Opinião
- 20 de maio de 2009
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A metáfora da mão e a ética da inclusão
Na Bíblia, a “metáfora da mão” torna evidente a intenção reconciliadora do coração de um Deus que não tem um outro nome próprio pelo qual deseja ser invocado com maior alegria do que o de “Pai”, Pai-Nosso.
As mãos de Deus se tornaram solidárias ao ser humano destituído de vida nas mãos que foram pregadas na cruz por causa do pecado de todo mundo. Essa foi a mensagem que revolucionou toda história, deixando nela, a “vívida memória” de que foi com as mãos de um cordeiro santo pregado na cruz que Deus revelou-se a si mesmo, descortinando nela o que de mais sublime se poderia ler na recitada “poesia do amor que inclui”, endereçada ao “ser humano ontologicamente alienado” (Ernst Bloch).
Nas mãos do Cristo, o sangue vertido se transforma em “boa nova” de salvação para quem quer olhar para o futuro com a certeza de que “nenhuma condenação há mais para os que estão nele”. A “teologia da mão” revela a intencionalidade originante de uma mensagem encantadora que quer ser esperança de vida e saúde a qualquer ser humano que se encontre doente e ferido, a saber: a reconciliação solidária que convida o desamparado a ser incluso no divã do amor divino pela via do perdão. Esta é a ternura que se pode inferir da teologia da mão pregada na cruz do calvário.
Ora, se a dimensão moral da fé cristã não pode ser pensada em termos de autorreferencialidade (ação moral que nasce do Eu com flagrante intenção de autocentralização), em virtude do exemplo ético deixado por Deus na morte do Crucificado no Gólgota, mister se faz salientar a função social que o efeito moral da morte vicária de Cristo quis preconizar na história. A metáfora da mão sugestiona uma dimensão kenótica1 (esvaziamento do Eu) da resignação humana que produz “a inclusão do outro” como forma paradigmática de ação social que deve marcar a natureza e a vocação da intersubjetividade cristã no mundo.
Num país como o Brasil, marcado por diferenças sociais alarmantes, viceja a necessidade de se repensar o significado da missão querigmática dos cristãos na sociedade atual. Com o aumento significativo da desigualdade social, outro fenômeno que também cresce na sociedade brasileira é o da indiferença ao sofrimento alheio. O sentindo da “humanização do ser humano”, como se preconiza na Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann, pretende relativizar o efeito psicológico que o processo de exclusão protagonizado pelo ideal capitalístico de vida da sociedade industrial produziu no imaginário coletivo.
A cruz de Cristo é a mais contundente ferramenta de protesto político que a fé cristã tem em suas mãos para despotenciar a fome de matar que o “ethos” capitalista produziu na consciência coletiva. Nela, a inclusão dos excluídos se deu (e ainda se dá) pela via do “sacrifício de um em favor de todos”. Através dela, o caminho de reconciliação estrutural do ser humano consigo mesmo e com o outro pode reorizontalizar a perspectiva socioafetiva que se propugna na política da “desalienação ontológica”.
O medo crescente da violência nos grandes centros urbanos talvez seja fruto da inoperância ética do cristianismo histórico na atual sociedade brasileira. O ideal terapêutico da teologia da reconciliação do Novo Testamento deve ser compreendido em sua dimensão política macrossocial, isto é, deve apontar para todos com a intenção de redimir a todos. A fome de produzir alienação intrassocial, como se preconiza no estilo de vida de uma “racionalidade capitalística” na sociedade de produção e consumo, deve ser neutralizada através de uma penetrante reviravolta antropológica do ideal ético da “teologia da cruz”. Viver o ideal de integração humana que nela se propugna, em termos de micro e macro inclusão (tanto social quanto psicoexistencial), deve ser a máxima moral de normatização ética da fé cristã em nossos dias. É para esta finalização política que grita o apelo antropológico da “spero ut intelligam” de que nos falou Jürgen Moltmann, reinterpretando a escatologia cristã para os nossos dias.
Na metáfora da mão, a “sensibilidade humana”, variável psicossocial que se desvaneceu na era da globalização da informação, reaparece em forma de “eco” proveniente do “pathos” alheio para reconquistar o espaço perdido na agenda de prioridades da fé cristã em sua vocação mundana. Viver a dimensão “diaconal para inclusão” proposta nela é o desafio que cabe a cada um de nós que nos identificamos como seguidores de Cristo. Vale a pena relembrarmos aqui as palavras de Jesus quando diz: “Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5.13).
Notas
1. O sentido parassemântico do conceito aplicado aqui é psicoantropológico. O sentido tradicional da kenosis de Deus (Fp 2) não deve ser entendido aqui.
• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.
As mãos de Deus se tornaram solidárias ao ser humano destituído de vida nas mãos que foram pregadas na cruz por causa do pecado de todo mundo. Essa foi a mensagem que revolucionou toda história, deixando nela, a “vívida memória” de que foi com as mãos de um cordeiro santo pregado na cruz que Deus revelou-se a si mesmo, descortinando nela o que de mais sublime se poderia ler na recitada “poesia do amor que inclui”, endereçada ao “ser humano ontologicamente alienado” (Ernst Bloch).
Nas mãos do Cristo, o sangue vertido se transforma em “boa nova” de salvação para quem quer olhar para o futuro com a certeza de que “nenhuma condenação há mais para os que estão nele”. A “teologia da mão” revela a intencionalidade originante de uma mensagem encantadora que quer ser esperança de vida e saúde a qualquer ser humano que se encontre doente e ferido, a saber: a reconciliação solidária que convida o desamparado a ser incluso no divã do amor divino pela via do perdão. Esta é a ternura que se pode inferir da teologia da mão pregada na cruz do calvário.
Ora, se a dimensão moral da fé cristã não pode ser pensada em termos de autorreferencialidade (ação moral que nasce do Eu com flagrante intenção de autocentralização), em virtude do exemplo ético deixado por Deus na morte do Crucificado no Gólgota, mister se faz salientar a função social que o efeito moral da morte vicária de Cristo quis preconizar na história. A metáfora da mão sugestiona uma dimensão kenótica1 (esvaziamento do Eu) da resignação humana que produz “a inclusão do outro” como forma paradigmática de ação social que deve marcar a natureza e a vocação da intersubjetividade cristã no mundo.
Num país como o Brasil, marcado por diferenças sociais alarmantes, viceja a necessidade de se repensar o significado da missão querigmática dos cristãos na sociedade atual. Com o aumento significativo da desigualdade social, outro fenômeno que também cresce na sociedade brasileira é o da indiferença ao sofrimento alheio. O sentindo da “humanização do ser humano”, como se preconiza na Teologia da Esperança de Jürgen Moltmann, pretende relativizar o efeito psicológico que o processo de exclusão protagonizado pelo ideal capitalístico de vida da sociedade industrial produziu no imaginário coletivo.
A cruz de Cristo é a mais contundente ferramenta de protesto político que a fé cristã tem em suas mãos para despotenciar a fome de matar que o “ethos” capitalista produziu na consciência coletiva. Nela, a inclusão dos excluídos se deu (e ainda se dá) pela via do “sacrifício de um em favor de todos”. Através dela, o caminho de reconciliação estrutural do ser humano consigo mesmo e com o outro pode reorizontalizar a perspectiva socioafetiva que se propugna na política da “desalienação ontológica”.
O medo crescente da violência nos grandes centros urbanos talvez seja fruto da inoperância ética do cristianismo histórico na atual sociedade brasileira. O ideal terapêutico da teologia da reconciliação do Novo Testamento deve ser compreendido em sua dimensão política macrossocial, isto é, deve apontar para todos com a intenção de redimir a todos. A fome de produzir alienação intrassocial, como se preconiza no estilo de vida de uma “racionalidade capitalística” na sociedade de produção e consumo, deve ser neutralizada através de uma penetrante reviravolta antropológica do ideal ético da “teologia da cruz”. Viver o ideal de integração humana que nela se propugna, em termos de micro e macro inclusão (tanto social quanto psicoexistencial), deve ser a máxima moral de normatização ética da fé cristã em nossos dias. É para esta finalização política que grita o apelo antropológico da “spero ut intelligam” de que nos falou Jürgen Moltmann, reinterpretando a escatologia cristã para os nossos dias.
Na metáfora da mão, a “sensibilidade humana”, variável psicossocial que se desvaneceu na era da globalização da informação, reaparece em forma de “eco” proveniente do “pathos” alheio para reconquistar o espaço perdido na agenda de prioridades da fé cristã em sua vocação mundana. Viver a dimensão “diaconal para inclusão” proposta nela é o desafio que cabe a cada um de nós que nos identificamos como seguidores de Cristo. Vale a pena relembrarmos aqui as palavras de Jesus quando diz: “Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens” (Mt 5.13).
Notas
1. O sentido parassemântico do conceito aplicado aqui é psicoantropológico. O sentido tradicional da kenosis de Deus (Fp 2) não deve ser entendido aqui.
• Anderson Clayton, casado, dois filhos, é doutor em teologia e doutorando em sociologia. É professor do Instituto Superior de Teologia Luterana e pastor colaborador na Igreja Confessional Luterana.
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