Opinião
- 06 de dezembro de 2011
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A ética de fazer o bem
“Obedeçam a todos os meus decretos e todas as minhas leis pratiquem-nos. Eu sou o Senhor” (Levíticos 19.37).
Ao longo de todo o livro de Levíticos, o Senhor profere, reafirma e estabelece leis, decretos e regulamentos com as mais diversas e amplas finalidades. Alguns destes estão sendo apenas recentemente mais valorizados e reconhecidos por nós, pois geram os mais amplos beneficios para as relações humanas, saúde, meio ambiente, cuidado com a terra, aquecimento ambiental e relação com Deus, dentre muitas coisas importante.
Todo o aparato legal curmpre sua finalidade quando trata todos equitativamente, promove o acesso, inclui todas as pessoas, estabelece padrões e procedimentos minimamente aceitáveis e aplicáveis, especialmente para aqueles que não dispõem de meios e recursos.
Faz parte do imaginário brasileiro a afirmação de que temos boas leis, todavia há frouxidão e falta de vontade política no cumprimento.
Esta ideia surge sempre que há uma crise envolvendo denúncias de corrupção nos diferentes níveis de governos. Não é raro resvalar em alguma ONG, como são conhecidas as organizações de diferentes naturezas. Sempre o governo endurece, como mais recentemente na crise envolvendo o Ministério dos Esportes, suspendendo os convênios ou paira uma ameaça de instalação de CPI por parte do Congresso Nacional.
Para a opinião pública todos os “gatos são pardos”, não distingue quem faz trabalho sério daquelas que estão a serviço da pilantragem e das ONGs de faixada, constituídas com propósitos definidos, as chamadas “pilantropia”.
A “verdade verdadeira”, no entanto, é que todas as organizações estão sujeitas a um sem número de exigências que duplicam os esforços, não respeitam os processos, drenam a energia com coisas que não fazem o menor sentido e têm sua reputação sob suspeição, como se todos fossem oportunistas e malandros.
A discussão sobre o Marco Legal do Terceiro Setor sempre vem à baila com muitos complicadores, pois são muitos os interesses em jogo, dada a diversidade programática, temática e de intervenção; complexos são os aspectos políticos e financeiros. Outras questões de fundo, nem sempre explicitadas, são a concepção de modelo de Estado e a visão de sociedade que diferentes ideologias concebem.
A filantropia empresarial trouxe como contribuição o foco na busca incessante pela profissionalização da gestão, eficácia e eficiência como mantra, qualidade dos serviços como pré-requisito, certificações de diversas matizes, foco nos resultados e o marketing como condição sine qua non para captação de recursos. Nada contra, desde que não seja uma camisa de força que sobrepuja os processos e as dinâmicas próprias de cada comunidade. A vocação para o serviço e militância foi substituída pelo voluntariado, e o tão propalado fortalecimento institucional impõe modelos que não correspondem à dinâmica da participação, horizontalidade e criatividade comunitária.
Neste cenário, poucas ONG’s têm vida fácil a despeito do tão propalado potencial do “mercado” brasileiro. Com exceção de algumas grandes organizações, a maioria absoluta anda de “pires na mão”, quando não aos trancos e barrancos matam um leão, não mais todo dia, mas a cada hora. O convite à promiscuidade é o caminho mais fácil para sobrevivência, do contrário vão morrer à míngua ou de favores.
Indo ao ponto que interessa: milhares de organizações de base comunitária quase nunca atendem os pré-requisitos do mercado e sobrevivem de migalhas. Seja por qual critério for não atendem os pré-requisitos do mercado, com raríssimas exceções estafalam para atender os critérios de elaboração de projetos, os sem números de exigências para participar dos processos seletivos dos editais, uma peregrinação interminável para liberação dos recursos e uma dor de cabeça sem fim para prestar contas, que quase sempre as coloca em situação de inadimplência.
