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Opinião

A igreja em ação em Pacaraima - “O maior fracasso é não participar, é não se comprometer. Não existe amor sem riscos, não existe evangelho sem cruz”

Entrevista
 
Por Giovanna Leopoldi
 
Referência no trabalho humanitário, setor em que atua há quase 30 anos, a psicóloga Zazá Lima esteve em Roraima pela primeira vez na última semana de agosto. Conhecer parte do corredor migratório de quem deixa a Venezuela, agora, faz parte da história da mulher que já esteve em diversos campos de refugiados pelo mundo, como Tunísia, Sudão do Sul e Síria.
 
No estado, Zazá acompanhou as ações do “Ven, Tú Puedes” e do “Esperança sem Fronteiras”, projetos da ONG Visão Mundial frente ao fluxo venezuelano; esteve na sede da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), importante parceira na implementação de cursos de língua portuguesa e profissionalizantes e acompanhou a entrega do Capital Semente, ajuda financeira concedida a migrantes e refugiados para abrir o próprio negócio no Brasil. 
 
Além disso, Zazá visitou ocupações espontâneas em Pacaraima, onde são desenvolvidas atividades educativas junto a crianças migrantes e refugiadas, e também participou da entrega de cestas básicas para combater a fome de famílias em situação de vulnerabilidade. 
 
Em parceria com Ultimato, a Visão Mundial entrevistou Zazá a respeito de sua visita a Paracaima. Leia a seguir.
 
Você está acostumada a acompanhar refugiados na Europa, Norte da África e Oriente. Como é a experiência de deparar-se com um grupo tão expressivo de refugiados e migrantes em sua terra natal?
 
Foi uma surpresa, uma emoção profunda encontrar com tantas pessoas em situação de refúgio em Pacaraima. A cidade fala espanhol, os sotaques se misturam, a tristeza salta das filas enormes onde pessoas cansadas e sofridas tentam recuperar a esperança e reconstruir o futuro. Como as notícias vão desaparecendo da mídia, essa realidade vai ficando esquecida, invisível e distante.
 
Acostumar mesmo não sei se nos acostumamos. Estive por muitos lugares, mas cada lugar é novo, é diferente. O tempo vai passando, mas as marcas ficam impregnadas, a dor é grande nesses lugares, a gente chora junto, ora, esperança e continua. Tem graça e muita beleza! Deus caminha nesses lugares, Ele sabe o que é a dor, experimentou o sofrimento e não se desviou dele.
 
Já estou fora do Brasil há 26 anos, e, nessa última viagem ao país, tive o privilégio de visitar Pacaraima e Venezuela. A viagem se deu em uma parceria entre a Visão Mundial e o Retalhos de Esperança com o projeto o Reino do Aqui e com o apoio logístico da Convenção das Igrejas Batistas Independentes (CIBI). Essas parcerias rompem as nossas próprias fronteiras e nos levam a dar as mãos em colaboração. A Maria, migrante do texto escrito pela Silvana Bezerra, nos inspirou profundamente e nos convidou a construir novos espaços de escuta das crianças e abordar novas mesas de encontros. Foi o texto lido e recriado pelas crianças em um processo de escuta das suas experiências de travessia e sonhos futuros, como parte de um trabalho previamente feito e que continuará. 
 
Fui recebida calorosamente pela equipe da Visão Mundial em Roraima que me acompanhou em várias visitas a diferentes organizações envolvidas na acolhida de pessoas refugiadas venezuelanas. Foi encorajador ver um trabalho sério, comprometido e dignificador que eles estão fazendo. Quero celebrar o esforço feito por muitas organizações para trabalharem juntas. Foi bonito ver atitudes de amor e cuidado contribuindo para a reconstrução de vidas e histórias em circunstâncias de dor e sofrimento. Ressalto que não quero, de forma alguma, romantizar situações tristes e complexas e reconheço os desafios e dificuldades presentes nesses contextos. Fiquei feliz de ver pessoas do meu país sendo parte desses abraços de acolhida e da construção de espaços de cuidado e afeto, de anúncio e de denúncia.
 
Há boas notícias da igreja em ação em Pacaraima? O que você viu que lhe trouxe esperança?
 
Sim, há boas notícias! O grão de mostarda pequeno e frágil se transforma em árvore hospitaleira. A placa escrita igreja acolhedora não passa despercebida. A pastora Osanir e o pastor Galvão são incansáveis anfitriões. O nome da igreja é Casa de Oração Para Todas as Nações, e isso era realidade palpável naquele lugar. Na liturgia do culto está o café da manhã, o almoço, as rodas de conversa, os cursos de português, as cantigas de ninar, as histórias, o teatro, louvor e adoração a Deus encarnados em cada ato de amor e cuidado quando o texto se revela no contexto e o Verbo toma sentido na história de cada pessoa, nas memórias doloridas e na esperança restaurada. 
 
