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Opinião

A explosão das bets e a implosão do cuidado

No Brasil, mais de 12 milhões de crianças e de adolescentes, dentro de suas casas, escolas igrejas, acessam jogos indevidos e prejudiciais a eles

Por Eduardo Nunes

A indústria das apostas foi turbinada exponencialmente nesse primeiro quarto do século 21 pela comunicação instantânea, possibilitada pelos computadores de mão (que chamamos de telefones por razões afetivas), controlados pelos algoritmos das redes “sociais”. Essa explosão conferiu ao hábito de ganhar com a predição do futuro dimensões econômicas e sociais impensáveis há dez anos. O faturamento cresceu de 1,8 bilhão de dólares americanos, em 2010, para 572 bilhões de dólares americanos, em 2024. Mais de 4 bilhões de pessoas jogam online pelo menos uma vez ao ano. Quatro fatores foram críticos para esse salto: a liberação (nos Estados Unidos, na Europa e em outros países); a possibilidade de acompanhar esportes 24 horas por dia, sete dias por semana; o marketing agressivo associado a algo saudável (os esportes); e as estratégias de “rede social” que atraem, mantêm e expandem o uso. Isso criou um fenômeno que cruza fronteiras políticas, sociais e mesmo religiosas. O grupo majoritário (73%) são homens de 14 a 40 anos. Você leu certo: 14 anos.

Assim, de todos os problemas e riscos econômicos e sociais dessa “explosão bet”, o mais preocupante é o engajamento de crianças e adolescentes, já que a infância deve ser a prioridade absoluta de uma sociedade. Cassinos online fazem propaganda em sites infantis; a todo tempo, vemos anunciar “Bets – jogos esportivos” em partidas, camisas de times, nomes de estádios e, até mesmo, nomes de campeonatos. As empresas de apostas não se esforçam para evitar que crianças e adolescentes joguem. Em plataformas, há uma área de jogos de azar, sem envolver dinheiro, para treinar crianças para apostar.
 
Um estudo do Unicef mostra que 78% dos jovens começaram a jogar a partir dos 12 anos e 22%, com 11 anos ou menos. Metade dos adolescentes jogou, pela primeira vez, com colegas (51%), enquanto um terço deles teve a companhia de algum parente (32%).  Uma criança ou um adolescente não começa a jogar motivado por ganância; suas apostas são originadas, principalmente, por desejo de atenção, contato e relacionamento.

Mas os jogos de azar fazem mal para crianças e adolescentes. No seu estágio de desenvolvimento cognitivo, em que a intensidade das experiências é maior, assim como a busca por recompensas e o medo de rejeição, os jogos de azar têm potencial destrutivo. Mesmo quando não vêm associados ao vício (que é próximo à dependência química causada por drogas), têm grande potencial de fortalecer crenças e mecanismos disfuncionais (violência, irresponsabilidade, egoísmo, manipulação do sagrado), assim como provocar ansiedade, depressão, tristeza, agressividade e até suicídio.
 
Mesmo com todo esse potencial destrutivo, dos 61% das crianças e dos adolescentes brasileiros que jogam regularmente online, mais da metade o faz sem nenhuma supervisão nem interação com um adulto. Por isso, não é de surpreender que uma em cada duas dessas crianças terminará em um site ou aplicativo de jogos de azar, real ou simulado.
 
No Brasil, isso representa mais de 12 milhões de crianças e adolescentes, dentro de suas casas, escolas e igrejas, acessando jogos indevidos e prejudiciais a eles. Como? Eu poderia responder usando análises econômicas, sociológicas, políticas, teológicas e mesmo morais. Mas prefiro uma resposta simples (mesmo sabendo que é uma generalização): isso acontece porque não estamos prestando a devida atenção às crianças e aos adolescentes. E a Economia da Atenção explica.
 

 
Economia é o estudo de como recursos escassos (comida, dinheiro etc.) são alocados. Em uma era de quantidades praticamente infinitas de informações ao alcance dos dedos, no senso estrito, não há Economia da Informação. Mas, se a informação não é escassa, a atenção é. Quando nossos recursos cognitivos (escuta, reflexão, observação, toque e assim por diante) são focados em algo, deixam de o ser em outros. E atenção se converte em muitas formas: amor, reconhecimento, troca, empatia, obediência e ajuda. Difícil de medir, a atenção tem uma relação direta com o tempo. O tempo para aplicar os recursos cognitivos é limitado, finito. Assim, ao escolhermos dar atenção a algo, optamos por ignorar outras coisas. Como uma moeda, trocamos atenção por algo que esperamos obter (conhecimento, satisfação, irritação etc.). Nossa atenção é moeda escassa e extremamente valiosa. Assim, as pesquisas mostram que a cada 60 minutos que a tecnologia libera de nosso tempo (evitando deslocamentos, filas, processos manuais demorados), ela nos faz consumir outros 93 minutos com outras demandas. Bem-vindo à Economia da Atenção.

