Opinião
- 25 de maio de 2015
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A Guerra dos Tronos e os reis de Israel
Se você gosta da série de TV “Guerra dos Tronos”, é bem provável que se interesse bastante pelos textos do Antigo Testamento. Reinos invadidos, cidades destruídas, conquistas, derrotas, alianças, traição, erros, acertos, injustiça. Alguns capítulos são tão intensos que no meio da leitura você até percebe que mudou o ritmo da respiração.
No capítulo 13 do primeiro livro dos reis de Israel, por exemplo, há o registro de um episódio trágico com um profeta de nome desconhecido que se levanta contra o sistema religioso implementado pelo rei Jeroboão.
Por sinal, Jeroboão foi um dos piores reis da história de Israel. No reinado de Salomão, Jeroboão tentou matar ninguém menos do que o próprio rei. Sua ousadia foi tamanha, que ao invés de ser punido com morte (como qualquer rei provavelmente faria àquela época), Salomão o pôs por chefe da casa de José.
Um dia, na estrada, Jeroboão encontrou um velho profeta chamado Aías, que disse que o reino de Salomão estava no fim. Segundo ele, Deus mesmo dividiria Israel em doze pedaços, dos quais dez cairiam nas mãos de...
Jeroboão (o homem que tentou matar o rei!).
Não demorou muito para que Salomão soubesse da conversa na estrada. Demorou menos ainda para que o rei, então, quisesse matar Jeroboão - que fugiu para o Egito, temendo por sua vida.
Percebe o clima de “Guerra dos Tronos”?
Um homem tenta matar o rei. Ao invés de ódio e vingança, cai na graça de sua majestade e recebe um cargo de confiança. Numa estrada, ouve um velho profeta dizer que o Israel será dividido em doze pedaços, dos quais ele reinará sobre dez. E mais, ouve o profeta dizer "Reinarás sobre tudo o que desejar a tua alma" (que tentação!). O rei fica sabendo. Ordena sua morte. Jeroboão busca asilo no Egito, até saber da morte de Salomão. Só aí se sente seguro para voltar pra Israel.
Como você imagina que um homem desses reinará? E daí que Israel já tinha leis estabelecidas desde os dias de Moisés? Um homem que não vê nos muros do palácio obstáculo para satisfazer seu desejo sórdido de matar sua majestade respeitará algum limite?
Tão logo assume o Reino do Norte, Jeroboão muda o lugar da adoração, estabelece culto aos bezerros de ouro, constitui sacerdotes que não eram da tribo de Levi. O recado é: Israel está sob nova direção. Ninguém para um homem como esse (que, por sinal, carrega no próprio nome a ideia de contenda).
Até que um profeta de Judá, o Reino do Sul, (e é aqui que começa o capítulo 13 do primeiro livro dos reis de Israel) resolve profetizar contra o altar de Jeroboão. Homem corajoso. Diz que Deus se levantará contra aquele sistema. Jeroboão manda prendê-lo, mas o servo que estende a sua mão contra o profeta vê seu braço apodrecer imediatamente. O rei toma um susto, e suplica em favor do seu servo. O profeta faz uma oração, e no mesmo instante a mão podre volta ao normal.
Consegue ver isso tudo no HBO [canal de TV que exibe a série]?
O rei fica tão impressionado que chama o profeta para um jantar no palácio. Curiosamente, o profeta recusa o convite. Ele não havia saído do Reino do Sul para o Reino do Norte para fazer festa, mas para levantar denúncia contra o sistema vigente. E vai embora. Homem corajoso.
Na estrada (percebe como tanta coisa acontece nas estradas?), outro profeta se encontra com este profeta. Convida-o para comer - como fizera o rei Jeroboão. O profeta de Judá recusa novamente. Até que o novo profeta diz: “Eu também sou profeta, e Deus me falou que não tem problema (não é de hoje que o discurso de “Deus me falou” complica a história de muita gente). Vamos comer lá em casa!” E o profeta de Judá, homem corajoso, vai.
Pobre profeta de Judá. Não tinha que ir. Na saída, é devorado, destroçado, despedaçado por um leão. Seguiu tão determinado para denunciar o rei. Deu o seu recado. Resistiu o convite para participar do banquete. Ia fazer o mesmo com o novo profeta. Até que ouviu um “Deus me disse”. Ficou conhecido na história dos reinos como o profeta desobediente. Fim do capítulo.
Percebe como a maldade de um único homem (Jeroboão, no caso) pode mudar o curso de um povo inteiro? Percebe como a convicção de um único homem (o profeta do Reino do Sul, no caso) pode quebrar sistemas de maldade? Percebe como o convite de qualquer homem (o profeta da estrada, no caso) pode nos fazer colocar em cheque nossas convicções e senso de missão?
Cuidar do coração. Acreditar que nem sempre é necessário cantar no tom da multidão. Não perder o foco da missão, ainda que o recado venha supostamente de Deus.
Sempre gostei de “Guerra dos Tronos”.
