Opinião
- 26 de outubro de 2018
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A diversidade partidária dos discípulos de Jesus
Por William Lane
Estamos a alguns dias do segundo turno das eleições e como tem sido amplamente comentado, analisado e criticado, esse pleito está polarizado demais. O que impressiona e assusta é que o antagonismo político dos candidatos à presidência divide não só grupos historicamente opostos como também provoca tensões e divisões dentro de grupos que até então não demonstravam grande diversidade e oposição política. Amigos, colegas de escola, famílias e igrejas estão repercutindo essa polarização e antagonismo. Alguns se afastam das redes sociais ou bloqueiam ‘amigos’ por causa das desavenças. A mera citação de um versículo em redes sociais pode ser motivo para uma enxurrada de reações de cunho político. Tentativas de apaziguamento são também recebidas como instrumentos de favorecimento a esse ou aquele candidato.
Fiquei pensando em Jesus e os seus discípulos. Não nos damos conta da diversidade de origens, personalidades, interesses e partidos políticos e religiosos que havia naquele grupo de indivíduos. As páginas dos Evangelhos e Atos dos Apóstolos nos dizem muito pouco sobre eles, mas algumas informações dos textos bíblicos e alguns escritos cristãos dos primeiros séculos nos permitem perceber que, apesar de o grupo parecer coeso, harmônico e sempre concordante, ele era bem eclético. Mesmo assim, o corpo apostólico se tornou decisivo aos rumos iniciais dos primeiros cristãos e em Pentecostes, e o “ensino dos apóstolos” foi o fundamento da igreja desde então (At 2.42). Mas quando olhamos isso na perspectiva da diversidade de origem e interesses de cada um deles, descobrimos que, realmente, para esses indivíduos a pessoa de Jesus era a causa e identidade principal da comunidade cristã. Basta observar as características de alguns deles para entender isso.1
A grande maioria deles era da Galileia, como o próprio Jesus. Talvez a única exceção era Judas Iscariotes, cujas ligações com Jerusalém foram propícias para trair Jesus. Apesar da mesma origem geográfica, havia entre eles diferentes interesses e personalidades.
O grupo mais próximo de Jesus era formado por Pedro, e os irmãos Tiago e João. Os três eram pescadores e sócios nos negócios (Lc 5.10). Tiago e João foram também chamados por Jesus de “filhos do trovão” por seu caráter intempestivo. Certa vez, quando Jesus e os discípulos foram hostilizados em um vilarejo samaritano, Tiago e João perguntaram a Jesus, “queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?” (Lc 9.54, NVI). Jesus respondeu: “Vocês não sabem que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los” (Lc 9.55). Tiago e João também foram os discípulos que, depois de Jesus alertá-los de sua morte e ressurreição (Mc 10.32-34), fizeram o ambicioso pedido para se assentarem um de cada lado de Jesus no seu reino. Mais uma vez ouviram de Jesus “Vocês não sabem o que estão pedindo” (Mc 10.38). Os outros discípulos ficaram indignados com eles. Jesus procura acalmá-los e instruí-los que, apesar de os governantes das nações serem dominadores, “não será assim entre vocês”, porque “quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos” (Mc 1.43-44).
Pedro, como sabemos, também tinha um caráter impulsivo e fervoroso. Ele é sempre mencionado primeiro nas listas dos apóstolos (Mt 10.2; Mc 3.16; Lc 6.14) e, de fato, ocupa papel muito importante nos anos iniciais da igreja apostólica. Era uma pessoa de reações e atitudes imprevisíveis. Demonstrava coragem e, outras vezes, medo. Foram justamente Pedro, Tiago e João que acompanharam Jesus ao Getsêmani, após a última Ceia e antes de Jesus ser preso. De acordo com João (Jo 18.10), foi Pedro quem puxou da espada e cortou fora a orelha de um dos soldados que veio prender Jesus. Jesus o repreendeu, “Guarde a espada! Pois todos os que em, punham a espada, pela espada morrerão” (Mt 26.52).
