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Por Escrito

A máquina de costura, minha mãe e eu

Por Silêda Steuernagel
 
A velha Singer da minha mãe veio morar comigo depois que ela partiu. E ocupa um lugar nobre entre os meus livros, no meu cantinho de escrever. Mais do que uma simples lembrança, ela é um memorial, uma presença viva a relembrar-me, sempre de novo, das entrelinhas com que mamãe, na sua profunda sabedoria e singeleza, ajudou a tecer a minha história.
 
Esta velha Singer preta marcou profundamente a minha infância, assim como as lições e as histórias que mamãe contava aos filhos enquanto pedalava a sua pesada máquina de costura, remendando e consertando os resultados das nossas travessuras. Família simples e de poucos recursos, nós éramos uma prole que não parava de crescer; e ela mesma fazia as nossas roupas, transformando peças usadas que ganhava em belas camisas e encantadores vestidos novos que ela mesma idealizava para nós. E enquanto costurava, ela cantava e nos contava histórias, geralmente arrematadas com um versículo bíblico que nos fazia pensar. Sem sermões.  
 
Mamãe ensinava por parábolas. Para toda situação ela tinha um ensino de uma profundidade instigante, e em cada detalhe do cotidiano ela enxergava uma lição e um aprendizado para a vida. E costurava ensinos “puxando fios”  a partir das coisas mais singelas e de fatos corriqueiros do cotidiano.              
 
Um dia, ela me perguntou: “Quer aprender a costurar? Assim, você pode me ajudar e ainda fazer os seus próprios vestidos”. Eu era ainda menina e o desafio me fascinou: mamãe estava me propondo tarefa de gente grande!
 
Começamos com panos de prato e lençóis; depois, pequenos reparos nas roupas dos manos, nas barras dos vestidos... Quando foi ficando mais difícil, mamãe, mulher sábia e perspicaz, apelou para aquilo que me interessava então: roupa de boneca. Com cuidado e paciência, foi me ensinando a escolher os retalhos, moldar, recortar, dar um nozinho na linha antes de enfiá-la na agulha e juntar as peças uma à outra, alinhavar tudo com cuidado e arrematar com segurança, para ser finalizado por ela na máquina de costura. 
 
Antes de costurar, o projeto montado por mim tinha de passar pelo escrutínio dela. Ela sempre olhava primeiro o lado avesso e, não raramente, me mandava refazer o trabalho. 
 
- Mas, mamãe, você olhou do lado avesso! Olhe o lado direito, como ficou bonito! 
 
- E estes nós soltos e malfeitos aqui atrás? Sabe, filha, cada nozinho, mesmo os mais escondidos, tem de ser delicado, mas bem firme. Um nó desleixado, além de ficar feio, não segura a costura. No começo é difícil e precisa paciência, mas este é o segredo de uma boa costura. E da vida.
 
- Mas, mamãe, isso é roupa de boneca, não tem problema! Eu quero mesmo é costurar roupa de verdade. 
 
- Quando você aprender a levar as roupas de boneca a sério, e aprender que um bom vestido não é apenas aquele lado bonito que as pessoas veem, então estará pronta para fazer roupa de verdade. 
 
Mamãe me ensinou que os nós serviam para começar a costura com segurança; depois, se eu começasse do jeito certo, não precisaria mais depender deles. E o avesso deveria ser tão digno de mostrar quanto o lado direito. Aprendi também que há uma diferença entre bordar, cerzir e remendar. O bordado é decorativo e o remendo é uma junção de peças que se estragaram, para aproveitá-las. Já o cerzido é um esforço paciente e minucioso para restaurar um tecido rasgado à sua aparência e resistência original. Se algum dia a vida me surpreendesse com situações de carência, ensinou ela, era importante saber costurar à mão, remendar e cerzir com muita paciência, persistência e dedicação. “Quando você crescer”, ela dizia com um certo ar de mistério, “se prestar bem atenção, verá que com as pessoas também é assim”. 
 
Um dia, quando me viu furiosa com a minha irmã, mamãe me chamou para costurar e me mostrou, na máquina, como funciona o pé de costura. “A linha de cima, bem enfiada”, explicou, “desce fundo até encontrar a linha da bobina lá embaixo, onde os dois fios se abraçam e sobem juntos. Sem esse entrelaçamento a costura não funciona e o mecanismo trava. Você entendeu?”. Então, com um abraço carinhoso, ela sugeriu: “E agora, que tal chamar a sua irmã para fazerem isso juntas?”. E saiu cantarolando: “Enquanto depender de vocês, tenham paz uns com os outros”
 
Lições de vida que eu nunca esqueci. E levei para a vida, junto com o gosto pela costura. Curiosamente, o gosto pela costura levou-me bem mais além das roupas e do hobby. Com o tempo, fui descobrindo no ato de costurar uma forma de amar e um espaço de reflexão. Muitas vezes, enquanto reviso ou traduzo um livro, vou me refugiar na máquina de costura em busca de uma ideia ou de uma palavra que não vem.

Há, no exercício da paciência e na importância de atentar para os detalhes, uma curiosa similaridade entre estes dois espaços criativos. E, com o tempo, ao ouvir pessoas em aconselhamento (muitas vezes enquanto costurava), fui percebendo que ouvir e respeitar o outro requer aquele mesmo movimento de esperar-e-ir, de dar-e-receber, de receber-e-dar, de descer ao encontro do outro lá no fundo e trazê-lo de volta à superfície, cuidadosamente entrelaçados, como fazem a agulha e a bobina de uma máquina de costura.

É por isso que muitas vezes, ao ser deparada com situações de impotência ou conflitos relacionais, eu busco o silêncio solitário na máquina de costura. É o meu espaço de escuta, reflexão e aprendizado. Muitas vezes é ali, juntando retalhos e tentando encaixar pedaços de tecido entre si, ao som ritmado da máquina de costura, que eu consigo não só desvencilhar as ideias, mas também ouvir a Voz daquele que escuta os meus próprios ruídos interiores e me traz descanso. Afinal, Ele "conhece de longe os meus pensamentos", pois foi ELE que "criou o íntimo do meu ser e me teceu no ventre da minha mãe" (Salmo 139). Foi o Senhor Deus quem costurou a minha história.
 
• Silêda Silva Steuernagel é escritora, tradutora, palestrante e um coração que ouve.
 
Foto: Silêda S. Steuernagel

 

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