Opinião
- 23 de junho de 2017
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A justiça, os tribunais e a religião
Por Timóteo Carriker
AMÓS FALA HOJE
Ai de vocês que fazem a justiça virar pó e arrastam a justiça na lama!
....Não suporto os encontros religiosos de vocês....
Eu quero justiça — um mar de justiça.
Eu quero integridade — rios de integridade.
É isso que eu quero. Isso é tudo que eu quero.
[Amos 5.7, 21-24, Bíblia “A Mensagem”)
Ao longo do Livro de Amós, o profeta relata repetidamente o contraste gritante entre a luxúria dos ricos e a miséria dos pobres.
Os governantes usavam os tribunais para encher os seus bolsos e cofres. Os ricos gozavam uma vida indolente e indulgente nas suas casas de inverno e de verão (3.13; 6.11), enquanto os pobres eram alvos de exploração econômica e fiscal (2.6-8; 4.1; 5.10-12; 8.4-6).
Enquanto isto, a religião florescia dentro da nação. As pessoas se dirigiam em massa para os santuários na época das festas (4.4s; 5.5s) para realizarem rituais elaborados de sacrifício (5.21-24). E lá cultuavam Iahweh com ar de superioridade e arrogância (5.14, 18-20; 6.3).
Foi neste contexto que Amós (760-750 a.C.), embora reconhecesse a graça de Deus na história de Israel (2.9-12), alerta que o povo estava tão sujeito ao julgamento da justiça de Deus quanto as outras nações (capítulos 1-2; 5-7). O julgamento, o terrível Dia do Senhor, será a sua destruição e cativeiro pelo Império Assírio.
Amós foi chamado para anunciar a palavra de Deus, a chegada do Dia do Senhor, que seria um dia não de redenção, e sim, de fogo e de destruição. “Chegou o fim para o povo de Israel” (8.2; compare 5.2). Por quê? Por causa da sua eleição. Deus disse: “No mundo inteiro, vocês são o único povo que eu escolhi para ser meu. Por isso, tenho de castigá-los por causa de todos os pecados que vocês cometeram”. Israel fora escolhido para ser uma bênção e abençoar todas as famílias da terra. Mas descambou feio. Ao invés de ser uma bênção, um povo justo e reto, Israel virara um opressor refletindo não o caráter de Deus, mas o caráter das culturas ao seu redor, que viviam explorando os fracos em benefício próprio. Em síntese, Israel somente é povo de Deus à medida que guarda a lei e exibe a justiça.
O cerne do problema
Por trás desta situação e no centro da vida nacional havia um mal básico que é repetido ao longo do livro: a opressão dos mais fracos (2.6-8; 3.9-10; 4.1; 5.11-12; 6.6; 8.4-6). Os fracos, também chamados de “pobres”, “aflitos” e até mesmo de “justos” no sentido de “inocentes”, estes eram vendidos como escravos (2.6), despojados (2.6; 8.6), explorados (8.5; 5.11) e ignorados (6.6). A profecia de Amós era a resposta de Iahweh ao grito destes fracos porque os fracos e os pobres ao longo da Bíblia são os objetos especiais da compaixão e da preocupação de Iahweh. E a obrigação por parte do povo de Deus de proteger e respeitar o fraco na sua fraqueza é o tema de todos os relatos das normas da aliança de Deus com o seu povo preservados no Antigo Testamento. Não é assunto passageiro.
Os dois termos favoritos nas Escrituras que descrevem o comportamento que Iahweh exige do seu povo são mišpāt e tsedeq, a justiça e a retidão, dois lados da mesma moeda (5.7, 15, 24; 6.12). Não existe retidão onde não há justiça, e a justiça sem a retidão não passa de uma paródia. A retidão é a conduta correta, especificamente o processo reto e correto nas cortes que fornecem a justiça para o fraco. Enfim, fazer o bem (5.6, 14). E era exatamente justiça e retidão que faltavam em três esferas da vida pública: 1) na administração da justiça nos tribunais, 2) a confiança na afluência das classes sociais mais altas, e 3) o culto a Deus nos santuários. Os processos judiciais foram corrompidos pelos ricos e poderosos e eram usados como instrumento de opressão (5.12; 2.7).
Diante disso, Deus não ouviria o louvor de uma congregação surda para a angústia do próximo. Muito menos estes opressores deveriam contar com a graça de Deus.
E hoje?
Acredito que o Brasil está passando pela pior crise política desde 1964. Temos assistido um nível de corrupção apartidária, que quebra todos os recordes. O que o Livro de Amós tem a ver com esta nossa situação? Por um lado, pouco. Por outro lado, bastante.
