços que são atualizados diariamente nas diferentes plataformas e redes sociais.
PARA CONTINUAR, precisamos do seu apoio. Compartilhe conosco um cafezinho.
Leia mais em Opinião
Opinião do leitor
Para comentar é necessário estar logado no site. Clique aqui para fazer o login ou o seu cadastro.
Ainda não há comentários sobre este texto. Seja o primeiro a comentar!
Escreva um artigo em resposta
Para escrever uma resposta é necessário estar cadastrado no site. Clique aqui para fazer o login ou seu cadastro.
Ainda não há artigos publicados na seção "Palavra do leitor" em resposta a este texto.
Assuntos em Últimas
- 500AnosReforma
- Aconteceu Comigo
- Aconteceu há...
- Agenda50anos
- Arte e Cultura
- Biografia e História
- Casamento e Família
- Ciência
- Devocionário
- Espiritualidade
- Estudo Bíblico
- Evangelização e Missões
- Ética e Comportamento
- Igreja e Liderança
- Igreja em ação
- Institucional
- Juventude
- Legado e Louvor
- Meio Ambiente
- Política e Sociedade
- Reportagem
- Resenha
- Série Ciência e Fé Cristã
- Teologia e Doutrina
- Testemunho
- Vida Cristã
Revista Ultimato
+ lidos
- Em janeiro: CIMA 2025 - Cumpra seu destino
- Corpos doentes [fracos, limitados, mutilados] também adoram
- Cheiro de graça no ar
- Vem aí o Congresso ALEF 2024 – “Além dos muros – Quando a igreja abraça a cidade”
- Todos querem Ser milionários
- A visão bíblica sobre a velhice
- Vem aí o Congresso AME: Celebremos e avancemos no Círculo Asiático
- A colheita da fé – A semente caiu em boa terra, e deu fruto
- IV Encontro do MC 60+ reúne idosos de todo o país – Um espaço preferencial
- A era inconclusa