Fiquei na igreja, em um quarto que, gentilmente, prepararam para mim. Participei da última oração da noite quando o templo virava quarto, colchões eram espalhados por todos os lados para os homens, do outro lado terminávamos os últimos bordados do dia com as mulheres. Soube que há outras igrejas sendo parte dessas iniciativas de acolhida, o que encheu o meu coração de alegria. O vento sopra onde quer e está soprando lá. Ali vi a igreja-abraço, igreja-lar, igreja de Jesus dando testemunho do amor de Jesus. Foi bonito ver muitas pessoas refugiadas sendo parte das respostas e da acolhida, buscando, cuidando, acolhendo. Uma irmã venezuelana me disse que nos últimos meses havia acolhido mais de cinquenta pessoas em sua casa de um quarto só, e que era uma alegria poder ser parte da acolhida e da interiorização.
 
O que a igreja e as organizações cristãs envolvidas no acolhimento e apoio ao refugiado e ao migrante, especialmente ao venezuelano no norte do país, já aprenderam? Quais são os desafios à vista?
 
Fiquei poucos dias, não tenho condições de responder a essa pergunta com profundidade. Vi muito desejo de aprender e o reconhecimento de fragilidade. Vi humanidade. Não vi ninguém se arrogando especialista no tema do acolhimento ou dono das soluções, tampouco vi a dor sendo transformada em produto de consumo. Onde estive vi o reconhecimento da necessidade de fortalecer os vínculos entre as organizações, de escutar as crianças e criar mais espaços terapêuticos. É certo que existe um sentido de urgência que pode atropelar processos importantes, e gerar atitude de desumanização em nome do cumprimento de certas agendas. Os desafios são muitos. As pessoas chegam com a expectativa de uma interiorização rápida e os processos burocráticos tomam o seu tempo, o que, eventualmente, gera muita tristeza e desesperança, neste contexto a igreja também tem um papel importante de ser companheira no sofrimento e criar espaços de lamento, de luto, de reconstrução da esperança.
 
Existe o desafio de criar soluções mais sustentáveis, estar presente nas comunidades que vão surgindo, criar empregos dignos, ter mais cursos de português e espaços de escuta e acompanhamento terapêutico tanto para as pessoas refugiadas quanto para as pessoas que estão trabalhando. Será maravilhoso ter mais igrejas se envolvendo nos processos de acolhida, o que agilizaria os processos de interiorização. O fato de muitas famílias estarem esperando um emprego, um destino, um lar, muitas crianças não estão indo à escola, e essa lentidão vai minando energia, força para continuar. Os desafios são muitos e são grandes, mas eu vi muita solidariedade e colaboração, o desafio é poder encorajar, acompanhar e não abandonar. 
 
Igrejas e organizações têm se esforçado para trabalhar em unidade e aprender umas com as outras. Um aprendizado importante é a necessidade de colaborar, pois ninguém é protagonista, mas, sim, companheiros de peregrinação. As organizações são desafiadas a fortalecer essas redes de apoio e, em reciprocidade, evitar as competições que fragilizam. A colaboração e solidariedade levam à unidade, onde ninguém pode se arrogar dono de nada, mas entender que todos são parceiros e atuam com o mesmo objetivo de acolher com dignidade. É muito importante continuar trabalhando em parceria, aprender com humildade, reconhecer erros, não usurpar a dignidade de ninguém, nem se aproveitar da dor das pessoas para criar narrativas de heroísmo. Esses caminhos de aprendizado exigem respeito e reverência pelas pessoas e o reconhecimento da imagem de Deus presente em cada uma delas. 
 
Você costuma lembrar que "Deus mora e se revela no meio da dor". Certamente deve ter visto lampejos da graça e do amor divino em Pacaraima. Poderia contar sobre isso?
 
Deus é amor e sabe chorar. Eu vi lampejos preciosos da sua graça e presença na criatividade e resiliência eterna das crianças. Elas articularam a esperança da forma mais bela e profunda que já ouvi, poetizaram e recontaram a história da Maria, do livro O Reino do Aqui, a partir das suas próprias realidades e inventaram novos horizontes. Em uma noite os irmãos venezuelanos preparam pizza e espaguete com sardinha com tempero verde, foi um banquete, mesa de comunhão onde Jesus se revelou. Em algumas rodas de conversa foi difícil segurar as lágrimas, sempre havia alguém pronto para enxugá-las. 
 