• Daniel Guanaes é pastor na Igreja Presbiteriana do Recreio (RJ), psicólogo clínico e aluno do programa de doutorado em teologia da Universidade de Aberdeen, na Escócia. Gosta de surfar e treinar jiu jitsu.
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No capítulo 13 do primeiro livro dos reis de Israel, por exemplo, há o registro de um episódio trágico com um profeta de nome desconhecido que se levanta contra o sistema religioso implementado pelo rei Jeroboão.
Por sinal, Jeroboão foi um dos piores reis da história de Israel. No reinado de Salomão, Jeroboão tentou matar ninguém menos do que o próprio rei. Sua ousadia foi tamanha, que ao invés de ser punido com morte (como qualquer rei provavelmente faria àquela época), Salomão o pôs por chefe da casa de José.
Um dia, na estrada, Jeroboão encontrou um velho profeta chamado Aías, que disse que o reino de Salomão estava no fim. Segundo ele, Deus mesmo dividiria Israel em doze pedaços, dos quais dez cairiam nas mãos de...
Jeroboão (o homem que tentou matar o rei!).
Não demorou muito para que Salomão soubesse da conversa na estrada. Demorou menos ainda para que o rei, então, quisesse matar Jeroboão - que fugiu para o Egito, temendo por sua vida.
Percebe o clima de “Guerra dos Tronos”?
Um homem tenta matar o rei. Ao invés de ódio e vingança, cai na graça de sua majestade e recebe um cargo de confiança. Numa estrada, ouve um velho profeta dizer que o Israel será dividido em doze pedaços, dos quais ele reinará sobre dez. E mais, ouve o profeta dizer "Reinarás sobre tudo o que desejar a tua alma" (que tentação!). O rei fica sabendo. Ordena sua morte. Jeroboão busca asilo no Egito, até saber da morte de Salomão. Só aí se sente seguro para voltar pra Israel.
Como você imagina que um homem desses reinará? E daí que Israel já tinha leis estabelecidas desde os dias de Moisés? Um homem que não vê nos muros do palácio obstáculo para satisfazer seu desejo sórdido de matar sua majestade respeitará algum limite?
Tão logo assume o Reino do Norte, Jeroboão muda o lugar da adoração, estabelece culto aos bezerros de ouro, constitui sacerdotes que não eram da tribo de Levi. O recado é: Israel está sob nova direção. Ninguém para um homem como esse (que, por sinal, carrega no próprio nome a ideia de contenda).
Até que um profeta de Judá, o Reino do Sul, (e é aqui que começa o capítulo 13 do primeiro livro dos reis de Israel) resolve profetizar contra o altar de Jeroboão. Homem corajoso. Diz que Deus se levantará contra aquele sistema. Jeroboão manda prendê-lo, mas o servo que estende a sua mão contra o profeta vê seu braço apodrecer imediatamente. O rei toma um susto, e suplica em favor do seu servo. O profeta faz uma oração, e no mesmo instante a mão podre volta ao normal.
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O rei fica tão impressionado que chama o profeta para um jantar no palácio. Curiosamente, o profeta recusa o convite. Ele não havia saído do Reino do Sul para o Reino do Norte para fazer festa, mas para levantar denúncia contra o sistema vigente. E vai embora. Homem corajoso.
Na estrada (percebe como tanta coisa acontece nas estradas?), outro profeta se encontra com este profeta. Convida-o para comer - como fizera o rei Jeroboão. O profeta de Judá recusa novamente. Até que o novo profeta diz: “Eu também sou profeta, e Deus me falou que não tem problema (não é de hoje que o discurso de “Deus me falou” complica a história de muita gente). Vamos comer lá em casa!” E o profeta de Judá, homem corajoso, vai.
Pobre profeta de Judá. Não tinha que ir. Na saída, é devorado, destroçado, despedaçado por um leão. Seguiu tão determinado para denunciar o rei. Deu o seu recado. Resistiu o convite para participar do banquete. Ia fazer o mesmo com o novo profeta. Até que ouviu um “Deus me disse”. Ficou conhecido na história dos reinos como o profeta desobediente. Fim do capítulo.
Percebe como a maldade de um único homem (Jeroboão, no caso) pode mudar o curso de um povo inteiro? Percebe como a convicção de um único homem (o profeta do Reino do Sul, no caso) pode quebrar sistemas de maldade? Percebe como o convite de qualquer homem (o profeta da estrada, no caso) pode nos fazer colocar em cheque nossas convicções e senso de missão?
Cuidar do coração. Acreditar que nem sempre é necessário cantar no tom da multidão. Não perder o foco da missão, ainda que o recado venha supostamente de Deus.
Sempre gostei de “Guerra dos Tronos”.
• Daniel Guanaes é pastor na Igreja Presbiteriana do Recreio (RJ), psicólogo clínico e aluno do programa de doutorado em teologia da Universidade de Aberdeen, na Escócia. Gosta de surfar e treinar jiu jitsu.
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