Opinião
- 23 de fevereiro de 2024
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A ecoansiedade e a ecoesperança
Por Tiago Pereira
“Os campos estão arruinados. A terra está seca. Os canais de água se secaram. O fogo devorou as pastagens.” Parecem manchetes saídas dos jornais atuais, mas são frases escritas há mais de 2400 anos, registradas no primeiro capítulo do livro do profeta Joel. Na Bíblia Sagrada, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, o lamento pela terra está sempre em evidência. O apóstolo Paulo, em um de seus textos mais importantes, afirma “que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto” (Rm 8:22, NVI).
O sofrimento da terra não é novidade, mas o passar dos séculos parece ter nos mostrado que a realidade é ainda mais dura e implacável do que se imaginava. O mundo contemporâneo nos brindou com uma sociedade cada vez mais conectada e a ecologia nos ensinou que a natureza está interligada por meio de profundas conexões ecossistêmicas. As ciências ambientais nos permitiram entender que a crise ecológica atingiu patamares sem precedentes na história humana, e isso afeta o planeta de tantas formas que ainda não compreendemos toda a dimensão dos danos. Com a evolução dos meios de comunicação, adquirimos uma consciência cada vez maior da dimensão global dos problemas que enfrentamos. Não obstante isso, o debate público sobre as questões climáticas enfrenta ao mesmo tempo uma crise de desinformação e uma retórica alarmista, dois fenômenos que tornam a situação ainda mais complexa.
Nesse cenário, os especialistas em saúde mental começaram a identificar nos últimos anos um aumento significativo de pessoas relatando uma preocupação extrema com as crises ambientais e climáticas, associando-as a quadros de ansiedade, depressão, medo e pânico. Esse fenômeno, apesar de recente, tem sido amplamente estudado como parte da também recente psicologia climática, e ficou conhecido como “ansiedade climática” ou “ecoansiedade”.
Embora os sintomas sejam similares à ansiedade clínica, a ecoansiedade não é enquadrada como um transtorno mental, mas em casos extremos pode estar relacionada com o abuso de substâncias e até mesmo o suicídio. Por isso, há uma preocupação crescente em torno do impacto da crise climática na saúde mental da sociedade, especialmente entre as gerações mais novas, que são os que mais experimentam a falta de esperança em relação ao futuro do planeta.
Os cristãos, apesar de portarem a mensagem da esperança, não estão isentos da ansiedade, e reconhecer esses sentimentos é o primeiro passo. Ao mesmo tempo que a Bíblia ensina que se deve “lançar sobre Cristo toda a ansiedade” (1Pe 5:7), ela também pode ser vista como um livro profundamente honesto em reconhecer que há algo de errado com esse mundo, e que nossa experiência nessa vida não está isenta de angústias e sofrimentos. Os salmos de lamento são categóricos em nos mostrar isso. Os salmistas não negam suas dores, mas as depositam diante do Deus Todo-Poderoso, enfatizando a sua soberania sobre a criação e reconhecendo sua presença na desolação, no deserto e na sombra da morte. O próprio Jesus no Getsêmani não esconde sua angústia e sua tristeza.
Essas emoções não precisam ser reconhecidas como falhas ou mesmo pecados, mas fazem parte da nossa experiência nessa vida. O desespero e a tristeza, muitas vezes, surgem por causa da própria compaixão que somos capazes de sentir, tanto em relação ao próximo quanto em relação ao sofrimento de toda a criação. Quando Paulo diz na Carta aos Romanos que a criação geme, nos versículos seguintes ele também afirma que nós gememos e o Espírito Santo geme. Nós compartilhamos os sofrimentos de uma criação que geme em trabalho de parto, junto com um Deus que também conhece essas dores.
Os autores bíblicos sabiam muito bem que a ansiedade fazia parte das nossas experiências terrenas, mas sabiam também que podiam descansar nas promessas de um Deus fiel à sua aliança perpétua de amor e redenção. Essa aliança garantia - e ainda garante - que esse mundo não seria destruído, e que pela fé veremos novos céus e nova terra. A esperança cristã, afinal, nunca se apoiou em probabilidades, mas sempre esteve amparada no relacionamento com esse Deus e na certeza da sua fidelidade.
Abraão tornou-se o pai de muitas nações porque creu nesse Deus, esperando contra a esperança (Rm 4:20). Parece contra-intuitivo, mas o que Paulo está dizendo é que o fundamento da esperança cristã não está nas expectativas humanas, mas na confiança de que há um sentido e um propósito para todas as coisas. E todas as coisas convergem em Cristo, como Paulo diz aos Efésios (Ef 1:10). Se entendemos que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo e nos deu o ministério da reconciliação (2 Co 5:18,19), temos um firme fundamento para nossa esperança e bons motivos para agir em direção a esse propósito. Podemos nos tornar participantes na história da redenção através do amor ao nosso próximo e do cuidado com a criação. Podemos atuar como testemunhas do Reino de Deus, promovendo a visão de um mundo criado com propósito e oferecido a nós como dádiva.
Se o primeiro passo é reconhecer a ecoansiedade como um sentimento legítimo, o segundo passo é reconhecer que precisamos, de fato, agir. E é possível agir mesmo diante da ansiedade e do medo, se conectando com outras pessoas, participando de iniciativas ambientais locais e apoiando uns aos outros na caminhada. A ansiedade climática não precisa estar amparada na desesperança de uma ausência de sentido no futuro, mas pode encontrar um propósito e se converter em ação. A cientista climática Katharine Hayhoe, uma cristã evangélica reconhecida como um dos nomes mais importantes na comunicação climática atual, sempre ressalta em suas palestras que “não precisamos ter esperança para começar a agir, mas a ação gera esperança”. Isso é uma ótima notícia!
Em tempos de ansiedade ecológica, podemos nos inspirar em Abraão, o pai da fé, que esperou contra a esperança. Da ecoansiedade poderá brotar a ecoesperança, na certeza de que, no fim, “Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem lamento, nem dor” (Ap 21:4).
- Tiago Pereira é biólogo formado pela Universidade Federal de Viçosa, mestre e doutor em Botânica também pela UFV, com pós-doutorado em Biologia Molecular e Filogeografia. Atualmente, faz parte da equipe de trabalho da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2) como coordenador nacional dos Grupos de Estudo. É membro da igreja presbiteriana, casado com Eliza e pai de Pedro e Maria Clara.
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Todas as pessoas – também os que creem – correm o risco de adoecer mentalmente. Há multidões na igreja lutando com problemas de saúde mental. Felizmente, há esperança e ajuda: profissionais da saúde, recursos terapêuticos e medicamentos. Os cristãos podem contar ainda com a ajuda extraordinária de seu Deus. E a igreja deve proporcionar um espaço seguro para estes.
Saiba mais:
» Jesus e a Terra – A ética ambiental nos evangelhos, James Jones
» Assim na Terra como no Céu – Experiências socioambientais na igreja local, Gínia César Bontempo (org.)
» O Teste da Fé – Os cientistas também creem, Ruth Bancewics, org.
» Os agrotóxicos e a saúde mental: uma resposta cristã, por Tiago Pereira
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