Nessa Economia, tanto quanto os adultos, as crianças também são cobiçados consumidores. É difícil avaliar o impacto total. Mas é necessário considerar não apenas os efeitos diretos da exposição às mídias sociais ou estáticas (como streamings, portais, podcasts, videocasts), como também a exclusão de outras atividades (efeito substituição). As poucas pesquisas mostram que, em doze anos, o tempo de tela de crianças e adolescentes mais do que triplicou (de 2,7 para 8,1 horas por dia), enquanto o tempo de lazer “analógico” caiu pela metade.
 
Doze milhões de crianças e adolescentes prestando atenção em jogos de azar online é uma surpresa apenas para os que estavam dispersos pelo scroll infinito do Instagram.
À medida que continuamos a nos afogar em um excedente de “conteúdos” hackeando nossa atenção, talvez devêssemos nos concentrar em prestar atenção no que temos prestado atenção (e ignorado).

Crianças precisam de cuidado. Mais do que qualquer recurso material, cuidado demanda atenção. E atenção é o que a Economia da Atenção quer que você dedique a seus produtos sociais e estáticos. E, como nossa atenção é escassa, quem perde esse tempo? Nós mesmos, pessoas, filhos, sobrinhos, netos. Assim, não surpreende que 53% de adolescentes já tenham perguntado ao Google como vencer uma depressão, mas apenas 21% tenham perguntado a uma pessoa (incluindo pais). Em dez anos, os atendimentos relacionados a transtornos de ansiedade no SUS aumentaram 1.575% entre crianças e 4.423% entre adolescentes.
 
Redes sociais precisam de regulação! Temos de cobrar leis melhores e mais bem aplicadas. Precisamos exercer o poder de consumidor com as plataformas e os produtos que não protegem a infância. Contudo, mais do que isso, é preciso refletir no que você, eu, nossas igrejas, escolas e grupos devemos fazer para proteger a infância e adolescência, aumentando as condições para o desenvolvimento de vidas plenas.
Precisamos de atenção, dedicação de tempo e cuidado, além de modelos. Cuidar é também encarnar valores contrários aos que os jogos de azar online promovem. Nada de ações “tudo ou nada”, sucesso financeiro como alvo da vida, ostentação como estética, competitividade como régua de relacionamento e ideologia da vitória e do vencedor. O mesmo caldo cultural que impulsiona as bets, as marcas hegemônicas da nossa sociedade, impede crianças e adolescentes de terem uma vida plena, de seguirem seus propósitos de vida, de abençoarem a sociedade hoje e até que estejam idosos. Tudo isso é contra o evangelho, que se traduz em amar ao próximo.
 
Além das demandas de regras e fiscalização no âmbito público, o antídoto para uma epidemia que se alimenta da ambição e da solidão não será uma norma – será o cuidado amoroso. Quando cuidamos, exemplificamos que o outro é mais importante. Cuidado contrapõe à solidão, não tem soma zero, não gera perdedores, mas multiplica ao dividir. Cuidado demanda atenção qualificada e faz bem também a quem cuida.
O cuidado é a aposta certa.

Fontes: Daniel Becker, Gambling Industry News, UNICEF, IMARC, LANCET, SUS.
  • Eduardo Nunes é capixaba, defensor do coentro, graduado em ciências sociais (USP) e teologia (IPIB). É mestre e doutor em ciência política, doutor e livre-docente em economia, mas foram seus filhos que lhe ensinaram tudo de importante na vida. Trabalha na World Vision (Visão Mundial) há 37 anos, na qual ocupa a Direção Sênior de Estratégia & Impacto para América Latina & Caribe. Participa e leciona no Programa “Inteligências & Complexidade”, pela Universidade de São Paulo (IEA) e Norwegian School of Economics (NHH), enquanto busca a receita perfeita de pão de queijo e ainda sonha em aprender a assobiar.

Este artigo é parte da Reportagem "O fenômeno das Bets", publicada na edição 412 de Ultimato.



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