O irmão de Pedro era André. Não temos muita informação dele, porém, o Evangelho de João nos diz que ele era um dos discípulos de João Batista que logo seguiu Jesus quando lhe foi dito que ele era o Cordeiro de Deus (Jo 1.35-42). Como discípulo de João Batista, deve ter também vivido no deserto e se associado à comunidade dos essênios, que era um grupo religioso radical e ascético que desejava a renovação espiritual do judaísmo. Defendiam uma obediência rigorosa à lei, não participavam do culto no templo e se isolavam no deserto. Quando batizava, João Batista pregava abertamente contra a corrupção dos coletores de impostos e o abuso de poder e os fake news dos soldados (Lc 3.7-14), e os chamava de “raça de víboras”. André, certamente, teve a influência dos ensinamentos e modo de vida de João Batista e, possivelmente, conviveu com os essênios ou seguia alguns de seus ensinamentos.
Mateus, também conhecido como Levi, era um desses coletores de impostos, um publicano, quando foi chamado por Jesus (Mt 9.9). Os coletores de impostos eram mal vistos mesmo em Roma quanto mais na Judeia, pois eram responsáveis por arrecadar os impostos (publicum) dos cidadãos, inclusive de seus compatriotas judeus, e enviá-los aos seus superiores. Estão muitas vezes associados a pecadores, prostitutas e pagãos (Mt 9.10-13; 18.15-17; 21.31-32). Aparentemente, cobravam mais do que era devido (Lc 3.12-13), por isso, eram vistos como gananciosos e traidores. Eram também corruptos, pois aceitavam propinas e extorquiam os cidadãos. Os fariseus e religiosos os consideravam impuros e rechaçavam Jesus por se associar a esse tipo de gente. Mateus, evidentemente, era bem abastado e depois de ser chamado por Jesus, ofereceu em sua casa um banquete onde estava também seus companheiros publicanos (Mt 9.10; Lc 5.29).
No grupo dos discípulos havia também Simão, o Zelote. Era assim conhecido ou por seu zelo pessoal ou, mais provavelmente, por sua associação ao movimento de zelotes, um grupo de judeus radicais e revolucionários que defendiam a resistência armada ao império romano. Tinham um fervor nacionalista, porém, nunca alcançaram seu objetivo de expulsar os romanos mesmo porque, eles próprios, se subdividiam em diversas facções, dentre elas os sicários, assim chamados porque carregavam uma pequena adaga ou punhal (no latim, sica) com a qual atacavam romanos ou judeus. William Barclay é da opinião de que, além de Simão, Tiago, filho de Alfeu, Judas Tadeu e Judas Iscariotes eram também do movimento zelote. É bem possível que Iscariotes se refira ao fato de Judas ser do grupo dos sicários. De todo modo, o próprio nome Judas, bastante comum naquela época, pode bem ser uma alusão a Judas Macabeu, o líder judeu do período interbíblico que juntamente com seu pai e irmãos lutaram para libertar Israel da opressão de Antíoco Epífanes (cf. DeBarros).
Estes são apenas alguns dos discípulos de Jesus. É difícil imaginar como Jesus conseguia conviver com pessoas tão diferentes. Além disso, a mensagem e atitude de Jesus para com os inimigos e pecadores eram radicalmente opostas às ambições de alguns de seus discípulos mais chegados. Mesmo assim, Jesus os escolhe e os usa como instrumentos.
Não dá para saber até que ponto os discípulos realmente deixaram para trás seus ideais e convicções após seguirem Jesus. O fato de não ouvirmos mais a respeito da maioria deles depois da ascensão de Jesus pode indicar que ou retornaram à sua antiga atividade ou o grupo apostólico se dispersou, cada um seguindo um destino distinto em cumprimento à ordenança de Jesus de proclamar o evangelho à toda criatura. Seja como for, Jesus foi quem deu a nova identidade a todos eles e, apesar de seus diversos e variados interesses foram indiscutível e permanentemente impactados e transformados pela radical mensagem compassiva e amorosa de Jesus de que “Vocês não sabem que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los” (Lc 9.55).
Acredito que a igreja brasileira precisa ouvir repetidamente essa boa nova de Jesus.
Nota
1. Uma excelente pesquisa sobre os discípulos foi feita por Aramis C. DeBarros (Doze homens, uma missão: um perfil bíblico-histórico dos doze discípulos de Cristo. Curitiba: Luz e Vida, 1999) de onde baseio algumas informações apresentadas aqui.