O Comitê Facilitador da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil apresentou à então candidata Dilma uma agenda, (que foi respondida por meio de Carta às Organizações da Sociedade Civil). A carta de Dilma afirmava, entre outras coisas, que o governo deveria pautar-se por “uma relação democrática, respeitosa e transparente com as organizações da sociedade civil, compreendendo seu papel fundamental na construção, gestão, execução e controle social das políticas públicas”.
Toda a discussão sobre o marco regulatório insere-se num contexto de preocupação de criminalização da sociedade civil e movimentos sociais que frequentemente paira sobre as organizações sociais em meio à disputa política e denúncias de corrupção.
Raríssimas são as organizações evangélicas que participam do debate de um Novo Marco Regulatório, em que pese o fato de que todas são afetadas pelo cipoal de normas, procedimentos, legislações e interpretações pessoais deste ou daquele servidor público. Um sem número de organizações não querem nenhuma relação com o Estado, dada a dificuldade em atender e compreender as muitas exigências e receber uma eloquente negativa em apoiar seja qual for o projeto por tratar-se de organização confessional. Para os analistas de propostas e projetos de plantão, assumir valores e princípios bíblicos e cristãos significa automaticamente fazer proselitismo, não importando a qualidade e a relevância das mesmas.
Pontos para reflexão, mas que ainda não constituem uma agenda:
1) Considerar as organizações confessionais legítimas em seus pleitos, sem que isto configure um crime ou que tenham que negar ou mascarar seus valores e princípios para acessar os recursos que são de toda sociedade brasileira.
2) Considerar distintamente os diferentes tipos de organizações. Não se pode submeter, por exemplo, ao mesmo tratamento uma organização de base comunitária e uma instituição de ensino superior, que cobra caro pelos serviços e tem estrutura por trás para viabilizar seus projetos.
3) Respeitar o direito à livre associação como previsto na Constituição, no entanto, com exigências básicas válidas em todo território nacional a fim de se evitar multiplicidade de requerimentos e registros, como: CMAS, Conselhos de Direitos, CNAS, OSCIPs, etc. Cada um desses organismos dispõe de uma infinidade de exigências e procedimentos que minam a energia e entusiasmo.
4) Rever e simplificar procedimentos de liberação de recursos, especialmente aqueles afeitos aos Conselhos de Direitos/Fundos da Infância que obedecem a lógica do Poder Público com suas muitas e incontáveis instâncias que geram desperdício de tempo e energia e mandam para as “cucuias” a prioridade absoluta prevista no Estatuto e na Constituição.
5) Financiamento: possibilitar que o doador faça doação direta para as organizações mediante incentivo fiscal. Os fundos não são aptos a captar. Potenciais doadores não querem que as organizações se submetam à burocracia infernal. As organizações de base mais comunitária não acessam os fundos, os recursos disponíveis dos fundos não financiam as organizações e quando o fazem geram distorções, pois exigem a criação de novas atividades.
6) Simplicar o processo de liberação dos recursos dos fundos com mais seleridade e eficiência na liberação.
7) Convênios com Estado e órgãos públicos: mediante editais públicos, critérios regionais, impacto local, peculiaridades das organizações.
Muitos outros aspectos poderiam ser considerados. Uma análise mais profunda sobre cada aspecto mencionado acima precisa ser feita, repercutindo as infinidades de angústias, expectativas, experiências e visões. Dimensões jurídicas, políticas e operacionais precisam ser consideradas, especialmente aquelas que dizem respeito às milhares de iniciativas e processos organizativos sempre à margem, pelas razões mencionadas acima.
Urge a participação evangélica para que não fiquemos “chorando pelo leite derramado”. Em meio a muitas realidades, podemos minimamente contruir uma agenda de consenso.
_______________
Serguem Jessui M. Silva é representante nacional da Tearfund (organização cristã que trabalha com desenvolvimento integral em diversos países).
Nota
Artigo publicado, originalmente, no site da RENAS com o título Marco Legal do Terceiro Setor: uma provocação inicial.
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