Por um lado, o Livro de Amós nos diz pouco a respeito da situação nacional que vivemos hoje porque a sua mensagem se dirige principalmente para Israel (1.1). Não que Amós não diga nada a respeito de governos fora de Israel. Muito pelo contrário. O livro começa com o anúncio de julgamento severo primeiro contra os povos da Síria (1.3-5), da Filisteia (1.6-8), do Tiro (1.9-10), de Edom (1.11-12), de Amom (1.13-15), de Moabe (2.1-3) e depois de Samaria (3.9-15). A lista de crimes destas nações inclui violência, escravidão, guerras, desrespeito, corrupção, desonestidade, roubalheiras e ostentação. Deus castiga essas nações porque ele age dentro da história deles também (9.7). Ele pode convocar uma nação para executar a Sua ira contra outra nação (6.14). Ele é Deus das nações, não só de Israel. O mundo inteiro é sujeito à Sua ordem e serve ao Seu propósito até mesmo através dos desastres naturais (7.1, 4; 4.6-11). Não existe região ou espaço além do Seu alcance e da Sua autoridade. O Seu poder alcança até mesmo o inferno (9.2-4).
Mas esta não é a ênfase principal do Livro de Amós. Aqui a ênfase está na responsabilidade do povo de Deus, diante da sua eleição, de ser bênção para todas as famílias da terra, sal e luz onde somos plantados. O peso cai mesmo sobre nós. Cai sobre nós porque temos a responsabilidade de mostrar para o resto da humanidade aquilo que Deus deseja de todos e participar da nova humanidade que Ele está criando. Por isso, entre nós, povo de Deus, o sine qua non da nossa conduta é a “dupla” justiça e retidão, ou amar a Deus e o nosso próximo, enfim, amar concretamente uns aos outros e especialmente os menos cuidados, os menos estáveis social e economicamente, isto é, os menos amados na prática.
Conclusão
A verdadeira espiritualidade não é aquele jejum “sagrado” com orações de belas palavras, mas é um estilo de vida diário que reflete o caráter justo de Deus para com o próximo.
O que é que eu quero que vocês façam nos dias de jejum?... Eu quero que soltem aqueles que foram presos injustamente, que tirem de cima deles o peso que os faz sofrer, que ponham em liberdade os que estão sendo oprimidos, que acabem com todo tipo de escravidão. O jejum que me agrada é que vocês repartam a sua comida com os famintos, que recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não têm e que nunca deixem de socorrer os seus parentes. (Isaías 58.5-7).
Ser povo de Deus implica em refletir algo do caráter de Deus, e isto inclui fundamentalmente a a justiça.
LEIA TAMBÉM:
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....Não suporto os encontros religiosos de vocês....
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Eu quero integridade — rios de integridade.
É isso que eu quero. Isso é tudo que eu quero.
[Amos 5.7, 21-24, Bíblia “A Mensagem”)
Ao longo do Livro de Amós, o profeta relata repetidamente o contraste gritante entre a luxúria dos ricos e a miséria dos pobres.
Os governantes usavam os tribunais para encher os seus bolsos e cofres. Os ricos gozavam uma vida indolente e indulgente nas suas casas de inverno e de verão (3.13; 6.11), enquanto os pobres eram alvos de exploração econômica e fiscal (2.6-8; 4.1; 5.10-12; 8.4-6).
Enquanto isto, a religião florescia dentro da nação. As pessoas se dirigiam em massa para os santuários na época das festas (4.4s; 5.5s) para realizarem rituais elaborados de sacrifício (5.21-24). E lá cultuavam Iahweh com ar de superioridade e arrogância (5.14, 18-20; 6.3).
Foi neste contexto que Amós (760-750 a.C.), embora reconhecesse a graça de Deus na história de Israel (2.9-12), alerta que o povo estava tão sujeito ao julgamento da justiça de Deus quanto as outras nações (capítulos 1-2; 5-7). O julgamento, o terrível Dia do Senhor, será a sua destruição e cativeiro pelo Império Assírio.
Amós foi chamado para anunciar a palavra de Deus, a chegada do Dia do Senhor, que seria um dia não de redenção, e sim, de fogo e de destruição. “Chegou o fim para o povo de Israel” (8.2; compare 5.2). Por quê? Por causa da sua eleição. Deus disse: “No mundo inteiro, vocês são o único povo que eu escolhi para ser meu. Por isso, tenho de castigá-los por causa de todos os pecados que vocês cometeram”. Israel fora escolhido para ser uma bênção e abençoar todas as famílias da terra. Mas descambou feio. Ao invés de ser uma bênção, um povo justo e reto, Israel virara um opressor refletindo não o caráter de Deus, mas o caráter das culturas ao seu redor, que viviam explorando os fracos em benefício próprio. Em síntese, Israel somente é povo de Deus à medida que guarda a lei e exibe a justiça.