Leia mais
» A ética do ódio, as fake news e a idoneidade cristã
Estamos a alguns dias do segundo turno das eleições e como tem sido amplamente comentado, analisado e criticado, esse pleito está polarizado demais. O que impressiona e assusta é que o antagonismo político dos candidatos à presidência divide não só grupos historicamente opostos como também provoca tensões e divisões dentro de grupos que até então não demonstravam grande diversidade e oposição política. Amigos, colegas de escola, famílias e igrejas estão repercutindo essa polarização e antagonismo. Alguns se afastam das redes sociais ou bloqueiam ‘amigos’ por causa das desavenças. A mera citação de um versículo em redes sociais pode ser motivo para uma enxurrada de reações de cunho político. Tentativas de apaziguamento são também recebidas como instrumentos de favorecimento a esse ou aquele candidato.
Fiquei pensando em Jesus e os seus discípulos. Não nos damos conta da diversidade de origens, personalidades, interesses e partidos políticos e religiosos que havia naquele grupo de indivíduos. As páginas dos Evangelhos e Atos dos Apóstolos nos dizem muito pouco sobre eles, mas algumas informações dos textos bíblicos e alguns escritos cristãos dos primeiros séculos nos permitem perceber que, apesar de o grupo parecer coeso, harmônico e sempre concordante, ele era bem eclético. Mesmo assim, o corpo apostólico se tornou decisivo aos rumos iniciais dos primeiros cristãos e em Pentecostes, e o “ensino dos apóstolos” foi o fundamento da igreja desde então (At 2.42). Mas quando olhamos isso na perspectiva da diversidade de origem e interesses de cada um deles, descobrimos que, realmente, para esses indivíduos a pessoa de Jesus era a causa e identidade principal da comunidade cristã. Basta observar as características de alguns deles para entender isso.1
A grande maioria deles era da Galileia, como o próprio Jesus. Talvez a única exceção era Judas Iscariotes, cujas ligações com Jerusalém foram propícias para trair Jesus. Apesar da mesma origem geográfica, havia entre eles diferentes interesses e personalidades.
O grupo mais próximo de Jesus era formado por Pedro, e os irmãos Tiago e João. Os três eram pescadores e sócios nos negócios (Lc 5.10). Tiago e João foram também chamados por Jesus de “filhos do trovão” por seu caráter intempestivo. Certa vez, quando Jesus e os discípulos foram hostilizados em um vilarejo samaritano, Tiago e João perguntaram a Jesus, “queres que façamos cair fogo do céu para destruí-los?” (Lc 9.54, NVI). Jesus respondeu: “Vocês não sabem que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los” (Lc 9.55). Tiago e João também foram os discípulos que, depois de Jesus alertá-los de sua morte e ressurreição (Mc 10.32-34), fizeram o ambicioso pedido para se assentarem um de cada lado de Jesus no seu reino. Mais uma vez ouviram de Jesus “Vocês não sabem o que estão pedindo” (Mc 10.38). Os outros discípulos ficaram indignados com eles. Jesus procura acalmá-los e instruí-los que, apesar de os governantes das nações serem dominadores, “não será assim entre vocês”, porque “quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos” (Mc 1.43-44).
Pedro, como sabemos, também tinha um caráter impulsivo e fervoroso. Ele é sempre mencionado primeiro nas listas dos apóstolos (Mt 10.2; Mc 3.16; Lc 6.14) e, de fato, ocupa papel muito importante nos anos iniciais da igreja apostólica. Era uma pessoa de reações e atitudes imprevisíveis. Demonstrava coragem e, outras vezes, medo. Foram justamente Pedro, Tiago e João que acompanharam Jesus ao Getsêmani, após a última Ceia e antes de Jesus ser preso. De acordo com João (Jo 18.10), foi Pedro quem puxou da espada e cortou fora a orelha de um dos soldados que veio prender Jesus. Jesus o repreendeu, “Guarde a espada! Pois todos os que em, punham a espada, pela espada morrerão” (Mt 26.52).
O irmão de Pedro era André. Não temos muita informação dele, porém, o Evangelho de João nos diz que ele era um dos discípulos de João Batista que logo seguiu Jesus quando lhe foi dito que ele era o Cordeiro de Deus (Jo 1.35-42). Como discípulo de João Batista, deve ter também vivido no deserto e se associado à comunidade dos essênios, que era um grupo religioso radical e ascético que desejava a renovação espiritual do judaísmo. Defendiam uma obediência rigorosa à lei, não participavam do culto no templo e se isolavam no deserto. Quando batizava, João Batista pregava abertamente contra a corrupção dos coletores de impostos e o abuso de poder e os fake news dos soldados (Lc 3.7-14), e os chamava de “raça de víboras”. André, certamente, teve a influência dos ensinamentos e modo de vida de João Batista e, possivelmente, conviveu com os essênios ou seguia alguns de seus ensinamentos.