Visitamos alguns abrigos e comunidades em situação de muita pobreza e vulnerabilidade, sentamos para brincar e cantar com as crianças, compartilhar com os pais, aprender a fazer trança; celebramos aniversários com bolo de chocolate e pipocas onde os lampejos da graça de Deus eram reais e belos. O mistério da presença de Deus invadia os nossos corações e nos enchia de alegria, no meio daquelas realidades duras e difíceis. A gente se sentia comunidade, iguais em nossa diversidade.
 
Vi esses sinais da graça em uma comunidade indígena na Venezuela, onde desfrutamos da sua hospitalidade preciosa, cantando juntos “Deus está aqui”. Graça que também vi na casa da irmã Maria, que sem muita comida, enferma e sem recursos financeiros, mantinha tudo limpo e inventava jardins. Segundo ela, a sua casa era lugar de humanidade e santidade. Sim, Deus caminha e se revela no meio da dor daquele lugar, das feridas abertas, dos olhos assustados, dos pratos vazios e grita por justiça, por amor, por reconciliação. 
 


 
Em tempos de tanta ocupação, compromissos, distração, como não se tornar indiferente à questão do refúgio e da migração? Como ser, de fato, um povo acolhedor, uma igreja acolhedora?

Vivemos em uma sociedade consumista, até mesmo as relações correm o risco de se transformarem em produtos de consumo. Também andamos muito apressados, muito ocupados, cheios de programas, não é fácil achar tempo para estar com as pessoas, para escutar, para aprender. A migração e o refúgio nos pedem pausa, nos demandam tempo. A igreja precisa se envolver, caminhar uma milha a mais, não ter medo de acolher. O maior fracasso é não participar, é não se comprometer. Não existe amor sem riscos, não existe evangelho sem cruz. 
 
Olhemos para Jesus, para o Deus migrante, para o Verbo encarnado, é Ele quem nos ensina o caminho.
 
A Palavra de Deus está repleta de convites para cuidarmos dos pobres, dos órfãos, das viúvas, do migrante, do refugiado. A identidade da igreja também é peregrina, somos forasteiros e precisamos nos desapegar e nos desembaraçar de tudo que nos afasta da vocação que Deus nos deu. Uma igreja que escuta a Jesus não tem a opção de olhar para o outro lado, não pode se desviar daqueles que sofrem. Jesus disse: fui peregrino, fui forasteiro, e vocês me acolheram. Acolher o refugiado é acolher Jesus.
 
O que você leva do tempo e das pessoas com as quais conviveu em Pacaraima para casa e para o trabalho que realiza junto a migrantes e refugiados no exterior?
 
Respondo essas perguntas de um campo de refugiados no Sul da Mauritânia fronteira com o Mali. O que vivi em Pacaraima e na Venezuela me dá esperança. Carrego comigo o abraço, o sorriso, o carinho, a generosidade, as histórias peregrinas compartilhadas. Carrego o olhar terno e a hospitalidade sem fronteiras da pastora Osanir e do pastor Galvão, o exemplo dos trabalhadores que encontrei, a inspiração da equipe da Visão Mundial e de outras organizações que conheci. Levo o olhar dignificador do Deus que caminha no meio de nós, o Deus encarnado, o Deus presente; Carrego o cheiro dos temperos, o sabor das frutas e das amizades; a grandeza dos momentos compartilhados com tanto afeto e sinceridade. Levo também o sentido de e compromisso com a Justiça que vi em tantos lugares. 
 
Carrego a esperança de uma participação maior da igreja no processo de acolhimento, já estou vendo os seus sinais. Levo também a saudade das crianças e das pessoas que me receberam com tanto carinho. Meu coração está cheio de gratidão por todo o apoio que recebi e pela fidelidade de tanta gente preciosa e de muitas igrejas que me acompanham por essas estradas e mesas. O meu louvor ao Deus conosco, presente e presença em todos esses lugares, Verbo encarnado que armou a sua barraca no meio de nós.

PARA QUE TODOS SEJAM UM – A UNIDADE DA IGREJA É POSSÍVEL?  | REVISTA ULTIMATO
 
Qual a melhor resposta para um mundo cada vez mais dividido e para uma igreja cada vez mais polarizada? Pode parecer estranho, mas a resposta bíblica é óbvia: a Unidade em Cristo. E a pergunta que se segue é: “Que unidade é essa?” Aquela pela qual Jesus orou (Jo 17.23). 

É disso que trata a matéria de capa da edição de 397 da revista Ultimato. Para assinar, clique aqui.

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