O cerne do problema
Por trás desta situação e no centro da vida nacional havia um mal básico que é repetido ao longo do livro: a opressão dos mais fracos (2.6-8; 3.9-10; 4.1; 5.11-12; 6.6; 8.4-6). Os fracos, também chamados de “pobres”, “aflitos” e até mesmo de “justos” no sentido de “inocentes”, estes eram vendidos como escravos (2.6), despojados (2.6; 8.6), explorados (8.5; 5.11) e ignorados (6.6). A profecia de Amós era a resposta de Iahweh ao grito destes fracos porque os fracos e os pobres ao longo da Bíblia são os objetos especiais da compaixão e da preocupação de Iahweh. E a obrigação por parte do povo de Deus de proteger e respeitar o fraco na sua fraqueza é o tema de todos os relatos das normas da aliança de Deus com o seu povo preservados no Antigo Testamento. Não é assunto passageiro.
Os dois termos favoritos nas Escrituras que descrevem o comportamento que Iahweh exige do seu povo são mišpāt e tsedeq, a justiça e a retidão, dois lados da mesma moeda (5.7, 15, 24; 6.12). Não existe retidão onde não há justiça, e a justiça sem a retidão não passa de uma paródia. A retidão é a conduta correta, especificamente o processo reto e correto nas cortes que fornecem a justiça para o fraco. Enfim, fazer o bem (5.6, 14). E era exatamente justiça e retidão que faltavam em três esferas da vida pública: 1) na administração da justiça nos tribunais, 2) a confiança na afluência das classes sociais mais altas, e 3) o culto a Deus nos santuários. Os processos judiciais foram corrompidos pelos ricos e poderosos e eram usados como instrumento de opressão (5.12; 2.7).
Diante disso, Deus não ouviria o louvor de uma congregação surda para a angústia do próximo. Muito menos estes opressores deveriam contar com a graça de Deus.
E hoje?
Acredito que o Brasil está passando pela pior crise política desde 1964. Temos assistido um nível de corrupção apartidária, que quebra todos os recordes. O que o Livro de Amós tem a ver com esta nossa situação? Por um lado, pouco. Por outro lado, bastante.
Por um lado, o Livro de Amós nos diz pouco a respeito da situação nacional que vivemos hoje porque a sua mensagem se dirige principalmente para Israel (1.1). Não que Amós não diga nada a respeito de governos fora de Israel. Muito pelo contrário. O livro começa com o anúncio de julgamento severo primeiro contra os povos da Síria (1.3-5), da Filisteia (1.6-8), do Tiro (1.9-10), de Edom (1.11-12), de Amom (1.13-15), de Moabe (2.1-3) e depois de Samaria (3.9-15). A lista de crimes destas nações inclui violência, escravidão, guerras, desrespeito, corrupção, desonestidade, roubalheiras e ostentação. Deus castiga essas nações porque ele age dentro da história deles também (9.7). Ele pode convocar uma nação para executar a Sua ira contra outra nação (6.14). Ele é Deus das nações, não só de Israel. O mundo inteiro é sujeito à Sua ordem e serve ao Seu propósito até mesmo através dos desastres naturais (7.1, 4; 4.6-11). Não existe região ou espaço além do Seu alcance e da Sua autoridade. O Seu poder alcança até mesmo o inferno (9.2-4).
Mas esta não é a ênfase principal do Livro de Amós. Aqui a ênfase está na responsabilidade do povo de Deus, diante da sua eleição, de ser bênção para todas as famílias da terra, sal e luz onde somos plantados. O peso cai mesmo sobre nós. Cai sobre nós porque temos a responsabilidade de mostrar para o resto da humanidade aquilo que Deus deseja de todos e participar da nova humanidade que Ele está criando. Por isso, entre nós, povo de Deus, o sine qua non da nossa conduta é a “dupla” justiça e retidão, ou amar a Deus e o nosso próximo, enfim, amar concretamente uns aos outros e especialmente os menos cuidados, os menos estáveis social e economicamente, isto é, os menos amados na prática.
Conclusão
A verdadeira espiritualidade não é aquele jejum “sagrado” com orações de belas palavras, mas é um estilo de vida diário que reflete o caráter justo de Deus para com o próximo.
O que é que eu quero que vocês façam nos dias de jejum?... Eu quero que soltem aqueles que foram presos injustamente, que tirem de cima deles o peso que os faz sofrer, que ponham em liberdade os que estão sendo oprimidos, que acabem com todo tipo de escravidão. O jejum que me agrada é que vocês repartam a sua comida com os famintos, que recebam em casa os pobres que estão desabrigados, que deem roupas aos que não têm e que nunca deixem de socorrer os seus parentes. (Isaías 58.5-7).
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teólogo, missionário da Igreja Presbiteriana Independente, capelão d’A Rocha Brasil e surfista nas horas vagas. Pela Editora Ultimato, é autor de O Propósito de Deus e a Nossa Vocação, A Visão Missionária na Bíblia e Trabalho, Descanso e Dinheiro. É blogueiro da Ultimato.
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