Mateus, também conhecido como Levi, era um desses coletores de impostos, um publicano, quando foi chamado por Jesus (Mt 9.9). Os coletores de impostos eram mal vistos mesmo em Roma quanto mais na Judeia, pois eram responsáveis por arrecadar os impostos (publicum) dos cidadãos, inclusive de seus compatriotas judeus, e enviá-los aos seus superiores. Estão muitas vezes associados a pecadores, prostitutas e pagãos (Mt 9.10-13; 18.15-17; 21.31-32). Aparentemente, cobravam mais do que era devido (Lc 3.12-13), por isso, eram vistos como gananciosos e traidores. Eram também corruptos, pois aceitavam propinas e extorquiam os cidadãos. Os fariseus e religiosos os consideravam impuros e rechaçavam Jesus por se associar a esse tipo de gente. Mateus, evidentemente, era bem abastado e depois de ser chamado por Jesus, ofereceu em sua casa um banquete onde estava também seus companheiros publicanos (Mt 9.10; Lc 5.29).
No grupo dos discípulos havia também Simão, o Zelote. Era assim conhecido ou por seu zelo pessoal ou, mais provavelmente, por sua associação ao movimento de zelotes, um grupo de judeus radicais e revolucionários que defendiam a resistência armada ao império romano. Tinham um fervor nacionalista, porém, nunca alcançaram seu objetivo de expulsar os romanos mesmo porque, eles próprios, se subdividiam em diversas facções, dentre elas os sicários, assim chamados porque carregavam uma pequena adaga ou punhal (no latim, sica) com a qual atacavam romanos ou judeus. William Barclay é da opinião de que, além de Simão, Tiago, filho de Alfeu, Judas Tadeu e Judas Iscariotes eram também do movimento zelote. É bem possível que Iscariotes se refira ao fato de Judas ser do grupo dos sicários. De todo modo, o próprio nome Judas, bastante comum naquela época, pode bem ser uma alusão a Judas Macabeu, o líder judeu do período interbíblico que juntamente com seu pai e irmãos lutaram para libertar Israel da opressão de Antíoco Epífanes (cf. DeBarros).
Estes são apenas alguns dos discípulos de Jesus. É difícil imaginar como Jesus conseguia conviver com pessoas tão diferentes. Além disso, a mensagem e atitude de Jesus para com os inimigos e pecadores eram radicalmente opostas às ambições de alguns de seus discípulos mais chegados. Mesmo assim, Jesus os escolhe e os usa como instrumentos.
Não dá para saber até que ponto os discípulos realmente deixaram para trás seus ideais e convicções após seguirem Jesus. O fato de não ouvirmos mais a respeito da maioria deles depois da ascensão de Jesus pode indicar que ou retornaram à sua antiga atividade ou o grupo apostólico se dispersou, cada um seguindo um destino distinto em cumprimento à ordenança de Jesus de proclamar o evangelho à toda criatura. Seja como for, Jesus foi quem deu a nova identidade a todos eles e, apesar de seus diversos e variados interesses foram indiscutível e permanentemente impactados e transformados pela radical mensagem compassiva e amorosa de Jesus de que “Vocês não sabem que espécie de espírito vocês são, pois o Filho do homem não veio para destruir a vida dos homens, mas para salvá-los” (Lc 9.55).
Acredito que a igreja brasileira precisa ouvir repetidamente essa boa nova de Jesus.
Nota
1. Uma excelente pesquisa sobre os discípulos foi feita por Aramis C. DeBarros (Doze homens, uma missão: um perfil bíblico-histórico dos doze discípulos de Cristo. Curitiba: Luz e Vida, 1999) de onde baseio algumas informações apresentadas aqui.
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» A ética do ódio, as fake news e a idoneidade cristã
Pastor presbiteriano e doutor em Antigo Testamento, é professor e capelão no Seminário Presbiteriano do Sul, e tradutor de obras teológicas. É autor do livro O propósito bíblico da missão.
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