Opinião
- 08 de fevereiro de 2019
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A idolatria política e a atuação cristã
Por Ricardo W. Borges
Ficar seis meses fora do país pode ser perigoso. É certo que já havia uma polarização perigosa antes. Mas a distância talvez nos fez despreparados para o que veríamos por aqui, os conflitos entre amigos, irmãos na fé e na intimidade das famílias, em grau e intensidade surpreendentes.
Ao retornar, eu lia e meditava no livro de Daniel. Como sempre acontece quando levamos nossas profundas preocupações e perguntas até a Palavra, esse encontro nos oferece novas perspectivas para entender a nós mesmos e à realidade ao nosso redor. Não no sentido de buscar soluções simplistas para problemas complexos, como se as Escrituras fossem um manual de autoajuda. Mas sim na atitude correta de permitir que a Palavra lance luz em meio à nossa confusão.
Talvez o livro de Daniel possa – e aqui me refiro em especial ao desafio da idolatria que aparece no capítulo 3 – ajudar-nos a ler a realidade e a viver em fidelidade em tempos de polarizações políticas e ideológicas. Creio que vemos ali aspectos da idolatria e da necessária resistência.
Primeiro, a idolatria. O poder estabelecido, na figura do rei Nabucodonosor, demanda fidelidade absoluta. Todas as autoridades, em todos os níveis, são convocadas a essa devoção. Notem que não se trata apenas de servir o rei. Daniel e seus companheiros o faziam. Aqui se espera uma obediência cega ao poder estabelecido. Algumas características dela são: o pensamento único, uma demanda pela uniformidade de seus devotos; a estética da idolatria, na insistente repetição quanto à música, o visual e a coreografia da devoção; o ódio ao grupo diferente, aos “outros”, nesse caso, aos judeus que não se submetem, denunciados pelos astrólogos do rei; a ameaça da punição severa às minorias que não se enquadrem e não se sujeitem ao projeto absoluto de dominação.
Reconheço o curioso problema onde cada grupo de uma determinada posição política pode reconhecer “o outro” nessa descrição acima e assim os acusar de idólatras. Mas entendo que esse alerta sobre a idolatria valha para todos. Tanto para os que coreografavam com bandeiras vermelhas, nas músicas e no abraço ao seu líder, como para os que se opunham através de suas camisetas de outras cores (e determinados escudos), com músicas de sons metálicos desde suas sacadas, ou em passeatas com outras coreografias de devoção absoluta. Tanto a veneração por um projeto ou agenda política, por melhor que este seja (aliás, justo quando mais acredito nos valores de um projeto é que mais vulnerável fico à sua idolatria), como a idealização, vitimização ou messianismo associados a um líder (qualquer um), são faces da mesma moeda idólatra.
Como então resistir na história? Não defendo um suposto “caminho do meio”, do “isentão”. Daniel e seus companheiros não abandonaram esse mundo em favor de outra realidade intangível. Eles entraram a fundo na universidade, na sociedade e no governo da Babilônia. Estudaram muito e se prepararam para a tarefa. Notem que não deixaram de se envolver, de servir, mesmo a um rei pagão, que havia levado o seu povo ao exílio, um reino que com frequência, e de muitas maneiras, afrontava o seu Deus. Não se omitiam, faziam suas escolhas, ainda que impondo limites para essa fidelidade, posicionando-se com um não claro à idolatria que era a norma ao seu redor. Com isso indicavam que alguém fiel a Deus pode servir em diferentes tipos de governo, mesmo divergindo de aspectos de sua agenda. Isso porque, se for fiel, reconhecerá os perigos dos pensamentos homogêneos, e poderá servir com independência, diferentemente de qualquer turba idólatra. Não precisa ser do “partido do meio”, como se um suposto ponto mediano fosse a chave mágica para a vida na polis, mas sim pode e deve meter a mão na massa, lembrando-se apenas, e sempre, onde deve estar sua fidelidade última.
Assim, mesmo dentro dos governos e dos projetos políticos de cada tempo, haverá uma resistência. Uma que não busca seu próprio bem e interesse, pois correm o risco, ao não ser idólatras, de perder sua posição, status, ou sua própria vida. Ao final, sua confiança estará em Deus, que pode livrá-los, ou não. Porque se o indivíduo acha que Deus sempre irá livrá-lo, na verdade crê em um ídolo e não mais em Deus. O Senhor que os chama pode sim livrá-los, e andar ao lado deles no meio da fornalha. Mas se não os livrar da morte, já os terá livrado da pior idolatria, que é a idolatria de si mesmos, quando pensamos que sempre estamos certos (na economia, na política, em tudo) e os outros, ah, os outros, são o demônio.
Quando Deus nos livrar das idolatrias de um projeto político, de uma ideologia, de um líder, ou da idolatria de nós mesmos, poderemos renovar a esperança de dialogar e atuar melhor em meio às nossas diferenças. Assim, estaremos livres para servir em qualquer lugar ao Deus que traz vida, justiça e paz para todos, em especial àqueles pequenos e anônimos que permanecem fiéis diante dos poderes desse mundo.
Quando Deus nos livrar das idolatrias de um projeto político, de uma ideologia, de um líder, ou da idolatria de nós mesmos, poderemos renovar a esperança de dialogar e atuar melhor em meio às nossas diferenças. Assim, estaremos livres para servir em qualquer lugar ao Deus que traz vida, justiça e paz para todos, em especial àqueles pequenos e anônimos que permanecem fiéis diante dos poderes desse mundo.
É casado com Ruth e pai de Ana Júlia e Carolina. Integra o corpo pastoral da Igreja Metodista Livre da Saúde, em São Paulo (SP), serve globalmente como secretário adjunto para o engajamento com as Escrituras na IFES (International Fellowship of Evangelical Students) e também apoia a equipe da IFES América Latina.
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